O socialismo matou mais de 100 milhões de dissidentes e espalhou o terror, a miséria e a fome por um quarto da superfície da Terra. Todos os terremotos, furacões, epidemias, tiranias e guerras dos últimos quatro séculos, somados, não produziram resultados tão devastadores. Isto é um fato puro e simples, ao alcance de qualquer pessoa capaz de consultar O Livro Negro do Comunismo e fazer um cálculo elementar.
Como, porém, o que determina as nossas crenças não são os fatos e sim as interpretações, resta sempre ao socialista devoto o subterfúgio de explicar essa formidável sucessão de calamidades como o efeito de acasos fortuitos sem relação com a essência da doutrina socialista, a qual assim conservaria, imune a toda a miséria das suas realizações, a beleza e a dignidade de um ideal superior.
Até que ponto essa alegação é intelectualmente respeitável e moralmente admissível?
O ideal socialista é, em essência, a atenuação ou eliminação das diferenças de poder econômico por meio do poder político. Mas ninguém pode arbitrar eficazmente diferenças entre o mais poderoso e o menos poderoso sem ser mais poderoso que ambos: o socialismo tem de concentrar um poder capaz não apenas de se impor aos pobres, mas de enfrentar vitoriosamente o conjunto dos ricos. Não lhe é possível, portanto, nivelar as diferenças de poder econômico sem criar desníveis ainda maiores de poder político. E como a estrutura de poder político não se sustenta no ar, mas custa dinheiro, não se vê como o poder político poderia subjugar o poder econômico sem absorvê-lo em si, tomando as riquezas dos ricos e administrando-as diretamente. Daí que no socialismo, exatamente ao contrário do que se passa no capitalismo, não haja diferença entre o poder político e o domínio sobre as riquezas: quanto mais alta a posição de um indivíduo e de um grupo na hierarquia política, mais riqueza estará à sua inteira e direta mercê: não haverá classe mais rica do que os governantes. Logo, os desníveis econômicos não apenas terão aumentado necessariamente, mas, consolidados pela unidade de poder político e econômico, terão se tornado impossíveis de eliminar exceto pela destruição completa do sistema socialista. E mesmo esta destruição já não resolverá o problema, porque, não havendo classe rica fora da nomenklatura, esta última conservará o poder econômico em suas mãos, simplesmente trocando de legitimação jurídica e autodenominando-se, agora, classe burguesa. A experiência socialista, quando não se congela na oligarquia burocrática, dissolve-se em capitalismo selvagem. Tertium non datur. O socialismo consiste na promessa de obter um resultado pelos meios que produzem necessariamente o resultado inverso.
Basta compreender isso para perceber, de imediato, que o aparecimento de uma elite burocrática dotada de poder político tirânico e riqueza nababesca não é um acidente de percurso, mas a consequência lógica e inevitável do princípio mesmo da ideia socialista.
Este raciocínio está ao alcance de qualquer pessoa medianamente dotada, mas, dada certa propensão das mentes mais fracas para acreditar antes nos desejos do que na razão, ainda se poderia perdoar a essas criaturas que cedessem à tentação de “fazer uma fezinha” na loteria da realidade, apostando no acaso contra a necessidade lógica.
Ainda que imensamente cretino, isso é humano. É humanamente burro insistir em aprender com a experiência própria, quando fomos dotados de raciocínio lógico justamente para poder reduzir a quantidade de experiência necessária ao aprendizado.
O que não é humano de maneira alguma é rejeitar a um tempo a lição da lógica que nos mostra a autocontradição de um projeto e a lição de uma experiência que, para redescobrir o que a lógica já lhe havia ensinado, causou a morte de 100 milhões de pessoas.
Nenhum ser humano intelectualmente são tem o direito de apegar-se tão obstinadamente a uma ideia ao ponto de exigir que a humanidade sacrifique, no altar das suas promessas, não apenas a inteligência racional, mas o próprio instinto de sobrevivência.
Tamanha incapacidade ou recusa de aprender denuncia, na mente do socialista, o rebaixamento voluntário e perverso da inteligência a um nível infra-humano, a renúncia consciente àquela capacidade de discernimento básico que é a condição mesma da hominidade do homem. Ser socialista é recusar-se, por orgulho, a assumir as responsabilidades de uma consciência humana.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Jornal da Tarde