Inspirado na frase do pintor inglês William Blake “ver o mundo num grão de areia” e na dualidade entre matéria e fenômeno explorada pela filosofia e pela mecânica quântica, artista japonês estreia na cidade com sua experiência que integra o Projeto OiR
RIO DE JANEIRO – Terminou ontem (9) no Rio de Janeiro o espetáculo audiovisual ‘O Radar’, promovido pelo artista japonês Ryoji Ikeda, uma das diversas instalações artísticas do Projeto OiR (‘Outras ideias para o Rio’) que este mês ocupam espaços públicos transformando a cidade maravilhosa num grande museu a céu aberto.
Entre os dias 7 e 9 de setembro, um sistema de projeção digital suspenso por uma torre de 15 metros de altura fez das areias e de parte do mar da Praia do Diabo, no Arpoador, zona sul do Rio, uma grande tela durante três noites consecutivas.
A partir de dados astronômicos da NASA, foram projetados pontos refletindo na areia as estrelas correspondentes ao trecho exato do céu sobre a praia. Formas diversas como linhas, curvas e grades animadas também escaneavam a superfície completando a vídeo-projeção, que lembrava justamente um radar.
Simultaneamente e de forma sincronizada com as projeções, um sistema sonoro disparava sons digitais de onda senoidal (forma de som tratado mais reduzida que existe), contrastando com os ruídos analógicos aleatórios das ondas do mar.
“Foi interessante. Primeiro, olhando de fora, a gente achou muito curioso. Depois, lá na areia, no meio daquelas luzes foi uma viagem, como um transe, porque juntou o áudio com os efeitos visuais. Pareceu que a gente estava mesmo num observatório espacial, no meio das estrelas”, contou o filósofo Leandro Nicalthaia, 26, ao sair da instalação interativa com sua companheira Natasha Santos, 27, igualmente impressionada. Estudante de administração, Natasha criticou, porém, a falta de banheiros, já que o do Posto 7, da praia do Arpoador, estava fechado.
Inspirada na frase do poeta e pintor inglês do século XVII William Blake “ver o mundo num grão de areia e um céu numa flor selvagem é ter o infinito na palma da mão e a eternidade em uma hora”, a obra foi projetada especialmente para a Praia do Diabo.
“Me senti provocado por um dos fatos mais incompreensíveis da Natureza: a dualidade onda-partícula, que pode ser também interpretada como ‘o contínuo e discreto’ problema do analógico versus digital, que é discutido em filosofia e matemática desde a época de Pitágoras ou Aristóteles até hoje”, explica Ikeda, que teve a ideia ao observar um ritual na areia da praia quando visitava o local. “O papel do lugar como um lugar de exorcismo é fascinante. Eu simplesmente senti algo universal.”
“Na escala subatômica, elétrons ou fótons se comportam como onda e partícula ao mesmo tempo. A areia da praia pode ser pensada como partícula. As ondas na praia são ondas literárias”, filosofa o artista, cuja obra ensaia um ‘radar do universo e da matéria’.
“Partícula é sempre sobre matéria. Atomização é explorar a lista do alfabeto fundamental da Natureza. Onda é sempre sobre fenômeno. Ela precisa de uma matéria, meio, e funciona como uma gramática para os alfabetos. O universo é tudo. A entidade quântica é o menor elemento do universo”, arrisca.
Ryoji Ikeda, que também é DJ e compositor minimalista, é um artista contemporâneo japonês de renome internacional radicado em Paris. Suas obras sempre envolvem e exploram as combinações entre sons e imagens, como a que converteu freqüências das antenas de televisão e wi-fi em projeções audiovisuais sobre superfícies diversas no Park Avenue, em Nova Iorque.
Projeto OiR
OiR, que também é o nome da cidade invertido, busca pensar o Rio de uma forma diferente invocando olhares estrangeiros sobre a paisagem carioca. “Essa cidade que foi iconizada por uma obra de arte pública, o Cristo Redentor, precisa ter uma atitude positiva que estimule a criatividade e o diálogo entre culturas distintas”, explica Marcello Dantas, curador do projeto idealizado por Vik Muniz.
Inédito, o Projeto OiR pretende ser bienal, promovendo intervenções de artistas internacionais em cartões postais do Rio até as Olimpíadas de 2016. Após as seis obras desta primeira edição (que termina 2 de novembro) deixarem a cidade, uma nova leva chegará às vésperas da Copa do Mundo de 2014.
As seis obras desta primeira etapa, que captou 6 milhões de reais via leis Rouanet e do ICMS, levam a assinatura do japonês Ryoji Ikeda (Arpoador), dos ingleses Andy Goldsworthy (Cais do Porto) e Brian Eno (Arcos da Lapa), do espanhol Jaume Plensa (Enseada de Botafogo), do norte-americano Robert Morris (Cinelândia) e do brasileiro Henrique Oliveira (Parque Madureira), único artista nacional.