Com o advento da crise econômica, voltou à baila o protecionismo, incrementado pela esdrúxula cláusula buy american, colocada no “pacote de estímulo” recentemente embrulhado pelo Governo Obama.
Uma das coisas mais complicadas — e muitas vezes inúteis – que há é explicar às pessoas que políticas protecionistas são nocivas para qualquer país, tanto econômica quanto socialmente. A maior dificuldade talvez resida na crença, altamente difundida, de que os interesses dos produtores são mais importantes do que os dos consumidores. A indústria, os serviços ou a agricultura nacionais são, via de regra, motivo de preocupação geral, principalmente por parte dos políticos, dos burocratas e da imprensa, enquanto os consumidores são colocados em segundo plano.
A concorrência externa é vista amiúde como deletéria à saúde econômica dos países, já que, segundo o senso comum, ela desestimula a produção nacional e, consequentemente, coloca em risco os empregos e os salários dos trabalhadores locais. Limitados por uma visão míope e de curto prazo, a grande maioria não percebe que o preço que paga a mais por um produto nacional protegido é dinheiro que deixa de irrigar outras atividades e empreendimentos que estariam prosperando, não fosse a interferência da lei, como tentaremos explicar adiante.
Essa percepção equivocada da realidade se deve basicamente ao fato de que os donatários das benesses protecionistas (normalmente empresários de determinados setores da economia e sindicatos de trabalhadores) são concentrados e barulhentos, o que os torna visíveis aos olhos dos políticos e da mídia em geral, ao passo que os prejudicados (o resto da sociedade que paga a conta) são difusos e majoritariamente silenciosos. Os lucros auferidos pelos primeiros também são concentrados, enquanto os prejuízos dos últimos são dispersos. Assim, a imposição de tarifas alfandegárias a determinado produto é muitas vezes suficiente para enriquecer uma meia-dúzia de produtores – o que justifica invariavelmente um rent-seeking audacioso -, embora o custo adicional pago pelos consumidores, individualmente, possa parecer quase desprezível.
A riqueza nada mais é do que o conjunto de bens e serviços que alguém possui, seja esse alguém um indivíduo, uma família, uma empresa ou um país. Assim, a riqueza se constitui de coisas tais como: roupas, alimentos, eletrodomésticos, móveis, utensílios, máquinas, equipamentos, veículos e quaisquer outras produzidas para o consumo ou investimento. Dizemos que alguém é rico quando possui muitas dessas coisas, e pobre na medida em que tem dificuldade para adquiri-las. Por seu turno, um país será rico quando seus cidadãos e empresas tiverem bens e serviços em abundância, e pobre quando eles forem escassos.
Em nossa vida diária, tomamos com naturalidade o fato de que toda a atividade econômica dos indivíduos — trabalho, produção, prestação de serviço — é somente um meio, utilizado para satisfazer nossas necessidades de consumo, como alimentação, vestuário, serviços de saúde, transporte, lazer, etc. Apesar disso, tornou-se um lugar-comum considerar a atividade de “consumo” como se ela fosse menos importante, em termos econômicos, do que a “produção”. Com raríssimas exceções, quase tudo o que lemos e ouvimos atualmente nos leva a imaginar que o ato de “vender” é melhor do que o de “comprar”, que “exportar” é sempre melhor do que “importar”.
Qualquer um de nós, quando vende um bem de sua propriedade, está ficando mais rico pelo simples fato de trocar esse bem por certa quantia em dinheiro? É óbvio que não. Seria muito fácil acabar com a pobreza do mundo se a simples posse de papel moeda ou qualquer outra forma de dinheiro significasse riqueza. Bastaria que os governos “fabricassem” bastante dinheiro e todos os problemas da humanidade estariam solucionados. O problema é que não podemos vestir dinheiro, comer dinheiro, calçar dinheiro ou viajar no dinheiro. Simplesmente não consumimos dinheiro, apenas o utilizamos como forma de facilitar as nossas atividades de troca. Ele nada mais é, portanto, do que um meio, e não um fim em si mesmo.
Saindo dessa lógica mercantilista, que enxerga o dinheiro como o objetivo e as mercadorias e serviços como meios de obtê-lo, veremos facilmente que são as nossas compras que contribuem efetivamente para aquisição de riqueza, não o contrário. Um país se torna “mais rico” quando entram em suas fronteiras produtos e serviços e não quando estes saem. A saída é um custo, enquanto a entrada é o verdadeiro benefício.
A ilusão de que o superávit comercial é intrinsecamente bom e o déficit, por sua vez, indesejável, só é possível porque as pessoas não costumam pensar no seu próprio dia-a-dia. Por exemplo: a maioria de nós compra muito mais do que vende ao padeiro, ao quitandeiro, ao açougueiro e assim por diante. Isso não nos faz menos prósperos do que eles. Eu jamais vendi qualquer coisa ao meu barbeiro ou ao garçom a quem dou gorjetas diariamente. Ao contrário, em nossas transações o caminho do dinheiro é sempre do meu bolso para o deles. No entanto, esse fato não os faz mais ricos do que eu. Simplesmente, porque o que conta é a produtividade de cada um ou, em outras palavras, a nossa capacidade individual de geração de riquezas (bens ou serviços).
Por isso, a adoção de políticas econômicas liberalizantes, que implicam liberdade de comércio, de trabalho e de capital, conjugadas a um Estado de Direito sólido e igualitário — no sentido de que todos são iguais perante a lei, é sempre bom que se frise -, são os meios mais eficazes para incrementar o progresso econômico e social de qualquer nação.
Ainda no decorrer do Século XVIII, Adam Smith já havia chegado à conclusão de que o livre-comércio era eficiente para fomentar o crescimento econômico. Ele apresentou esta conclusão, de forma magnífica, em sua obra imortal: A riqueza das nações, editada pela primeira vez em 1776.
O raciocínio de Smith é claro e insofismável. Imagine que um indivíduo qualquer, por mais hábil que fosse, se dispusesse a produzir, ele próprio, todos os bens de que necessitasse para a sua sobrevivência. Não são necessários muitos neurônios para concluir que o sujeito incorreria num custo extremamente alto, não apenas no que diz respeito aos recursos aplicados em tal empreitada, mas também em relação ao tempo e ao esforço despendidos. Além disso, seria muito provável que todo esse esforço acabasse redundando na produção de bens cuja qualidade ficaria muito aquém dos seus similares disponíveis no mercado.
Será, portanto, muito mais lógico que esse indivíduo, aproveitando-se dos processos universais de divisão do trabalho e trocas voluntárias, se especialize numa atividade específica (desejavelmente numa em que demonstre certa vocação ou habilidade natural) e utilize os ganhos daí obtidos para adquirir os bens e serviços que não pode produzir, ele mesmo, a custos mais baixos e com a mesma habilidade que outras pessoas — ou grupamento de pessoas.
Muitas vezes, mesmo que possamos fazer algo melhor que outras pessoas, ainda assim será proveitoso que o contratemos de terceiros, e não façamos nós mesmos. O exemplo clássico é o da dona-de-casa. A grande maioria delas seria capaz de cozinhar, limpar e passar com mais cuidado, economia e agilidade que uma empregada doméstica. No entanto, para que pudessem fazer isso, teriam que abrir mão de tempo e energia valiosos, que poderiam estar sendo utilizados em atividades profissionais muito mais rentáveis. Nas empresas, a maioria dos chefes seria capaz de executar as tarefas dos subordinados com maior destreza e eficiência que estes, mas para isso teria que abrir mão de um tempo precioso, aplicado em atividades mais importantes e complexas.
Tal como na esfera privada, diversos estudos demonstram que o livre comércio gera maior crescimento econômico e bem estar para as sociedades que o adotam. As transações internacionais permitem a uma nação tirar o melhor rendimento dos recursos disponíveis, mediante a especialização em certas atividades que, por razões de clima, geografia, cultura, tradições e habilidades específicas de seus cidadãos, ela desenvolve mais eficientemente. E o circuito se fecha com a aquisição daqueles produtos e serviços que o país somente poderia produzir a custos relativamente mais altos que outros países, ou ainda daqueles que, mesmo que pudesse fabricar mais barato, consumiriam fatores (tempo, trabalho ou capital) retirados de atividades mais lucrativas.
Assim, o livre comércio permite que cada uma das partes acabe sendo beneficiada e, conseqüentemente, obtenha um incremento significativo na qualidade de vida dos respectivos povos, já que o sistema de trocas maximiza o aproveitamento dos recursos e fatores disponíveis, além de aumentar a produção (e qualidade) dos bens e serviços a níveis que não seriam possíveis alcançar sem ele.
Na prática, eis como as barreiras protecionistas funcionam: imagine que o preço de determinado produto ou insumo importado seja de $800 por unidade. Imagine agora que, de uma hora para outra, o governo resolva aplicar uma sobretaxa de 30% ao mesmo, de forma que seu preço final passe a ser $1040, tornando-se mais caro que o similar nacional, que custa $1000. Nesta nova condição, os consumidores (empresas ou indivíduos) terão que gastar $200 a mais para satisfazer as suas necessidades de consumo (ou investimento). Esses $200, evidentemente, ajudarão a manter alguns empregos numa indústria local. Como diria Bastiat: “Isto é o que se vê“.
Ocorre que cada consumidor daquele produto ficou $200 por unidade comprada mais pobre, dinheiro este que os indivíduos utilizariam para comprar um outro artigo, contribuindo assim para a manutenção de alguns outros empregos. Quem sabe, alguém faria ainda melhor: colocaria o dinheiro na poupança, que por sua vez seria repassado pelo banco a algum empreendedor, que abriria um novo negócio e criaria alguns empregos – é importante reafirmar que a quantidade de trabalho cresce na medida em que a economia se expande, e não o contrário, como insistem alguns. Se, porém, o consumidor é uma empresa, o custo adicional tenderá a ser repassado ao preço final de seus próprios produtos, fato que ajudará a encarecer outros bens da cadeia produtiva, sempre em detrimento do pobre coitado do consumidor, cada vez mais pobre. “Isto é o que não se vê”.
Portanto, a ação demagógica do Estado, metendo a mão onde não deveria, gerou os seguintes resultados: transferiu renda dos consumidores para determinados produtores; protegeu e incentivou uma indústria ineficiente; manteve alguns empregos numa certa indústria em detrimento de outros tantos em outras; desestimulou novos investimentos, além de deixar vários consumidores insatisfeitos e mais pobres, assim como a nação como um todo.
João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ e profissional liberal (consultor de empresas)
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