Programado para quebrar: Loucura do consumo insustentável e futuro da humanidade

14/06/2012 21:00 Atualizado: 06/08/2013 16:02

Uma lâmpada. (Joel Saget/AFP/Getty Images)Durabilidade e ameaças de morte

Ainda que pareça incrível, o espanhol que inventou uma lâmpada que dura a vida toda (25 anos de garantia) tem recebido ameaças de morte para não ir em frente com a comercialização de sua lâmpada.

Ele também recebeu ofertas milionárias para não pô-la à venda, mas ele não aceitou. Benito Muros, que fabricou essa lâmpada com um grupo de engenheiros, longe de ser intimidado por ameaças ou ricas ofertas, fundou o movimento Sem Obsolescência Programada (SOP). Este movimento denuncia a insustentabilidade e a imoralidade de um modelo de mercado que ameaça o planeta e os bolsos dos cidadãos.

Em sua página no Facebook, o SOP descreve como o conceito de “obsolescência programada” surgiu entre 1920 e 1930 com a intenção de criar um novo modelo de mercado: a fabricação proposital de produtos que tenham durabilidade curta.

Assim, forçando os consumidores a comprarem rápido novos produtos e sem uma necessidade real. “Seu objetivo era e é o ganho econômico imediato, sem ter qualquer valor, cuidado ou respeito pelo meio ambiente ou o ser humano, contaminando e sobre-explorando os recursos naturais do nosso planeta”, diz o movimento no Facebook.

Sobre o assunto, há também documentários muito bons e altamente recomendáveis, como o intitulado “Comprar, tirar, comprar” de Cosima Dannoritzer, que descreve as consequências devastadoras desse modelo, e “A história das coisas“, um documentário de 20 minutos disponíveis no YouTube, escrito e narrado por Annie Leonard, 12 milhões de pessoas já o viram online, tendo sido projetado em muitas escolas.

Da história das modernas sociedades de consumo

Muitos de nós ainda nos perguntamos como os aparelhos que anteriormente funcionavam por um tempo indefinido, hoje não duram mais de cinco ou seis anos.

De repente, param de funcionar e quando perguntamos nos dizem que é mais barato comprar um novo que pagar por peças de reposição e pela mão de obra. Ou simplesmente que não existem peças de reposição no mercado, quando na sua memória, o aparelho “foi comprado outro dia”, como se costuma dizer.

Isso que se tornou comum e que os mais jovens veem como algo normal, não só não é, mas há uma série de coisas por trás que cuidadosamente analisadas apavoram por suas consequências mesmo em curto prazo.

O documentário “Comprar, tirar, comprar” relata como no passado havia refrigeradores que duravam trinta anos, que as primeiras meias feitas não rompiam e que há uma lâmpada numa estação de incêndio na Califórnia que está acesa faz 111 anos.

Mas hoje, muitos produtos, principalmente eletrodomésticos e eletrônicos, estão programados para uma vida curta, gerando desperdício e problemas de poluição e gestão de resíduos incontroláveis, se não forem tomadas medidas urgentes.

A razão é evidente e do senso comum: é um modelo de progressão infinita aplicado a um planeta finito que já tem 7 bilhões de habitantes. Donde se conclui algo também de evidência imediata: estamos no ponto de ruptura, tanto de um modelo de desenvolvimento econômico como de um modelo de civilização.

Uma questão pertinente: quem está no volante?

O enorme desenvolvimento científico e tecnológico tem demonstrado que nossa civilização atual não se encaixa, que não está a serviço de um mundo verdadeiramente possível, ligado a um novo humanismo, em que os valores de justiça, solidariedade e respeito ao meio ambiente estão na vanguarda. Além de serem desmascarados interesses que buscam apenas benefícios de curto prazo que põem em perigo o planeta e, assim, a humanidade.

Em seu documentário, Annie Leonard denuncia que 80% da floresta original desapareceu, estimando que 2 mil árvores por minuto são derrubadas na Amazônia. Do outro lado do consumo, cada pessoa nos EUA está exposta a mais de 3 mil anúncios por dia.

Neste contexto, novas doenças surgem em toda parte que se traduzem em consumismo compulsivo para preencher o vazio existencial que produz um materialismo brutal e galopante. Novamente, como com a crise econômica sem precedentes que sofremos hoje em dia (segundo Barry Elchengreen, já ultrapassou em extensão e destruição a Grande Depressão), que teve sua origem na desregulamentação e falta de controle do sistema financeiro, é a loucura da ganância sem limites de alguns poucos que está no volante.

Diminuição, sustentabilidade e novo humanismo

Todos os movimentos que atualmente tendem a convergir a partir de diferentes áreas: ecologistas, economistas críticos do sistema, associações de consumidores, movimentos de cidadãos como o 15-M (que tentam criar serviços alternativos através da internet), cooperativas para a distribuição independente de seus produtos e o novo movimento SOP, etc., não tentam se iludir.

Eles estão conscientes de que não serão dos políticos nem dos poderes econômicos que agora dominam o sistema de produção que virão as soluções urgentes necessárias.

Apela-se para a responsabilidade dos indivíduos e cidadãos, para mobilizar e exercer pressão através dos vários meios disponíveis a fim de criar uma consciência crescente que obrigue a tomada de novas medidas em que seja viável este novo mundo fundamentado em outros valores e princípios.

Entre as novas correntes do pensamento político, econômico e social estão aquelas que defendem o “decrescimento”. Favorável à produção econômica controlada, esta visa equilibrar uma nova relação entre o homem e a natureza, e entre os seres humanos mesmos.

Abandonar o crescimento pelo decrescimento do liberalismo envolve uma reflexão sobre a bioeconomia e o pós-desenvolvimento, que propõe uma mudança radical no sistema. Também questiona-se a capacidade do modelo de vida moderno para produzir o bem-estar e critica-se o modelo neoliberal. O certo seria viver melhor com menos, em busca da simplicidade voluntária.

Aqui também valem as contribuições como a de E. F. Schumacher (O pequeno é belo, 1973) e a economia budista, como aquela que tende a maximizar o bem-estar e minimizar o consumo, que tem certa relação com o conceito de “felicidade interna bruta”, que atualmente tenta-se implementar no pequeno Estado do Butão.

São cada vez mais numerosas as contribuições que clamam para que não seja sem valor a Declaração do Milênio, a resolução adotada pela Assembleia Geral da ONU em 8 de setembro de 2000 que prevê em seu parágrafo 6, “Nós consideramos que certos valores fundamentais são essenciais para as relações internacionais no século XXI.”

Os valores listados e descritos em seguida são: liberdade, igualdade, solidariedade, tolerância, respeito pela natureza e responsabilidade compartilhada. Tudo indica que é mais urgente do que nunca o surgimento de um novo paradigma econômico, social e político sustentado em valores. O tempo está acabando e todos somos responsáveis.