Na semana passada, quando muitos chineses se perguntavam quem seria o próximo grande alvo na campanha anticorrupção em curso, um programa de notícias da China Central de Televisão (CCTV) surpreendeu quase todos. O documentário de 14 minutos expunha as prostitutas em Dongguan, uma cidade de quase 7 milhões de pessoas, situada no centro da província de Guangdong, Sul da China.
Entre o público, o riso era a ordem do dia. Uma das brincadeiras de maior circulação é: “Mirando o tigre, as galinhas foram baleadas.” Em chinês moderno, “galinha” se refere a mulheres, mas de maneira pejorativa. Um “tigre” é um funcionário chinês de alto escalão que é alvo da campanha anticorrupção.
O chefe do Partido Comunista Chinês (PCC) na província de Guangdong, Hu Chunhua, lembrou o Capitão Renault no filme Casablanca. Renault professava-se “chocado” que houvesse jogatina ocorrendo no clube que ele visitava todas as noites, pouco antes de fechar.
Após o programa da CCTV, Hu Chunhua emitiu imediatamente uma ordem para reprimir. Seis mil policiais invadiram centenas de locais e fizeram algumas detenções. Outras cidades seguiram no rastro.
A maioria dos internautas chineses não engoliu o show da aplicação da lei. Uma das piadas que circulam na internet é: “Quando o primeiro-ministro estava preocupado com a gripe aviária H7N9, ele emitiu uma ordem administrativa para lidar com as galinhas. Infelizmente, a ordem foi enviada para o Ministério da Segurança Pública, em vez do Ministério da Agricultura.”
Houve também teorias de conspiração. Mas como sempre há algum tipo de luta interna pelo poder ocorrendo no topo do regime, qualquer grande problema pode gerar muita especulação.
Alguns sugeriram que Hu Chunhua, chefe do Partido Comunista Chinês (PCC) na província de Guangdong, era o verdadeiro alvo do programa de TV. Alguns acreditam que a publicidade visava Zhou Yongkang, o ex-chefe da segurança interna da China, e sua facção, porque não há dúvida de que a força policial forneceu proteção à indústria do sexo.
No entanto, ninguém acreditou que a exposição da CCTV e a repressão às prostitutas eram apenas para fazer cumprir a lei.
Indústria do sexo
A própria CCTV é notória por escândalos sexuais. Li Dongsheng foi vice-ministro da Segurança Pública e, no início de janeiro, foi destituído pela Central do PCC durante a purgação em curso dos membros da facção do ex-líder chinês Jiang Zemin. No início de sua carreira, Li foi vice-diretor da CCTV e, nesse papel, ele atuava como um cafetão de alto nível.
Ele usava âncoras, repórteres e funcionárias da CCTV como ferramentas de suborno sexual. A atual esposa de Zhou Yongkang, Jia Xiaoye, teria sido um presente dado por Li Dongsheng. Zhou teria arranjado o assassinato de sua primeira esposa para que pudesse se casar com Jia.
Não é de admirar que alguém tenha caracterizado a exposição da CCTV sobre as prostitutas de Dongguan como uma “competição ferrenha entre pares”. O programa da CCTV, as reações das autoridades locais e a repressão policial em conjunto foram um tanto desorientadores. As pessoas se perguntavam se realmente tinham entendido o negócio do sexo na China.
Dongguan tem sido conhecida como a ‘capital do sexo da China’ há mais de uma década. Agora, Yan Xiaokang, o chefe de polícia de Dongguan, foi removido por não ter feito bem o seu trabalho, em conjunto com os chefes das seis estações de subdivisão da polícia.
A acusação é provavelmente verdadeira, já que os repórteres da CCTV afirmaram que a polícia não apareceu quando relataram a prostituição ilegal. Mas, francamente, o que pode um chefe de polícia local fazer diante de um grande negócio que é apoiado por funcionários de alto escalão e grupos de interesse?
Estima-se que existam cerca de 300 mil prostitutas em Dongguan. Isso sem inclui os cafetões, motoristas de táxi e outras negócios que ganham a vida com o comércio do sexo.
Negócio da polícia
Primeiramente, a prostituição ocorria apenas em nível local na China. Mais de 30 anos atrás, quando a China começou a reforma econômica, ganhar dinheiro se tornou o slogan oficial e foi grandemente incentivado. A prostituição, bem como outros negócios ilegais, apareceu ao lado de negócios legítimos.
A polícia local imediatamente percebeu que a prostituição era uma boa maneira de enriquecer. Eles davam proteção às prostitutas. Em troca, as prostitutas ou os cafetões sinalizavam à polícia quando um cliente rico visitava.
Na maioria das situações, os clientes ricos estavam dispostos a pagar uma grande ‘multa’ para manter seus nomes limpos. Claro, essas multas não tinham notas fiscais e cairiam nos bolsos dos policiais. Alguns chefes de empresas estatais, inclusive pagavam o “resgate” com fundos ou propriedades da empresa.
Enquanto a corrupção se desenvolvia junto com a economia, o sexo extraconjugal passou a fazer parte das operações diárias entre funcionários do PCC, do Estado e homens de negócios.
Indivíduos e empresas poderosos investiram diretamente neste negócio. Muitos hotéis e clubes famosos de alto nível são, na verdade, negócios relacionados ao sexo. Por exemplo, até 2010, as prostitutas na boate ‘Paraíso na Terra’ de Pequim serviram muitos funcionários de nível provincial e ministerial.
Desta vez, em Dongguan, foi relatado que alguns hotéis de quatro e cinco estrelas também estavam envolvidos. O proprietário de um dos hotéis é um representante do Congresso Popular Nacional.
A polícia local conseguiu extorquir taxas de proteção de prostitutas na rua e em pequenos bordéis, mas para negócios como hotéis cinco estrelas e casas noturnas, a polícia local agia mais como seguranças pessoais contratados. A polícia e as autoridades locais passaram a fazer parte da rede de lucro.
Punindo os bons
Na China, a prostituição é definitivamente ilegal, mas as leis e a aplicação da lei nem sempre são a mesma coisa. Na verdade, elas estão em conflito na maior parte do tempo.
Por exemplo, a Constituição chinesa garante a liberdade de expressão, mas alguém que se atreva a praticar esta liberdade tem uma boa chance de parar na cadeia ou pior. A liberdade de religião é tratada igualmente. Se um praticante do Falun Gong se recusar a desistir de sua crença, ele quase certamente será colocado na prisão ou num campo de trabalho forçado.
O PCC desenvolveu um sistema muito sofisticado para se certificar de que todos saibam como sobreviver, ou até mesmo lucrar, seguindo a vontade do Partido Comunista, e não as leis. Um dos métodos é a regra não escrita de “recompensar o mal e punir o bem”.
Na China, as autoridades mais corruptas são promovidas depois que seus crimes são bem conhecidos por aqueles ao seu redor. Suas vítimas ou seus colegas podem até ter reportado alguns de seus crimes para as autoridades superiores. No entanto, eles ainda são promovidos, ou porque servem fielmente oficiais superiores ou porque seguem a linha do “politicamente correto”.
Li Dongsheng era ambos. Ele proporcionava muitas mulheres jovens aos funcionários de alto escalão da liderança central, incluindo a esposa de Zhou Yongkang e a esposa de Cao Jianming. Cao Jianming é o procurador-geral da Suprema Procuradoria Popular.
Quando Li Dongsheng era vice-diretor da CCTV, ele já era famoso por corrupção e suborno sexual. Mas isso não o impediu de ser promovido a vice-chefe da Administração Estatal de Rádio, Cinema e Televisão, e pouco depois a vice-chefe do Departamento de Propaganda do Comitê Central do PCC.
Quando o anúncio emergiu de que Li Dongsheng estava sendo investigado, a maioria da mídia, tanto dentro como fora da China, tendeu a se concentrar em sua posição na CCTV e evitar comentar como ele fazia o jogo do politicamente correto.
Quando Li Dongsheng era vice-diretor da CCTV, ele também ocupava outro cargo, desde junho de 1999, como vice-diretor da Agência 610 do Comitê Central do PCC. A Agência 610 é o órgão do PCC encarregado de erradicar a disciplina espiritual do Falun Gong. Porque ele ocupou esse cargo, Li Dongsheng seguia a linha do politicamente correto, e sua corrupção lhe dava vantagem sobre outros camaradas.
Como vice-diretor da Agência 610 Central e encarregado da propaganda, Li Dongsheng realizada a política de “punir os bons” ao perseguir os praticantes do Falun Gong. Ele desencadeou por meio da mídia estatal calúnias esmagadoras contra estes adeptos que vivem segundo os princípios da verdade, compaixão e tolerância e querem simplesmente ser boas pessoas.
Essa campanha do regime criou um precedente para que o povo chinês não seja bom, e toda a sociedade percebeu que ser uma boa pessoa é um crime na China. Ao mesmo tempo, a sociedade podia ver que escândalos sexuais e corrupção são permitidos e até incentivados pelos dirigentes do PCC.
A corrupção, incluindo a sexual, tem lubrificado o desenvolvimento econômico chinês e o regime do Partido Comunista. Isso surgiu na era de Deng Xiaoping, mas floresceu no mandato de Jiang Zemin, que comandou o PCC entre 1989-2002.
Jiang Zemin usou a corrupção como uma arma para controlar funcionários e aumentar seu poder político. Ao incentivar a corrupção, Jiang aliciava funcionários para obedecerem-no em troca de ganhos pessoais. Ao promover seletivamente a caça à corrupção, Jiang eliminava seus inimigos.
Escândalos sexuais se tornaram parte do regime do Partido Comunista. É como um câncer que se espalhou para todos os órgãos importantes. Não há cura.