A realidade crua e sem alívio para quem perde seu filho único na China

06/05/2014 12:51 Atualizado: 06/05/2014 12:51

Há um dizer antigo na China: “Tenha uma criança para protegê-lo na velhice.” Mas um número crescente de famílias na China que perdeu seu único filho está agora enfrentando dificuldades financeiras em seus anos poentes e estão irritados com a política de longa data do regime chinês, que normalmente lhes nega ter mais de um descendente.

Agora, 2.431 desses pais receberam uma resposta breve sobre uma petição feita dois anos atrás, que buscava compensação por terem perdido seu filho único: Não.

A Secretaria Nacional de Saúde e Planejamento Familiar disse aos pais que não existe uma política de compensação para eles. A resposta veio depois que 240 representantes dos peticionários viajaram a Pequim pela quarta vez em 21 de abril, segundo o Legal Evening News.

Esses pais e muitos outros estão irritados com o que julgam ser injustiça de uma política que emite multas severas por seu descumprimento e não oferece qualquer auxílio para as consequências resultantes de se obedecer à lei.

“Como cidadãos, cumprimos a obrigação da política do filho único, mas esperamos que o Estado estabeleça alguma forma de proteção para o risco que assumimos”, escreveram os pais em sua apelação ao governo.

“Quem velará por mim?”

A política do filho único foi lançada na China em 1980 como um método de controle da população com base em teorias científicas duvidosas. Ela se aplica a todos, embora haja exceções, como famílias de agricultores, que dependem do trabalho manual: eles têm permissão para ter um segundo filho se a primeira criança for uma menina ou se tiver algum problema de saúde debilitante.

Porém, o número de famílias que perdeu seu único filho desde que a política foi instituída tem aumentado. Cálculos do Anuário Estatístico de Saúde da China de 2010 mostram que a China tem mais de um milhão de famílias que perderam seu único filho; a cada ano cerca de 76 mil outros morrem, segundo a mídia estatal Beijing News.

Os pais atualmente envolvidos na disputa com o regime comunista chinês têm em sua maioria mais de 50 anos de idade, e perderam seus filhos inesperadamente quando estes estavam na adolescência ou na faixa dos 20 anos: Esses pais sofrem não só da dor da perda, mas anos de solidão e falta de apoio, inclusive financeiro.

“Eu não sei quem cuidará de mim quando eu adoecer ou quem velará por mim quando eu morrer”, disse uma mãe-líder do grupo de petição. Ela se identificou como “a mãe de Di”, numa entrevista com a Legal Evening News.

Mísera compensação

Os pais têm apontado que, embora as punições financeiras por violar a política do filho único sejam rigorosas, a compensação por suas consequências não existe.

As autoridades cobram dos infratores da política o que chamam de “taxas de manutenção social”. Estas são cobradas ao longo do ano, mas não há registo público do montante total das taxas cobradas, nem onde o dinheiro foi gasto. Um advogado tentou acessar alguns dos dados, mas ficou chocado com o que encontrou.

Em julho passado, Wu Youshui fez uma requisição oficial solicitando dados em Zhejiang, uma das 31 províncias chinesas que deveria fornecer informações; 24 províncias forneceram dados em janeiro deste ano, segundo o Beijing News.

No total, os dados mostraram que foi cobrado um total de 20 bilhões de yuanes (US$ 3,2 bilhões) dos cidadãos que violaram a política do filho único em 2012. As outras sete províncias não responderam, incluindo a província de Anhui, que tem uma população de mais de 60 milhões. Mas a compensação dificilmente pode se comparar a esses números.

Em 2008, o governo começou a oferecer 135 yuanes (US$ 21,60) como uma “taxa de assistência” por pessoa por mês para as famílias que perderam seu único filho. Após uma série de recursos e petições, a taxa de assistência foi aumentada ligeiramente para 340 yuanes (US$ 54) para os residentes urbanos e 170 yuanes (US$ 27) para os residentes rurais, a partir de janeiro deste ano.

Mas os pais querem uma equivalência entre a multa e a compensação. “Há uma lei para a cobrança de taxas por violar a política do filho único, por isso também deve haver leis para compensar aqueles que seguem a política. Obrigações e a proteção dos direitos devem caminhar juntas”, disse a petição.

60 anos e com gêmeos

A tristeza e a solidão são a causa de maior sofrimento para os pais que perderam seus filhos. Mas Guo Min, de 60 anos, tomou a questão em suas próprias mãos de uma maneira extraordinária: agora ela é mãe de gêmeos de 4 anos, segundo relatos da mídia chinesa.

Incapaz de suportar o pânico de perder sua única filha num acidente de carro em 2005, Guo decidiu tentar um procedimento de transferência de embriões e deu à luz a gêmeos com sucesso em 2011, um menino e uma menina, quando ela tinha 56 anos.

Mas isso também adicionou alguns encargos financeiros e a pensão mensal de sua aposentadoria de 1.800 yuanes (US$ 288) está longe de ser suficiente para criar uma família em Pequim. Guo agora corre entre múltiplos empregos de contabilidade, que pagam 300-400 yuanes por mês.

Promessas quebradas

Durante anos, intensa propaganda promoveu a política do filho único, mas o que o regime prometeu ao longo dos anos mudou bastante.

Uma manchete de jornal em 1985 dizia: “Tenha apenas um filho, e o governo cuidará de você quando você envelhecer.” Em 2005, o slogan foi ajustado: “O governo ‘ajudará’ a cuidar de você quando você envelhecer.” Em 2012, o bordão foi novamente reajustado: “Adie sua aposentadoria, e cuide de si mesmo.” E em 2013: “Hipoteque sua casa para cuidar de si próprio quando você envelhecer.”

Fotos sobre estes slogans contrastantes se tornaram virais na internet.