Queda no mercado de ações chinês pode ter sido planejada, segundo especialistas

12/08/2015 11:33 Atualizado: 12/08/2015 11:33

Em 1º de julho, quando mais de 200 milhões de ações da Sinopec Oilfield Service Corp. foram despejadas no mercado causando a queda do preço das ações em 10% (o máximo permitido em um dia), o Sr. Zhu, um investidor que mora em Toronto, achou isso suspeito.

O padrão se repetiu no dia seguinte: ocorreu outra venda massiva de uma empresa afiliada ao Estado Chinês (a Sinopec, é ela própria uma das maiores empresas estatais na China), maximizando a queda de 10% permitida pelos reguladores de valores mobiliários chineses. E esse padrão foi revertido na semana que antecedeu o declínio mais intenso; enormes volumes comprados, levando o preço subir antes de um pico agudo, e depois uma caída severa.

A ideia de que há algo artificial no mercado de ações chinês, algo político e manipulado, já não é uma proposta controversa.

A mesma coisa aconteceu com milhares de ações, tanto pequenas como grandes, no mercado de ações chinês. O padrão começou no final de junho, aniquilando US $ 3.5 trilhões em capitalização de mercado em algumas semanas.

Dadas as circunstâncias, o Sr. Zhu, que está presente no mercado de ações há 25 anos, percebeu a sombra de uma conspiração. “Este colapso dramático, em termos de velocidade e escala, quando não houve grandes choques externos repentinos – para que seja tão rápido e grande- mostra que não se tratou de flutuações normais do mercado”, escreveu em um email. “É fácil ver que as ações eram controladas e manipuladas, e elas deslizaram mil milhas para baixo com total desrespeito aos numerosos esforços feitos pelo governo para interromper a descida.”

Ele acrescentou: “Quem estava manipulando essas ações, como foi financiado, é tudo difícil de dizer claramente. …  Evidentemente, não foi para ganhar dinheiro, nem eles sequer tiveram o cuidado de preservar o seu capital. Então, para que foi isso?”

Se a subida e a queda das ações da Sinopec foram de fato uma manipulação — Zhu identificou outras 20 ações que suspeita estarem envolvidas em um jogo sujo, muitas delas exibindo a mesma compra e venda exagerada em um curto período – é difícil, se não impossível, de dizer.

Mas a ideia de que há algo artificial no mercado de ações chinês, algo político e manipulado, já não é uma proposta controversa.

Olhando para as mesmas empresas, Jon Carnes, um notável short seller de empresas chinesas que ele acusa publicamente de serem fraudes, também acredita que a política esteve por trás dos movimentos do mercado, embora não do tipo que Zhu diz.

“Onde o Sr. Zhu vê conspiração e manipulação, eu vejo falha de regulamentação”, diz Carnes, apontando para as paragens de negociação acionadas depois de uma perda de 10 por cento num só dia. “O limite, por definição, remove toda a liquidez e prepara o terreno para o pânico. Num  mercado em descida, quem sabe o que vai acontecer amanhã? “

Carnes concluiu: “Deixe os mercados negociar livremente e eles serão mais líquidos e portanto, menos sujeitos a manipulação.”

Manipulação das ações por políticos bem conectados, e outras diversas formas de interferência política no funcionamento do mercado, têm sido uma característica preponderante no mercado de ações chinês desde o começo.

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O mercado de ações como ferramenta política

Quando a Bolsa de Xangai abriu no final de 1990, tinha dois objetivos, ambos a nível político. Controlar e co-optar os mercados de capitais privados locais que haviam surgido em toda a China na década de 1980, à medida que empresários tentavam encontrar financiamento para os seus negócios. E em segundo lugar, trazer um mínimo de eficiência e governança corporativa moderna para o inchado setor estatal, o que representava incontáveis ​​bilhões em valor inexplorado. Claro, funcionários e membros da elite também foram capazes de ganhar dinheiro através da privatização não transparente dos bens públicos.

Ambos os objetivos foram cumpridos e durante todo o tempo, os mercados de ações da China têm trabalhado sob a orientação do Estado, que não mudou desde então.

Estas mesmas dinâmicas, onde o mercado de ações serve como uma ferramenta política para o Partido Comunista, estiveram em jogo em toda a recente subida do mercado de ações, potencialmente na própria queda do mercado, e até mesmo nas operações de socorro que se seguiram.

O resultado é que não é um mercado de ações no sentido em que estamos habituados (um meio para a alocação eficiente de capital), e sim uma ferramenta política para o Partido Comunista.

A subida no mercado de ações foi manipulada pelo Estado

Mercados de ações da China atingiram o pico em meados de junho; o Shanghai Composite Index mais do que duplicou desde 1 de agosto de 2014 até 12 de junho de 2015, enquanto o índice Shenzhen quase triplicou.

O rally especulativo, que ocorreu sem qualquer justificativa baseada nos fundamentos da economia e num clima de crescimento reduzido, foi projetado por Pequim.

O Diário do Povo, um órgão de comunicação oficial do Partido Comunista, escreveu em um editorial em dezembro do ano passado: “Nas décadas seguintes, o mercado de ações chinês terá … ampla base e as condições para saborear gradualmente os frutos do grande rejuvenescimento da nação chinesa – ‘O Sonho da China'”, de acordo com uma tradução feita pelo China Change, um site que acompanha as tendências políticas.

Policiais paramilitares de guarda na frente do Banco Popular da China, Pequim, em 8 de julho (Greg Baker / AFP / Getty Images)
Policiais paramilitares de guarda na frente do Banco Popular da China, Pequim, em 8 de julho (Greg Baker / AFP / Getty Images)

“Desta vez, o mercado em alta não se trata de um “mercado especulativo”, mas sim um “mercado de confiança”, continuou o jornal. “Os enormes dividendos, fruto do aprofundamento das reforma e abertura da China, serão suficientes para suportar a longo prazo um estável e crescente mercado em alta.”


Um mercado em alta serviria para incutir um sentimento de confiança na economia chinesa.

“As ações do tipo A … tem hasteado a grande bandeira que irá elevar a China ao patamar do rendimento médio, uma honra que não tem volta”, concluiu.

Inúmeros foram os editoriais deste tipo e as autoridades frequentemente vangloriavam o mercado de ações em suas propagandas, as quais procuraram demonstrar ao povo chinês que investir dinheiro no mercado de ações era uma proposta a não se perder. No auge da jogada, os chineses estavam recebendo dicas de ações de adivinhos, e os monges budistas abriram contas de corretagem.

Os investidores de varejo pediam dinheiro emprestado para especular, o regime lhes permitia até mesmo hipotecar suas casas.

O objetivo de tudo isso era claro: um mercado em alta iria incutir um sentimento de confiança na economia chinesa. Como Xinhua, a agência de notícias estatal, afirmou: “O aumento de confiança no mercado de ações tem animado toda a sociedade e promovido a fé no desenvolvimento, o que permite que as pessoas vejam o novo fenômeno com paz e otimismo.”

Investidores em toda a China colocaram seu dinheiro no mercado devido a essas promessas implícitas por parte do regime, o que, supostamente, garantiria a estabilidade social.

Uma queda proposital?

Enquanto os próprios mercados e sua participação foram forjados no caldeirão da necessidade política do Partido Comunista Chinês, é possível que a queda do mercado também tenha sido uma manobra de engenharia política.

Essa visão, que, essencialmente, postula uma conspiração entre facções por trás da queda, soa muito forçada se usarmos as categorias convencionais de análise financeira que podemos encontrar nos modernos países ocidentais com mercados de capitais desenvolvidos.

Entretanto, na China, é um ponto de vista considerado por analistas experientes, e é sustentado pela natureza profundamente política de praticamente tudo no país.

Wang Jianguo, um professor da Escola de Administração Guanghua, da Universidade de Pequim, publicou este ponto de vista em uma série de artigos furiosos na sua conta do Sina Weibo no início de julho. O comentário passou despercebido na mídia estrangeira.

“Todo o enredo é como uma sequência de anéis ligados. Absolutamente não é possível executar um ‘golpe financeiro’ em uma escala tão espantosa, sem um plano perfeito ou sem conhecer a fraqueza e ignorância do rival de forma tão clara “, ele escreveu. “Propaganda, alavancagem financeira … venda a descoberto coletiva e o momento do ataque trabalharam em conjunto. O desvio extremo de uma facção e a arrogância da outra facção sincronizam-se para realizar o que vemos acontecer.”

Wang não identificou as facões a que ele se refere, embora durante os últimos três anos na política chinesa, as únicas formações políticas sérias que vale serem mencionadas, são aqueles em torno do ex-líder do Partido Comunista, Jiang Zemin, e o chefe atual Xi Jinping.

A facção desonesta seria a de Jiang Zemin, usando uma queda financeira para atacar a facção arrogante de Xi Jinping, que tem, com sucesso, desmantelado em grande parte a facção de Jiang nos últimos dois anos.

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Jiang assumiu as rédeas do Partido Comunista após o massacre de Tiananmen, em 1989, e abandonou o cargo em 2002, mas na década seguinte, ele foi de longe a força dominante na política chinesa. Somente com a governança de Xi Jinping, o controle de Jiang sobre o setor da segurança e das forças armadas foi mitigado, embora ainda não o tenha sido no setor financeiro.

A enxurrada de mensagens de Wang Jianguo na Weibo inclui este comentário: “[O colapso] assola tanto o povo chinês como a atual liderança do partido. Quando foi realizado o ataque furtivo, o primeiro-ministro estava fora do país, que malícia!

“A economia da China foi quase arruinada por eles … eles ativamente conspiraram e planejaram destruir a economia da China”, disse Wang.

Como poderia tal manipulação ter ocorrido? Existem pontos de vista divergentes sobre se o mercado de ações da China é movido  principalmente por pequenos investidores, ou se é primariamente controlado e manipulado por elites e grupos de interesse escusos.

Se este último é o caso, a possibilidade de manipulação pode ser maior.

O Financial Times publicou recentemente uma análise sugerindo que os investidores de varejo “constituem 5% ou menos do valor total do mercado”.

No livro “A privatização China”, Carl Walter e Fraser Howie documentam um caso de manipulação do mercado de ações, onde um certo Lu Liang controlou 1.575 contas de investidores individuais para valorizar o preço de um título antes de vender suas ações, para obter um lucro considerável. No total, o número de contas fantasmas usadas no esquema pode ter chegado às 14 mil, segundo os autores.

Salvar o mercado

Se a queda foi projetada como parte de um ataque político a Xi Jinping – um cenário elaborado, embora esteja de acordo com o entendimento que muitos chineses têm do funcionamento interno do Partido Comunista Chinês –, ou se foi apenas uma consequência natural, ainda que súbita, de deflação de uma bolha especulativa exagerada, o braço pesado do Estado esteve, como sempre, presente nos bastidores.

Nas semanas seguintes ao colapso, quase metade do mercado foi congelado, o que significa que quase metade das ações listadas foram impedidas de serem compradas ou vendidas. Uma série de outras medidas foram instituídas “Para … essencialmente proibir grandes acionistas de vender suas ações, junto com muitas outras restrições sem precedentes em transações do mercado de ações”, diz Gordon Chang, autor e comentarista da China, em entrevista telefônica.

As autoridades também anunciaram a criação de um fundo de US $ 20 bilhões para apoiar o mercado, alinhando os bancos e empresas de valores mobiliários para declarar a unidade com a liderança central.

E em 9 de julho, a Xinhua anunciou que Meng Qingfeng, o vice-ministro do Ministério da Segurança Pública, visitou a Comissão Reguladora de Títulos Chinesa com sua comitiva, determinado a descobrir a razão da queda do mercado.

Com toda a pretensão de autonomia do mercado de ações em relação ao sistema político descartada, a Xinhua escreveu: “Eles vão trabalhar em conjunto com a CSRC para investigar pistas sobre a venda a descoberto maliciosa de ações e índices de ações nas últimas semanas. Isso mostra que os órgãos de supervisão vão atingir duramente com um punho pesado sobre todos os comportamentos ilegais e irregulares.”

Paul Huang contribuiu para este relatório.