O efeito da inflação elevada não é suficiente para explicar o crescimento da penetração das importações
A valorização do Real é frequentemente apontada como a responsável pela estagnação da indústria. E a culpa seria a utilização da taxa de câmbio como instrumento de combate à inflação. Assim sendo, para retomar o crescimento da indústria, recomenda-se uma política cambial mais ativa de desvalorização do Real. A consequente elevação da inflação seria um custo transitório aceitável, tendo em vista o benefício de longo prazo para a indústria e, assim, para o crescimento do país.
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É verdade que a taxa de câmbio tem papel relevante sobre o desempenho da indústria. Não exatamente pelo impacto sobre as exportações, mas certamente pela dinâmica das importações de manufaturados. No entanto, o câmbio não é um instrumento disponível de política econômica para a maioria dos países, incluindo o Brasil, e nem é garantia de sucesso para promover o crescimento.
Pelas exportações, os modelos econométricos indicam que o volume exportado pelo Brasil é muito mais sensível às condições externas do que ao câmbio. Por essa razão, é difícil enxergar uma arrancada nas exportações no curto prazo, pois o crescimento médio dos parceiros comerciais do Brasil em 2015 não deve ser muito diferente do de 2014, em torno de 3%, abaixo da média mundial de 3,8%, tomando as estimativas do FMI.
Já pelo lado das importações, há impacto importante do câmbio sobre o coeficiente de penetração de importações (volume importado sobre a produção industrial ou sobre o consumo interno de bens manufaturados), num intervalo de tempo em torno de dois trimestres. Este seria o principal canal de influência do câmbio sobre a produção industrial.
É essencial considerar, no entanto, que a taxa de câmbio não é uma variável que pode ser controlada pelo governo. Poucos países conseguem administrar a taxa de câmbio por muito tempo. No Brasil, em função principalmente da baixa taxa de poupança doméstica que limita o poder das intervenções do Banco Central no mercado cambial, o máximo que se consegue são efeitos marginais e de curto prazo.
No Brasil, a inflexão da taxa de câmbio em meados de 2011, interrompendo mais de oito anos de tendência de valorização, não deve ser vista como fruto da ação do governo, mas sim de mudança do cenário internacional. Da mesma forma que a apreciação do Real da década passada foi, grosso modo, ditada pelo ciclo econômico mundial mais favorável para emergentes e com enfraquecimento do dólar no mercado internacional, agora o movimento é inverso. A depreciação do Real é causada pelo fortalecimento paulatino da moeda americana, num contexto mundial mais modesto para emergentes. Fatores domésticos contribuem para reforçar ou atenuar o movimento desencadeado pelo ambiente externo.
Por esse aspecto, não existe exatamente uma política cambial, mas apenas administração de curto prazo, visando conter a volatilidade excessiva da moeda. O câmbio não deve ser visto como instrumento de política econômica para ativar o crescimento da indústria, ainda que a tendência atual de depreciação cambial possa eventualmente ajudar o setor, conforme as importações comecem a encolher sua participação na economia.
Ocorre que a correção da taxa de câmbio dos últimos anos não tem gerado uma redução da penetração de importações. Pelo contrário, ela continua subindo, ainda que mais lentamente. Em outras palavras, o câmbio não tem ajudado a indústria via contenção das importações. Por quê?
Primeiro, parte do efeito do câmbio se perdeu com a inflação elevada. A taxa real efetiva de câmbio – aquela que leva em consideração uma cesta de moedas, e não apenas o dólar, e o diferencial de inflação do Brasil em relação a esses países – não reage na mesma velocidade da depreciação cambial, por conta da inflação mais elevada. A inflação baixa é, portanto, essencial para que o canal do câmbio sobre a indústria funcione. E neste quesito a política fiscal tem papel central, pois a disciplina fiscal ajuda a minimizar a apreciação cambial em termos reais.
Mas o efeito da inflação elevada não é suficiente para explicar o crescimento da penetração das importações. A taxa real efetiva de câmbio recuperou o valor do final de 2007, segundo cálculo do Banco Central, enquanto o coeficiente de penetração das importações está bem acima, em 22% agora ante 15%-17% em 2007, pela CNI.
Isso nos leva ao segundo fator: a expressiva elevação do custo da mão-de-obra. A razão entre salário da indústria e câmbio, ou seja, o salário da indústria em dólar, importante indicador de competitividade externa, pouco se mexeu desde 2011. O mercado de trabalho apertado pressiona salários da indústria, o que por sua vez acaba praticamente anulando o efeito do câmbio depreciado sobre o setor.
O Brasil continua caro. A relativa estabilidade (ou até pequena queda) da razão salário-câmbio não tem conseguido impedir a tendência de aumento da penetração das importações.
Talvez seja apenas uma questão de tempo, que o efeito ainda esteja por se materializar. Entretanto, é importante ponderar que talvez a taxa de câmbio real que torna a indústria competitiva seja maior hoje. Ou seja, a taxa real de câmbio que poderia interromper a alta da penetração das importações talvez esteja mais elevada.
A razão para isso é que outras variáveis estão afetando a competitividade da indústria. O aumento do custo de serviços muito acima da inflação e o aumento do custo-Brasil, como, por exemplo, o custo da energia. Soma-se a isso a queda dos ganhos de produtividade dos últimos anos. Esse terceiro grupo de fatores afeta a competitividade da indústria, reduzindo o efeito da alta do dólar sobre as importações.
Com a tendência em curso de depreciação do Real, ainda que não linear, e o enfraquecimento do mercado de trabalho, é possível que em breve comecemos a observar o paulatino encolhimento da participação de importados na economia, o que poderá acender uma luz no fim do túnel para a indústria.
Que não se perca de vista, no entanto, que no curto prazo, o efeito da alta do dólar na economia é recessivo e seu potencial inflacionário requer disciplina monetária e fiscal. Tentativas de sustentar a demanda, adiando o necessário e urgente ajuste fiscal, tendem a ser contraproducentes.
Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e economista-chefe da XP Investimentos. Trabalhou no Royal Bank of Scotland (RBS), ING, ABN-Amro Real e HSBC. Escreve colunas semanais para o Broadcast da Agência Estado
Editado por Epoch Times