O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) desceu do muro. Foram longos 11 anos tentando encontrar um caminho e aprender, não só a fazer oposição, mas a oferecer ao país um candidato de oposição. Pode ser que não dê certo, pode ser que seja tarde demais para reconstruir a identidade de um partido que há mais de uma década só faz gritar que teve sua identidade roubada. O PSDB finalmente decidiu apresentar na sua propaganda na televisão, através de Aécio Neves, uma visão alternativa para o país. Pareceria estranho para alguém que chegasse agora ao Brasil, mas a grande novidade na política nacional é vermos o principal partido de oposição brasileiro dizendo abertamente que pensa diferente do governo.
Fazer previsões sobre eleições brasileiras com um ano de antecedência não é uma tarefa simples. Ainda mais difícil é discutir as políticas que os candidatos elegerão para as suas campanhas – não havia Plano Real em novembro de 1993, nem havia “Carta ao povo brasileiro” em novembro de 2001. Uma coisa, porém, é essencial: a construção de um arco narrativo. Os candidatos precisam agrupar um conjunto de ideias que crie uma impressão, que os diferencie dos rivais, e incluí-las em um contexto. Não precisamos ir aos Estados Unidos e lembrarmos da campanha de Barack Obama em 2008, basta lembrarmos da campanha de Lula em 2002.
Foi Duda Mendonça que, sob a supervisão de José Dirceu, reposicionou o PT e Lula, e deu uma maquiagem positiva às más impressões que determinado grupo de eleitores tinha do partido. Antes mesmo que a campanha efetivamente começasse, ele já buscava convencer o país que mesmo aqueles que rejeitavam o partido compartilhavam algumas das suas preocupações. Os comerciais que Duda preparou para o PT diziam aos brasileiros que se imagens de pobreza e injustiça os tocassem (e a quem não tocam?) eles também eram “um pouco PT”. O destaque não era mais o enfrentamento com os “agiotas internacionais” de 1998, era o entendimento para o crescimento econômico, conversando com “muitos empresários e os sindicatos de trabalhadores”.
A narrativa do PT era carregada de sentimentalismo. Tínhamos o Lula chorando, crianças abraçando estrelas, grávidas de branco, o Bolero de Ravel, e o Chico Buarque. No entanto, o sentimentalismo era apenas um instrumento para sinalizar que as coisas poderiam melhorar. Que tudo ficaria diferente depois do voto. Que dessa vez havia motivos para a esperança. Que havia vontade política (termo importantíssimo) para mudar.
A oposição tucana jamais conseguiu chegar perto disso. Nas últimas campanhas, e principalmente na campanha de José Serra em 2010, a oposição dizia poder fazer mais e melhor, mas pouco se diferenciava daquilo que defendia o governo. As suas prioridades pareciam as mesmas. O PSDB só prometia fazer mais, saber “tirar do papel”. Em 2002, quando era governo, a campanha de Serra disputou com o PT a bandeira da mudança. Em 2010, quando era oposição há uma década, a campanha tucana dividia com a campanha petista a afirmação de que o “Brasil tinha melhorado, mas ainda havia muito por fazer”. Até Lula apareceu na campanha da oposição.
No início desse ano, escrevi que o Brasil vivia um estranho consenso político, com pessoas que lhe olham esquisito se você não defender a transferência de mais poder para o Estado. É esse consenso, benéfico para a situação, que a equipe de Aécio parece querer quebrar. Na parte final do programa do PSDB exibido em setembro, uma jovem pergunta a Aécio por que acreditar que com eles (a oposição, os tucanos etc.) vai ser diferente. Essa foi a sua resposta:
“Eu tenho uma visão de país que é um pouco diferente daqueles que estão no governo hoje, que acham que o Estado faz tudo pra você. Nada. Eu acho que quem muda o Brasil é você. Quem muda o Brasil é você que tá lá estudando, ralando. O Estado tem que dar condição. Tem gastar menos com a sua estrutura, para gastar mais com as pessoas. O governo não pode empatar a vida das pessoas, tem que ser um parceiro. Mas quem vai mudar a vida de cada um de vocês, ou de cada um de nós, somos nós mesmos, é quem tiver disposição de ralar e de enfrentar.”
As ideias principais da campanha parecem estar aí. Na resposta de Aécio aparece uma disposição de posicionar a oposição do lado liberal e menos estatista do debate político. O Estado não pode fazer tudo por você; não confie no Estado para fazer tudo por você; o seu futuro é você quem constrói, ralando, baralhando. O Estado não pode empatar a vida das pessoas.
Na campanha tudo pode mudar. Dilma e Serra foram à igreja. Alckmin vestiu a jaqueta com os logos das estatais. Políticos fazem malabarismos pela recompensa de curto prazo. Mas é importante destacar essa abordagem diferente, a tentativa de reposicionar o PSDB em um campo mais liberal. Uma iniciativa cujos frutos podem demorar um pouco para aparecer, mas com potencial de fazer do partido uma alternativa real às políticas – e ideologias – do PT.
A tentação de sair gritando “Mensalão! Mensalão!” estará presente em 2014, mas o julgamento de políticos corruptos, e a própria corrupção de políticos, parece ter pouca influência no resultado das campanhas. A oposição parece ter percebido que para vencer o governo é preciso apresentar alternativas às políticas do governo, não apenas se oferecer para realiza-las, para tirá-las do papel. Pode não ser suficiente para derrotar uma presidente bem avaliada, mas já é um bom começo.
Magno Karl é Diretor de Políticas Públicas do Instituto Ordem Livre e autor do blog Menos Política.
Esse artigo foi originalmente publicado no Instituto Ordem Livre