Nós, médicos, gostamos de pensar (ou pelo menos alegar) que os tratamentos que recomendamos para os nossos pacientes são “baseados em evidências”. Eu perdi o número de médicos com os quais já conversei que usou este termo como justificativa para o modo com os quais ele tratava seu pacientes.
Está tudo bem, mas é claro que apenas dizer que é baseado em evidências não significa que esteja. Muitas vezes, a retórica desta expressão não é apoiada pela pesquisa.
Há um bom exemplo disso na edição do dia 11 de julho da Archives of Internal Medicine (Arquivos de Medicina Interna), que refere-se à prática de implante de stent (a inserção de um pequeno tubo, parecido com uma mola, em uma artéria coronária na tentativa de restaurar e manter o suprimento de sangue para o músculo cardíaco).
Stents podem ser inseridos através de um fio de metal, o qual é usualmente colocado num vaso sanguíneo principal localizado na virilha e em seguida posto dentro dos vasos ao redor do coração. Os stents são, normalmente, inseridos após um ataque cardíaco (infarto do miocárdio), e a opinião geral é que o quanto antes ele é inserido, melhor.
Em 2006 foi publicado um estudo que mostrou, como regra, que stents inseridos mais de 24 horas após um ataque cardíaco não trazem benefícios para os pacientes, em comparação com os cuidados habituais através do uso de medicamentos.
No ano seguinte, a American Heart Association (Associação Norte Americana do Coração) e grupos similares usaram essa pesquisa como base para aconselhar os médicos a desistirem de inserir stents nos pacientes 24 horas após um ataque cardíaco.
A principal autora do estudo de 2006, Dra. Judith Hochman, seguiu com uma avaliação do impacto de sua pesquisa sobre as práticas médicas e publicou suas descobertas na edição de dezembro de 2006 do New England Journal of Medicine (Periódico de Medicina da Nova Inglaterra).
Análises de quase 30 mil indivíduos internados em cerca de 900 hospitais revelaram que a taxa de inserção de stents parece não ter sido alterada pela pesquisa do Dra. Hochman e diretrizes oficiais.
Uma razão potencial para os médicos não ouvirem o conselho é que eles não estão cientes disso nem da pesquisa que o sustenta. No entanto, dada a natureza de seus trabalhos, as chances dos médicos perderem esta informação é aproximadamente a mesma chance deles não verem um caminhão sendo conduzido no meio da sua sala de estar.
Outra explicação possível é que, embora eles estejam conscientes da pesquisa, decidiram ignorá-la. Mas por que eles fariam isso?
Outra razão tem a ver com o fato de que nos EUA, os médicos são geralmente pagos por tarefas específicas. O custo do stent é de cerca de 20 mil dólares. Eu não tenho ideia do quanto vai para o médico que realiza o procedimento, mas eu arriscaria um palpite que é em torno de cinco mil dólares.
O procedimento, geralmente, leva de 30 a 60 minutos. Muitos médicos teriam dificuldades de virar as costas para esse tipo de ganho potencial.
Um ano atrás, o filho de um amigo meu fez uma operação no quadril. O cirurgião com quem ele se consultou fez questão de continuar, mas o meu amigo estava hesitante. Como isso aconteceu, eu conhecia um médico familiarizado com o cirurgião em questão. Liguei para ele e pedi que recomendasse alguém para uma segunda opinião.
Quando lhe disse o nome do cirurgião, ele comentou que não estava surpreso de que a cirurgia tinha sido recomendada. Eu perguntei o por quê, ele respondeu que o cirurgião é conhecido como alguém que recomenda cirurgia para todos, quer eles precisem ou não. Ele disse que o cirurgião era um exemplo de um médico que liga mais para negócios do que para medicina.
Eu não tenho problemas com pessoas que ganham a vida, mesmo vivendo bem. A questão é que a forma como os médicos são remunerados pode representar um conflito de interesses e comprometer um bom tratamento médico.
Eu não sou contra a medicina privada, mas minha experiência me levou a concluir que ela pode encorajar recomendações de exames e tratamentos que são difíceis de justificar de uma perspectiva médica.
Por que os médicos ignoram evidencias médicas e não fazem as coisas certas para seus pacientes? Porque, às vezes, vale a pena para eles.
O Dr. John Briffa é médico londrino e escritor com interesse em nutrição e medicina natural. Seu site é DrBriffa.com.