O surgimento recente do termo “microestímulo” na esfera da economia chinesa marcou o abandono da diretiva de “sem estímulo” da Likonomics (o planejamento econômico sob o primeiro-ministro chinês Li Keqiang).
Reversão para “estímulo governamental”, por quê?
No início de fevereiro deste ano, já havia sinais de que a política econômica da China voltaria à velha forma de estímulo governamental. Mas desde que uma das ideias centrais da Likonomics era “sem estímulo”, essa mudança na política econômica tornou-se indizível, ou pelo menos teria de ser expressa de uma forma diferente, eis que surge o “microestímulo”.
Embora seja verdade que o premiê Li Keqiang não queria trilhar o velho e problemático caminho de estímulo governamental, a economia chinesa se tornou “dependente de investimento do governo”. Alterar essa característica da economia chinesa é tão difícil quanto fazer um sério viciado em anfetaminas parar de usar drogas. Em meu artigo publicado em julho do ano passado, eu já expressei minhas dúvidas.
Em fevereiro deste ano, o Banco Popular da China (BPC) anunciou seu plano de contratar Ma Jun como o economista-chefe de seu departamento de pesquisa. O crescimento da dívida local na China para níveis astronômicos nos últimos anos tem preocupado muitas pessoas, mas Ma estava entre os poucos otimistas que acreditavam que a escala das dívidas locais era gerenciável. Assim, a nomeação de Ma pelo BPC indicou que o governo adotará uma política de flexibilização monetária.
A proposta de Ma para resolver o problema das dívidas acumuladas é acelerar a introdução de regulamentação local para emissão de títulos do governo e, ao mesmo tempo, os governos locais continuariam a emitir obrigações. A escala da emissão de títulos do governo local tem de ser elevada de 350 bilhões de yuanes em 2013 para além de 500 bilhões de yuanes em 2014. Enquanto participava de uma reunião de finanças internacionais em abril, o vice-ministro da economia Zhu Guangyao anunciou numa entrevista que uma legislação relevante seria decretada para dar maior liberdade orçamental aos governos locais, que estão imersos em dívidas.
Esse ajuste na política econômica é devido à difícil situação econômica na China. Desde o final do ano passado, tem havido uma série de crises nos negócios de confiança do sistema bancário paralelo e más notícias sobre empréstimos privados; houve um grande número de pequenas e médias empresas que faliram devido a uma ruptura em sua cadeia de capital; e as condições da economia não são boas. Em março, a receita em todo o país foi de 1,01 trilhão de yuanes, um aumento de 5,2% ano-a-ano; o imposto de renda corporativa foi de 88,1 bilhões de yuanes, uma queda de 7% ano-a-ano; a receita tributária da indústria e negócios caiu 28,8% ano-a-ano. Os orçamentos locais permanecem altamente dependentes do leilão/venda de terras: no primeiro trimestre, o volume de concessões de terra foi de 1,08 trilhão de yuanes, um aumento de 40,3% ano-a-ano; e as receitas locais foram de 1,95 trilhão de yuanes. A relação entre o lucro do leilão de terras e outras receitas locais foi de 1:1,7.
A partir desses dados podemos ver que, se os governos locais na China tiveram dificuldade em decidir se deviam injetar estímulo na economia antes do primeiro trimestre deste ano, eles agora veem isso como medidas urgentes para tentar evitar a recessão, embora eles ainda não saibam se o estímulo funcionará.
Microestímulo: o alívio ansiosamente aguardado pelos governos locais
Diante da desaceleração da taxa de crescimento econômico que se torna cada vez mais notável, o esquema de “microestímulo” foi revelado. A reunião ordinária do Conselho de Estado convocada no início de abril apresentou três medidas para estimular a economia: implementar políticas financeiras de desenvolvimento e apoiar a reconstrução de favelas; aprofundar a reforma sistêmica em investimento ferroviário e seu financiamento e acelerar a construção de ferrovias; estudar a possibilidade de uma expansão no âmbito de implementação de políticas de abatimento fiscal para grandes, pequenas e micro empresas.
Bancos de investimento internacionais aplaudiram unanimemente estas medidas, pois acreditam que o “microestímulo” é mais vantajoso do que o “estímulo de grande escala”: essas medidas para estabilizar e aumentar o crescimento são menores em escala, equivalente a apenas 0,21% do PIB da China, e teoricamente não resultariam em novo excesso de capacidade nem desencadeariam novos problemas de dívida dos governos locais nem fariam os preços subirem (inflação).
A reação dos bancos foi impulsionada pelo interesse de sua própria indústria: suas empresas só podem crescer enquanto a China continuar a ser um lugar de alto retorno de investimento.
Os governos locais responderam ativamente às medidas de “microestímulo” anunciadas pelo governo central e promoveram versões locais das medidas para estabilizar e aumentar o crescimento. Segundo relatos, províncias como Guangdong, Hainan, Tianjin, Jiangxi e Guizhou divulgaram seus planos principais de investimento para este ano, envolvendo 3.665,8 bilhões de yuanes, 1.795 bilhões de yuanes, 823,1 bilhões de yuanes, 600 bilhões de yuanes e 249,9 bilhões de yuanes, respectivamente. Com um total de investimento prometido por estas províncias ultrapassando 7 trilhões de yuanes, sendo a proteção ambiental e o transporte os focos dos novos projetos, a diretiva que [os governos locais] deveriam seguir para controlar e evitar o risco de dívidas em 2014 deixou de ser eficaz.
Embora os detalhes concretos no que diz respeito aos projetos ambientais destas províncias ainda não tenham sido revelados, a construção do sistema de transporte e de novas cidades tem sido o centro dos planos econômicos dos governos locais e seus detalhes estão prontamente disponíveis. Tomemos como exemplo o sistema ferroviário; é incerto que a construção de estradas de ferro realmente gere benefício econômico. A melhor prova disso é que, enquanto o China Railway Group Ltd. tem acumulado mais de 3 trilhões de yuanes em dívidas, muitas províncias incluem obras ferroviárias em suas medidas de estímulo da economia local. O primeiro lote de projetos-chave da província de Jiangxi incluiu 43 itens relativos à construção do sistema de transporte. Neste ano, cinco rodovias estão programadas para terminar, seis rodovias existentes serem expandidas; projetos de construção de treze novas estradas começariam; e a construção da seção de Jiangxi de quatro ferrovias seria concluída – esses projetos soam para mim similares ao desastroso Grande Salto para Frente.
A construção de novas cidades nas províncias também não é razão para otimismo. Em 2013, o Grupo de Trabalho do Centro de Desenvolvimento e Reforma de Pequenas Cidades, do Comitê Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR), realizou uma pesquisa em 156 cidades municipais e 161 cidades condais em 12 províncias e regiões. O Grupo de Trabalho descobriu que mais de 90% das cidades municipais tinham planos para construir novas cidades e novos bairros. No total, as capitais de 12 províncias e regiões se prepararam para construir 55 novas cidades e distritos. O exemplo mais louco era o de uma capital provincial no Oeste da China que propôs a construção de três novos distritos e cinco novas cidades, que combinados totalizariam 7,8 vezes o tamanho da área urbana existente naquela cidade.
A respeito das cidades fantasmas pululando por toda a China, pode-se ver que os chamados novos projetos de urbanização revelados este ano ainda visam a impulsionar o PIB e gerar receitas para os governos locais. Esses projetos resultariam na estrutura econômica local se tornando ainda pior. Embora estes projetos de investimento financiados pela flexibilização monetária propiciem um alívio imediato para os governos locais, eles são um veneno para o desenvolvimento em longo prazo da economia chinesa.
De onde vem as verdadeiras ameaças para a segurança financeira da China?
O líder chinês Xi Jinping salientou recentemente sobre os 11 aspectos da segurança nacional que esta incluiria a segurança econômica e a segurança financeira. No entanto, na verdade, as ameaças à segurança econômica e financeira da China são nada menos do que as políticas de estímulo do próprio governo chinês.
O crescimento impressionante da economia chinesa nas últimas três décadas dependeu basicamente do investimento e estímulo do governo. E o investimento do governo foi em essência a forma de criar o chamado boom econômico, injetando mais e mais dinheiro.
Na última década, por exemplo, a economia chinesa foi impulsionada pela política monetária expansionista em curso, pela emissão de obrigações e pelo crescente investimento do governo. O mundo tem visto o resultado dessas práticas: a China se tornou a maior impressora de dinheiro do mundo; bolhas gigantescas se formaram na economia chinesa; e os governos locais se veem profundamente atolados em dívida.
Em face de uma crise iminente, o governo central disse na Conferência Central de Trabalho Econômico em dezembro passado e novamente no Relatório de Trabalho do Governo publicado em março deste ano que implementaria “uma política monetária prudente”, o que significaria interromper o aumento da oferta de dinheiro e a emissão de obrigações locais.
Apenas um mês depois, o esquema de “microestímulo” foi revelado. Isso indica que o governo central não tem mais opções para estimular o desenvolvimento econômico. Nos últimos dez anos ou mais, houve sucessivos pacotes de estímulo do governo – desde a construção de ferrovias de alta velocidade e cidades universitárias até o desenvolvimento imobiliário –, todos foram incapazes de estimular o crescimento econômico [sustentável] e deixaram para trás uma quantidade enorme de dívidas e uma estrutura econômica que se tornou terminalmente doente. Agora que o governo voltou ao antigo caminho de promover o desenvolvimento econômico com investimento do governo, pode-se dizer que a esperança por um reajuste na estrutura econômica foi completamente perdida.
Há um preço a pagar pelo reajuste da estrutura econômica. Para uma economia gigantesca como a da China, este preço seria enorme. O ano de 2008 foi quando o investimento estrangeiro começou a se retirar da China, e os preços dos imóveis na época não eram excessivamente elevados. Essa foi talvez a última oportunidade de a China reajustar sua estrutura econômica. No entanto, esse também foi o momento em que uma transição de poder estava prestes a ocorrer e o governo não quis assumir os riscos políticos e escolheu a opção míope de investimento governamental.
Embora sua decisão tenha provado a “superioridade” do “modelo chinês” pelos dois anos seguintes enquanto a economia mundial enfrentava dificuldades, eles perderam a última chance de reajustar a estrutura da economia chinesa.
O caminhão de investimento astronômico injetado após 2009 entrou no mercado imobiliário e no mercado de ações, e o único tipo de empresa que conseguiu colher enormes lucros foram as empresas estatais centrais cujo negócio principal era o mercado imobiliário.
Entre 2009 e 2013, este tipo de empresas centrais embolsou mais de 200 bilhões de yuanes em lucros, enquanto outros setores que receberam investimentos do governo tiveram imenso excesso de capacidade.
O ambiente de investimento da China de hoje não difere significativamente do de 2009, ainda há insuficientes novas áreas para investimento, a oferta monetária injetada pelo esquema de “microestímulo” ainda será absorvida pelo mercado imobiliário (em novos projetos de urbanização) e pelo mercado de ações.
No início de abril, os serviços competentes anunciaram a “conexão financeira direita Shanghai-Hong Kong”, que permite que investidores na China continental e em Hong Kong comprem ações listadas nas Bolsas de Valores de Hong Kong ou de Shanghai sem ter que definir uma conta local com antecedência. A julgar por esta manobra, parece que as autoridades entendem muito bem que o próximo foco econômico é a “especulação”.
No momento, as políticas econômicas da China passam por constantes mudanças e podem diferir de um mês para o outro. Como mencionei acima, o governo central disse em seu Relatório de Trabalho do Governo em março que buscaria “uma política monetária prudente” (uma diretiva) e em seguida divulgou em abril o esquema de “microestímulo” (essencialmente uma política de flexibilização monetária). Com sua diretiva e suas políticas avançando em direções opostas, o fato de que a economia chinesa é dependente de investimentos do governo, da mesma maneira que um viciado não consegue viver sem drogas, deveria estar perfeitamente claro agora.
He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea