Parece redundante, mas, do que é mesmo que o Brasil precisa? Boas políticas públicas, um melhor sistema de ensino, justa distribuição de renda, oportunidades iguais para todos, reformas políticas e econômicas, reforma agrária…. uma revolução?
Os debates sobre o sistema político-econômico ideal para o Brasil têm sido infindáveis especialmente hoje. As críticas entre as diversas ideologias político-econômicas geram redemoinhos e embates contínuos que, ao invés de promoverem movimentos coerentes e construtivos para o desenvolvimento da sociedade, promovem desgastes enormes nas estruturas e atividades socio-político-econômicas do país, em muitos níveis. Mas, por quê?
Com a formulação das teorias políticas, econômicas e sociológicas, profissionais da área formaram certas tendências de pensamento e visões cristalizadas para a intervenção e a organização social.
Porém, eles se esqueceram de que as ideologias servem para viabilizar as relações humanas e promover uma organização social positiva.Não representam as realidades humanas e sociais em si, mas procuram explicá-las e oferecer modelos teóricos para os conflitos humanos.
Além disso, esses cientistas e pensadores perdem de vista o fato de que nenhuma dessas doutrinas compreende totalmente a complexidade da estrutura humana (sua psique, seus instintos, suas necessidades emocionais, biológicas, espirituais, sociais etc). Por isso, a melhor das doutrinas sempre responde deficientemente aos desafios de compreender o ser humano e permitir a sua auto-organização adequada em sociedade.
As visões que tais idealistas utilizam para julgar a vida e intervir socialmente são sempre parciais e deficientes.Têm dificuldades em produzir efeitos positivos, corrigir deficiências e estabelecer modelos socio-político-econômicos ideais. Perdendo de vista esse fato e estando atados obsessivamente (inclusive emocionalmente) aos seus modelos teóricos, estes cientistas muitas vezes dificultam os processos sociais.
Não estamos dizendo que todos os modelos sociológicos e as doutrinas econômicas e políticas sejam inúteis. Pelo contrário, algumas foram fundamentais para conduzir a sociedade de forma relativamente coerente frente a grandes desafios. Porém, criaram modelos que impediram os seres humanos de utilizarem a sua própria inteligência e humanidade. Esse impedimento obstruiu uma perspectiva viva e efetiva que resolveriaos problemas coletivos.
Voltando para a realidade atual, cotidianamente vemos os simpatizantes de ideologias diversas entrando em discussões e até se atacando verbal e fisicamente.Se olharmos atentamente para suas abordagens das questões sociais, veremos que, na grande maioria das vezes, o que eles fazem é apenas defender seus pontos de vista.Tais pontos de vista, por sua vez, estão vinculados às deficiências pessoais, anseios e tendências emocionais.
Por exemplo, quando os Black Blocs entram em cena, quando os “rolezinhos” acontecem, quando os estudantes invadem reitorias, quando manifestantes pró-canabis caminham pela avenida Paulista, quando médicos são trazidos de Cuba, quando a polícia agride professores ou quando há uma greve na saúde pública ou na rede pública escolar, como cada um de nós e, particularmente, os especialistas formadores de opinião, se coloca frente à situação?
Se cada um ponderar com honestidade, verá que sua abordagem não é imparcial nem racional.O que surge de imediato são impulsos emocionais atrelados a justificativas ideológicas. É muito raro que alguém veja a situação com total imparcialidade, considerando, antes de tudo, os seres humanos envolvidos na questão. O que entra em cena imediatamente é o medo e a sensação de querer se defender da situação. Quando há um evento político ou social, a primeira coisa que pensamos é se ele corresponde às nossas expectativas ideológicas e então nos apressamos em justificá-la para defender nosso próprio ponto de vista.
Algumas pessoas defendem ferrenhamente o capitalismo, mostrando uma infinidade de qualidades e perspectivas positivas a seu respeito porque isso lhes agrada pessoalmente. Todos os aspectos negativos do capitalismo – o consumismo, a devastação do meio ambiente, a injusta exploração da mão-de-obra, a destruição de culturas tradicionais, etc. – ficam debaixo do tapete. Outras defendem o socialismo e o comunismo com unhas e dentes, falando ardorosamente de todas as conquistas sociais e humanas que o socialismo promoveu no mundo, quando, na verdade, são suas tendências pessoais que estão sendo defendidas. Essas pessoas também se tornam cegas e surdas quando se trata das atrocidades cometidas pelo comunismo – a exemplo da China -, como as ditaduras comunistas apavorantes, os assassinatos em massa, a banalização da morte em nome do sistema, os campos de trabalho forçado, o dogmatismo extremo, a perda das liberdades individuais, a destruição do meio ambiente, etc.
As pessoas que teorizam o mundo, de modo capitalista ou socialista, continuam forçando suas teorias e sistemas sobre as demais. Elas tentam desesperadamente moldar a realidade e os seres humanos de acordo com seus dogmas. Mas elas estão interessadas sinceramente nos demais? Estão preocupadas em compartilhar das dificuldades dos demais para auxiliar outros seres humanos? Ou estão preocupadas em impor seus modelos? Qual delas tem a abnegação necessária para implantar um sistema realmente imparcial? Já que seus modelos podem resolver os sofrimentos humanos e criar um mundo justo, por que não o fizeram até hoje? Porque ideologias são modelos perfeitos no mundo das ideias, mas não correspondem à realidade viva e complexa do mundo humano.
Então, afinal, do que o Brasil precisa? Na minha opinião, o Brasil não precisa de pessoas que construam modelos e ideologias em cima da realidade. Precisa de pessoas que se interessem pelas questões humanas reais e pelos problemas da coletividade. Não precisa de pessoas que querem resolver os problemas humanos através de suas ideologias particulares, mas sim de pessoas que tenham como foco o sucesso da própria coletividade humana.
Não importa que modelo esteja em jogo.Importa que os sistemas e as ações somente sirvam como meios para possibilitar a vida humana, para organizar funcional e positivamente a sociedade para nós todos.
Nós estamos falando da ação real de cada um de nós, que deve levar em consideração o outro e a sociedade. Se cada um de nós deixar de defender suas posições ideológicas, passando a pensar em cada coisa de forma imparcial, todos os nós serão paulatinamente desfeitos. Se pensarmos nos outros como pensamos em nós mesmos, os conflitos sociais serão aplainados e as soluções para as diferenças e desigualdades sociais serão realmente encontradas. Tudo isso não depende de ideologias, mas da boa vontade humana. Só da boa vontade humana. Basta não mentir para si mesmo.
Alberto Fiaschitello é cientista social e terapeuta naturalista