FASE e parceiros em Moçambique lançam estudo em Maputo para revelar conflitos nos territórios
A FASE, em parceria com a União Nacional dos Camponeses (UNAC) e a Associação Rural de Ajuda Mútua (ORAM), entidades moçambicanas que representam os camponeses do país, lançaram nessa quinta-feira (8) na capital Maputo, o estudo “Cooperação e Investimentos do Brasil na África – O caso do ProSavana em Moçambique”. O lançamento aconteceu dentro da Conferência Triangular dos Povos, promovida pelas organizações locais, que reuniu mais de 60 movimentos sociais, ambientais, associações camponesas e entidades da sociedade civil de Moçambique, Brasil e Japão. Autoridades de Moçambique, como o Ministro da Agricultura José Pacheco, também participaram.
A pesquisa revela que o ProSavana copia o modelo implementado no Cerrado Brasileiro na década de 1970 pela cooperação japonesa com o Brasil. Deve, portanto, replicar na África as contradições que vivemos na cidade de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, uma das maiores produtoras de soja do país. Cercado por monocultivos para exportação, no coração da região chamada de “celeiro do mundo”, o município importa de São Paulo e do Paraná 90% dos alimentos necessários para a própria população, em flagrante situação de insegurança alimentar.
Fátima Mello, da FASE, coordenou a pesquisa e explica que, ao contrário do que repetem os governos de Brasil, Japão e Moçambique, o ProSavana não é conveniente às necessidades dos pequenos agricultores moçambicanos. Prova disso, é a origem dos dados que dão vida ao programa. “O principal estudo que orienta o Prosavana, o plano diretor, foi realizado pela Fundação Getúlio Vargas via GVAgro, Centro de Agronegócio da fundação, hoje dirigido pelo ex-ministro da agricultura, Roberto Rodrigues. Isso mostra que a orientação do ProSavana é atender aos interesses da agricultura industrial, do agronegócio, e que vai exportar um modelo que produz inúmeros conflitos no Brasil para um área com 4,5 milhões de camponeses”, pontuou Fátima, chamando atenção também para a responsabilidade das organizações brasileiras. “Esse plano da FGV não ouve os camponeses de forma nenhuma. É uma tarefa enorme no Brasil trabalhar com este tema já que é um instituto brasileiro que está traçando a estratégia sobre a ocupação de uma área no norte de Moçambique”, afirma.
Na opinião dela, o evento ajudou a fortalecer a articulação para a resistência contra o projeto e a proposição de outras possibilidades. “É um processo em marcha: existem fábricas de fertilizantes japonesas sendo instaladas, aeroportos construídos pela Odebrecht, uma imensa infraestrutura sendo instalada, monocultivos de eucaliptos ocupando áreas em Niasa. Nós, da FASE, que conhecemos a dinâmica do agronegócio brasileiro, sabemos que este modelo impede a convivência com a pequena agricultura. Mas saímos desta conferência muito fortalecidos, porque reafirmamos uma luta trinacional onde cada movimento e entidade, em seu país, fará pressão sobre seu governo. E temos etapas muito importantes a percorrer que passam por visibilizar os camponeses, lutar contra as grandes corporações e contra a lógica instalada no Corredor de Nacala”, destaca.
Quem está mal informado?
O cenário indica uma bomba-relógio de conflitos por território pela frente. A Lei de Terras de Moçambique estabelece que são de propriedade do Estado e sob nenhuma hipótese podem ser vendidas, hipotecadas ou penhoradas. Na província de Nampula, 61% do território com incidência do ProSavana não se encontra registrado, mas as organizações locais informam que tem gente morando e produzindo na região, mas sem registros oficiais. A área está entre as que mais desperta o interesse do agronegócio brasileiro: o projeto prevê concessões de uso por 50 anos, inclusive a estrangeiros, com cobrança de impostos baixíssimos e vantagens comparativas ao Brasil para exportação à China, por exemplo. O agrobusiness também vê vantagens do ponto de vista da falta de proteção ambiental.
Cerca de 70% da população vive em áreas rurais e 76% dos economicamente ativos dedicam-se predominantemente à agricultura. A ideia central do ProSavana é alavancar grandes áreas de monocultivos para exportação. O exemplo brasileiro, que a FASE acompanha há décadas no Mato Grosso, mostra que na produção altamente mecanizada – como no caso da soja, do milho para alimentação de animais e do algodão –, a geração de empregos é mínima, o que ocasiona migração para cidades. Portanto, a promessa de empregar 90% de mão de obra moçambicana não deve responder a qualquer expectativa de melhorias para a população. E o discurso oficial inclui os pequenos agricultores em um segmento de “agricultura integrada”, na qual são subordinados por contrato a esta ou aquela cadeia industrial. No Brasil há inúmeros exemplos e críticas a esta prática.
Fátima Mello comenta que a resposta dos governos aos questionamentos da sociedade tem sido – e foi durante o seminário em Moçambique – dizer que as reclamações são “por falta de informação”. Ela destacou, no entanto, que este é um problema, mas não o único. “Estamos diante de um plano para uma área onde estão mais de 4 milhões de camponeses que os tornou invisíveis. Ao nosso ver é preciso urgentemente consultar os camponeses, colher informações sobre seus modos de vida, saber sobre seus sistemas de produção de base familiar, escutar atentamente propostas deles”, argumentou Fátima, explicando que os grupos locais apontam caminhos concretos para melhorar seus modos de vida: por exemplo, políticas públicas de apoio para produção, comercialização, crédito. “Nosso primeiro passo e desafio é tornar esses camponeses visíveis, sujeitos, atores aos olhos destes governos que não conseguem enxergá-los”, concluiu.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Brasil de Fato
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