Realismo: portador da dignidade humana

30/12/2014 15:43 Atualizado: 02/01/2015 00:19

Então, vamos olhar para o que estava sendo feito por artistas acadêmicos do final do século 19. De fato, é no reino da dignidade humana em que se encontram as realizações verdadeiramente prodigiosas dos escritores e dos artistas da época.

William Bouguereau, que era considerado talvez o maior artista vivo na França durante sua época, é o meu exemplo favorito, pois diversos outros artistas se inspiravam em seu trabalho e adoravam as contribuições que fez para o campo das artes.

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Ele foi acusado de trabalhar apenas para seus clientes burgueses, mas na verdade ele se orgulhava de ser capaz de pintar qualquer coisa que queria. E a demanda por seu trabalho foi tão grande, que a maioria das obras foram vendidas antes da pintura ter acabado a secagem.

Ele era um viciado em trabalho, pintava de 14 a 16 horas por dia. Ele possuía uma preocupação pessoal com seus funcionários, seus alunos e seus colegas, e foi amplamente conhecido por ajudar a quase todos os necessitados que passaram por sua vida.

Ele era amado por todos eles. Tenho lido muitas cartas escritas para ele por essas pessoas. Temos, inclusive, alguns dos documentos originais nos arquivos Bouguereau. Veio à minha mente uma carta muito comovente, escrita a ele por um dos mestres mais velhos do período, Paul Delaroche.

Nascido em 1797, Delaroche era 28 anos mais velho que Bouguereau. Mas nesta carta, ele agradece ao seu bom amigo por ter lhe emprestado dinheiro, admite ter desperdiçado alguns ganhos com os quais ele poderia tê-lo pago de volta mais cedo, e agradeceu-lhe por permitir que demorasse mais tempo para retornar o dinheiro.

Bouguereau também desempenhou um papel central na abertura do Salão de Paris e nas academias francesas para mulheres artistas. A partir de 1868, juntamente com Rudolph Julian, Jules Lefebvre, Gabriel Ferrier e Robert Tony Fleury, todos entre os pintores mais bem sucedidos e famosos da França, começaram a dar aulas regulares para mulheres e ainda analisavam seus trabalhos. Em 1893 todas as principais escolas tiveram cursos para mulheres, até mesmo a mais renomada Academie Francais.

Bouguereau nasceu em 1825, depois da tempestade das revoluções americana e francesa, dois eventos que incorporaram, mais do que qualquer outro, os avanços do pensamento iluminista. Bouguereau e Victor Hugo estavam no topo da lista dos principais artistas e escritores da época, cujo trabalho foi codificar esses avanços, e preencher a lacuna de séculos que passou de sociedades governadas por reis e imperadores que ditavam por direitos divinos, para uma civilização feita de homens e leis onde os governantes só poderiam ganhar legitimidade a partir do consentimento dos governados.

Deixem-me citar “Democracia na América”, de Alexis De Tocqueville, escrito em 1835-1840, onde ele afirma:

“A sociedade do mundo moderno, que tenho procurado delinear, e que busco julgar, acabou de tomar exitência. O tempo ainda não moldou a sua forma perfeita. A grande revolução pela qual ela foi criada ainda não acabou e em meio as ocorrências de nosso tempo, é quase impossível discernir o que deixou de existir por causa dela, e o que vai sobreviver quando estiver completa. O mundo que surge ainda está meio encoberto pelos restos do velho mundo que definha decadente e, em meio à vasta perplexidade de assuntos humanos, ninguém pode dizer quantas instituições e costumes antigos permanecerão, ou como poderão desaparecer completamente.”

Não era muito claro onde iríamos acabar, mas ficou claro o que era necessário e essencial para que as pessoas pudessem organizar suas vidas de forma segura, pois só um povo livre e seguro pode construir um ajuste para civilização na cultura e nas artes.

Por isso, foram os escritores e artistas do primeiro século da liberdade, do século 19, que consideravam ser seu dever e sua responsabilidade de organizar, codificar, popularizar, e proteger os valores, leis e instituições que democratizaram a sociedade e que garantem a perpetuação da liberdade; um modo de vida que chegou tão recentemente para os assuntos humanos. A forma como eles estavam desempenhando essas atividades, certamente definiram seu impacto e efeito nas gerações futuras, talvez, até nos séculos vindouros.

"Esperando pelos barcos", de Walter Langley (1852-1922) (Cortesia do Art Renewal Center)
“Esperando pelos barcos”, de Walter Langley (1852-1922) (Cortesia do Art Renewal Center)

Esta é a Parte 8 de uma série de 11 partes do discurso proferido por Frederick Ross, no dia 07 de fevereiro de 2014, apresentado no Artists Keynote Address to the Connecticut Society of Portrait Artists. Frederick Ross é presidente e fundador do Art Renewal Center (www.artrenewal.org)

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