Superada a questão da função social da propriedade, que traz reflexos para o direito de propriedade privada no campo e na cidade, literalmente inviabilizando-a, ainda que considerássemos existente o direito de propriedade privada sobre imóveis no Brasil, fica claro, em virtude do sistema tributário brasileiro, que o governo não vê a propriedade do indivíduo como privada, mas sim como pública, sendo o indivíduo mero posseiro, ou, melhor dizendo, um enfiteuta.
No Brasil, como é sabido, existe uma grande carga tributária sobre a propriedade. Podemos destacar os seguintes: ITBI, que é o imposto de transmissão de bens imóveis em compra e venda; ITCMD, que é o imposto de transmissão de bens imóveis em doação e herança; IPTU, que é o pagamento anual pelo simples fato de ter em sua posse um imóvel urbano; e, por fim, ITR, que é o pagamento anual pelo simples fato de ter em sua posse um imóvel rural.
Como visto, a enfiteuse é uma espécie de direito real que é uma “quase-propriedade”, pois o verdadeiro proprietário não costuma reivindicar de volta a propriedade e o enfiteuta paga, normalmente, o foro anual pelo simples fato de ter em sua posse um imóvel urbano ou rural. E pode vender ou doar sua enfiteuse para terceiro, desde que pague o laudêmio, que é uma porcentagem do valor da venda desse terreno.
Nota-se, claramente, que o IPTU e o ITR funcionam, hoje, sob o mesmo raciocínio do foro: são pagos ao governo pelo simples fato do cidadão ter posse sobre um imóvel. Já o ITBI e o ITCMD funcionam exatamente como o laudêmio: é um “pedágio” no momento da venda da enfiteuse.
Logo, não existe direito de propriedade sobre imóveis no Brasil. Somos todos enfiteutas do grande e único proprietário de imóveis do país: o Estado brasileiro.
Os próprios enfiteutas privados de hoje, como a família real em Petrópolis, ou a Marinha do Brasil em todos os terrenos que ficam junto ao mar, são, na verdade, sub-enfiteutas do proprietário-mor.
Então, quando o caro leitor promover uma festa, lembre-se que o correto não é dizer “seja bem-vindo à minha propriedade”, mas sim “seja bem-vindo à minha enfiteuse”. E agradeça à nobre benevolência do governo por isso!
Bernardo Santoro é advogado, professor de economia política da UERJ e diretor-executivo do Instituto Liberal