A maior prova de que o PT e a esquerda nunca compreenderam o fenômeno das redes sociais é que o partido tentou usar nestas redes a mesma estratégia que usa fora delas: tentou instrumentalizá-las, colocando uma militância profissionalizada e paga para agir seguindo uma orientação partidária centralizada
Existe uma expectativa de que as manifestações pelo impeachment da presidente Dilma marcadas para o próximo dia 15 de março possam reunir milhões de pessoas nas principais cidades do país. Essa expectativa é compartilhada reservadamente por pessoas do próprio governo e do PT, como informa o jornalista Reinaldo Azevedo em uma de suas colunas dias atrás. Segundo o jornalista, gente do próprio governo e do partido reconhece que o PT perdeu a batalha nas redes sociais, uma vez que a mobilização da sociedade em oposição ao governo nasceu justamente nesse ambiente das redes.
Esta avaliação por parte dos próprios petistas não me surpreende, pois venho apontando para esse fato há vários meses: na verdade, o PT não perdeu a batalha nas redes sociais, pois, a rigor, ele nunca soube como jogá-la. O partido, por sua natureza autoritária e antidemocrática, nunca foi capaz de compreender o real significado da atuação política da sociedade civil nas redes sociais. A atuação política das pessoas, dos indivíduos comuns nas redes sociais se constitui há muito tempo no único e autêntico movimento social do país, diferente dos movimentos sociais “oficiais” existentes e reconhecidos por boa parte da imprensa como tais, e que na verdade não passam de aparelhos e extensões do PT e de seus partidos auxiliares.
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A esmagadora maioria das pessoas que se expressam politicamente pelas mídias sociais são cidadãos e cidadãs comuns, que vivem às próprias custas, que não possuem laços ou obrigações ou compromisso com partidos ou chefetes políticos, e que descobriram nestas redes o veículo perfeito para expressar seus pontos de vista políticos livremente. Diferente dos tais movimentos sociais oficiais instrumentalizados pelos partidos, que hoje não passam de burocracias paraestatais e cujos integrantes não fazem nem dizem aquilo que pensam, mas somente aquilo que seus chefes políticos mandam.
A atuação política livre e espontânea das pessoas comuns nas redes sociais é um exercício pleno de liberdade de expressão e se constitui numa forma de horizontalização do processo tradicional e vertical de formação da opinião pública. Parece que poucos estudiosos de ciência política compreenderam esse fenômeno, e menos ainda os dirigentes partidários. Em contrapartida, a atuação das pessoas nos chamados movimentos sociais oficiais instrumentalizados pelos partidos se dá, na maioria da vezes, por meio de um tipo de coação direta ou indireta decorrente da situação de vulnerabilidade econômica ou social ou mesmo por simples ausência de instrução do individuo, que se torna assim massa de manobra fácil para as formas tradicionais de autoritarismo político tão típico da tradição antidemocrática da esquerda.
O PT precisaria fazer com que sua militância, cada vez mais escassa e despreparada, voltasse a fazer aquilo que ela fazia antes de o PT chegar ao poder: disputa política na sociedade. O PT não sabe mais fazer isso, pois substituiu o embate político pela propaganda e a militância pelo ativista pago
A maior prova de que o PT e a esquerda nunca compreenderam o fenômeno das redes sociais é que o partido tentou usar nestas redes a mesma estratégia que usa fora delas: tentou instrumentalizá-las, colocando uma militância profissionalizada e paga para agir seguindo uma orientação partidária centralizada. O resultado todos nós conhecemos: a figura do ativista ‘MAV’ (militância em ambiente virtual) se tornou uma caricatura e motivo de piada, um robozinho pago que repete as palavras de ordem do partido e que é incapaz de, por meio de um debate honesto, conquistar a opinião de uma pessoa comum que, espontaneamente, resolve expressar sua opinião política, ainda que o faça rapidamente e de modo não necessariamente elaborado, no horário de almoço de seu trabalho.
Ainda que algumas poucas cabeças pensantes do PT tenham se dado conta disso, agora parece ser tarde. É tarde, pois, para reverter o jogo, o PT precisaria fazer com que sua militância, que é cada vez mais escassa e despreparada para o embate politico, voltasse a fazer aquilo que ela fazia e muito bem antes de o PT chegar ao poder: embate e disputa política na sociedade. O PT não sabe mais fazer isso, pois substituiu o embate político pela propaganda e a militância política pelo ativista pago, que muitas vezes se assemelha a um miliciano.
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Ao mesmo tempo, uma parcela expressiva da sociedade civil se politizou, passou a ter mais acesso à informação e aos meios de se expressar. Assim, o cidadão comum, não filiado a partido, não submetido a uma disciplina partidária autoritária, passou a ser um agente formador de opinião muito mais eficiente que o outrora militante clássico, guiado por dogmas ideológicos e pela crença cega na suposta infalibilidade de sua direção partidária.
E tudo aconteceu num intervalo de tempo muito curto, em termos históricos. Praticamente o mesmo período de tempo em que o PT tem estado no poder, e que, não se dando conta do que ocorria, perdeu o bonde da história e, por consequência, tem tudo para perder esse mesmo poder que o partido achava já ter conquistado em definitivo.