Putin dá as cartas na Ucrânia: Como fica a relação Rússia-Ocidente?

05/03/2014 13:52 Atualizado: 05/03/2014 13:52

Após dias de agravamento das tensões e da retórica cada vez mais agressiva, o presidente russo Vladimir Putin pediu, e foi prontamente concedida, a autorização para implantar tropas russas na Ucrânia até que a situação no local tenha se “normalizado”. Contudo, depois de mais esforços diplomáticos, incluindo um telefonema de 90 minutos entre os presidentes Obama e Putin, não houve até agora nenhuma escalada militar real, embora o aumento da presença de tropas russas na Criméia e o anúncio da Ucrânia de que convocaria reservistas aumentaram o potencial de violência séria.

Com muito foco na Criméia nos últimos dias, esta não é o único acirramento grave em termos militares, mas também geograficamente, uma vez que aumenta o espectro das forças militares russas no território ucraniano. Isso provavelmente ocorreria nas províncias do Leste do país que já viram manifestações e confrontos entre manifestantes pró-Rússia e pró-Ucrânia e as forças de segurança em grandes cidades, como Donetsk, Kharkov e Dnipropetrovsk.

O governo ucraniano, até agora, tem resistido ser arrastado para um conflito militar que não pode vencer. Capitais ocidentais também aumentaram suas respostas verbais, ameaçando custos e consequências se a Rússia insistir em colocar mais lenha na fogueira.

No entanto, as opções ocidentais são limitadas. Pode haver algumas sanções econômicas que poderiam ser impostas contra as empresas russas e interesses econômicos fora da Rússia. Indivíduos podem encontrar-se numa lista de proibição de vistos. O presidente Obama e outros líderes ocidentais podem optar por não participar da próxima Cúpula do G8 em Sochi. Nenhuma dessas ações seria sem custo para o Ocidente, e seu impacto sobre a Rússia, pelo menos em curto prazo, é questionável. Dito de outro modo, o Ocidente pode irritar a Rússia, mas dificilmente ao ponto que ela pararia de fazer o que tem feito na Ucrânia no momento.

Portanto, uma perspectiva de longo prazo precisa ser adotada, e isso levanta duas questões. A primeira pergunta a fazer é onde a Rússia pode “ir” em seguida. Ela já controla Belarus, cortou a Abcásia e a Ossétia do Sul da Geórgia, e fechou um acordo com a Armênia que vincula este país à Rússia em longo prazo. O Kremlin tem uma presença bem estabelecida na Ásia Central, mas também precisa pisar com cuidado lá para evitar o confronto com a China.

Um ativo estratégico chave sobre o qual Moscou ainda tem influência significativa é a Transnístria, uma região separatista da Moldávia a oeste da Ucrânia. Mas em termos geográficos, a Rússia está numa posição muito mais fraca lá. Mesmo que também haja forças significativas e ostensivamente pró-russas na Moldávia, inclusive entre comunistas e falantes de russo, a ideia de um futuro europeu ganhou força significativa. Os problemas econômicos, divisões políticas e tensões sociais do país, embora significativos, não estão nem perto da escala da Ucrânia e o engajamento consistente e construtivo da União Europeia criou uma base sólida para o país avançar decisivamente na órbita da UE e longe da Rússia, com ou sem a Transnístria.

Além da Moldova, ou mais precisamente da Transnístria, a Rússia não tem mais para onde ir no antigo império soviético que pudesse representar uma grande ameaça aos interesses ocidentais que não fosse eficazmente combatida ou prevenida. E a influência que a Rússia pode exercer por meio da Transnístria é muito mais limitada do que no caso da Criméia.

E a Rússia tem suas próprias vulnerabilidades também. Kaliningrado é um enclave encravado entre dois países membros da OTAN, a Polônia e a Lituânia. A Rússia, onde as exportações de petróleo e gás representam cerca de 50% do orçamento federal, continua a ser altamente dependente do acesso internacional, incluindo os mercados ocidentais. Por sua vez, o país é atrasado tecnologicamente, tanto que o presidente Putin teve de aprovar a importação de tecnologia de armas. Como observado anteriormente, usar qualquer um destes potenciais pontos de pressão não é livre de custos para o Ocidente ou susceptível de ter efeitos imediatos, mas eles constituem uma alavanca importante em longo prazo, assim como a gradual construção do escudo de defesa antimíssil da OTAN.

A segunda questão relaciona-se com as consequências do que pode se tornar outra Guerra Fria com a Rússia. Se não há perspectiva em curto prazo de cooperação com a Rússia em outras crises internacionais, o que isso significa para os interesses estratégicos ocidentais em relação à guerra civil em curso na Síria, ao crescente perigo de balcanização do Levante ou às negociações em curso com o Irã sobre seu programa nuclear?

No entanto, a Rússia também tem uma participação nessas crises, e embora os interesses russos e ocidentais quase nunca estejam completamente alinhados, nenhum dos lados pode realmente se dar ao luxo de deixar que as relações bilaterais se deteriorem ao ponto de a diplomacia internacional e a gestão de crises se tornarem completamente impossíveis por um prolongado período de tempo.

Os próximos dias determinarão qual a disposição de cada lado para pagar esse preço.

Stefan Wolff atualmente recebe fundos do Conselho de Pesquisa Econômica e Social do Reino Unido

Tatyana Malyarenko não trabalha, dá consultoria, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que possa se beneficiar com este artigo, e não tem afiliações relevantes

Esta matéria foi originalmente publicada pelo The Conversation