Professor de Música ajudava torturador do Partido Comunista Chinês

28/01/2016 23:45 Atualizado: 28/01/2016 23:45

Em  1 de dezembro de 2015, um “inocente” anúncio apareceu no site do Ministério da Educação da China, dizendo que Wang Cizhao, presidente do Conservatório Central de Música de Pequim, tinha sido demitido.

Em outubro, um post feito em uma mídia social – citado pelo Ministério da Educação da China em uma declaração – alegava que Wang tinha realizado um casamento “extravagante” para sua filha, com a ajuda de colegas. Wang tinha desfrutado de uma carreira meteórica no conservatório, mas abusara de sua posição, dizia a declaração.

Para os desinformados, o caso de Wang pode parecer um entre dezenas de milhares – este é o número de funcionários chineses investigados por corrupção nos últimos anos -, entretanto os conhecedores mais experientes da sinfonia política do Partido  notaram uma melodia mais profunda nas atividades de Wang, isto é, seu envolvimento com um ex-membro do Politburo e principal líder da Agência 610, Li Lanqing.

A Agência 610  é um órgão do Partido Comunista Chinês conhecido entre os ativistas dos direitos humanos como a “Gestapo chinesa”, já que é responsável pela implementação da supressão do grupo espiritual Falun Gong, através de espionagem, torturas, assassinatos e perseguições, de acordo com as diretrizes do Partido de eliminar a prática e perseguir seus praticantes dentro e fora da China. Entre suas atividades estão aquelas de obter, a qualquer custo, “confissões” forçadas dos praticantes contra o Falun Gong; estes também são forçados, através de ameaças e torturas, a jurarem fidelidade ao Partido Comunista Chinês.

Li é um membro aposentado do Comitê Permanente do Politburo, que comanda o Partido Comunista, tendo sido vice-premier da China entre 1998 e 2003. Durante a sua carreira, Li também serviu como chefe do Ministério da Educação, e tornou-se, finalmente, chefe da polícia secreta e da unidade política que a supervisionava.

Wang ajudou Li a impulsionar suas credenciais musicais no final dos anos 1990, sendo que a amizade entre os dois havia se iniciado no início daquela década.

A calorosa amizade entre o político “peso-pesado” e o músico acadêmico são evidenciadas pelas credenciais improváveis ​​de Li que, aparentemente sendo um amante de música popular, desenvolveu uma carreira meteórica durante o mandato de Wang no Conservatório Central, que havia se iniciado em 1998.

Especialista sem credenciais

A ligação de Li com o conservatório começou em meados dos anos 90, alguns anos antes de Wang ter sido nomeado presidente da instituição.

Em 1995, apesar de não possuir nenhum treinamento formal, Li deu uma palestra na escola sobre “as funções sociais da música.”

Em 1999, Li pediu pessoalmente que Wang decodificasse a partitura de “Der Einsame im Herbst”, parte de uma sinfonia do início do século 20, de autoria do compositor austríaco Gustav Mahler.

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De acordo com o Ministério da Educação, quando Li publicou o livro, “Ensaios de Li Lanqing na música”, Wang endossou o trabalho. Em sua opinião profissional, o trabalho de Li continha “conteúdo acadêmico profundo”, do qual Wang não estava previamente ciente.

Em novembro de 2002, após Li ter se aposentado do Comitê Permanente do Politburo, ele foi contratado como professor-convidado no Conservatório de Música.

O governo chinês listou nove diferentes eventos – concertos, exposições caligráficas, e palestras de convidados de Li – nas quais Li Lanqing aparecia juntamente com Wang Cizhao, entre 2008 e 2015. Em 2009, Li havia publicado outro livro chamado “Breakout—the Early Years of Opening,”, que novamente recebeu elogios calorosos de Wang.

Um ‘ar culto’

Chen Kuide, editor-chefe do site de comentários da língua chinesa chamado China em Perspectiva, disse que os funcionários de alto escalão do Partido Comunista, tais como Li Lanqing, cultivaram relações com a esfera artística como um meio de aumentar o seu prestígio e  criarem um “ar culto” para o seus legados.

“Eles querem manter o seu status social, mesmo após a aposentadoria”, disse Chen em entrevista por telefone.

Chen disse que as autoridades chinesas sentem a necessidade de “apresentar-se em um estilo condizente com os políticos modernos”. Isso significa mostrar-se como pessoas “tradicionais e cultas”.

Na antiga sociedade tradicional chinesa, homens eruditos, trajados com vestimentas condizentes à etiqueta social chinesa da época,  foram considerados legítimos estadistas, mas somente devido ao fato de serem guardiães da virtude e do conhecimento confucionista. Com o raso pensamento maoísta que veio a reinar no início dos anos da China comunista, os funcionários do govero chinês acabaram perdendo seu lugar de destaque no país e na diplomacia internacional; por isso, atualmente, os políticos veem os meios onde existe erudição como uma forma para melhorarem suas reputações.

“Ao melhorarem sua reputação”, diz Chen, os funcionários “ganham uma certa glória para o resto de suas vidas.”

Possivelmente, como um meio de aumentar a sua legitimidade, os regimes comunistas, incluindo o da China, muitas vezes recorreram ao trombetear, às vezes desajeitado, de suas credenciais e da erudição dos seus principais funcionários, mesmo quando os elogios são injustificados.

Entre 1960 e 1970, Jiang Qing, era uma atriz que exercia grande influência nas artes, particularmente da dança – mais tarde tornou-se a quarta esposa do líder comunista da China, Mao Zedong . Ela foi amplamente lisonjeada pela imprensa como um gênio artístico por trás de óperas revolucionárias como “O Destacamento Vermelho de Mulheres” e outras peças.

Durante a Guerra Fria, a imprensa estatal que era controlada pelo ditador romeno Nicolae Ceausescu, regularmente dedicava hinos à sua esposa Elena, devido à sua excelência no campo de pesquisa em química, uma área em que ela não teve nenhum treinamento formal. Através da influência de seu marido, ela recebeu muitos prêmios honorários da comunidade científica estatal da Romênia.

‘A Gestapo chinesa’

A combinação de gostos musicais de Li Lanqing com seus reais interesses profissionais brutais, como a tortura e a lavagem cerebral, parece ser um tanto contraditória.

Sendo o primeiro diretor da Agência 610, Li foi um dos funcionários-chaves que traçou o plano de ataque do Partido em sua brutal repressão e tentativa de conversão ideológica de dezenas de milhões de praticantes de Falun Gong. A Agência 610, criada em 10 de junho de 1999, foi formada especificamente para esta finalidade. Sendo uma agência clandestina do Partido, ela não está baseada na lei e em nenhum outro protocolo oficial.

Li era o diretor-pivô da Agência 610, ajudando a reforçar as ordens do então líder do Partido, Jiang Zemin, direcionadas a eliminar a prática através uma mobilização repressiva em escala nacional, disfarçada de uma questão de segurança nacional. Jiang tinha declarado que o Falun Gong, e sua rápida popularidade na China era um desafio à ideologia marxista do Partido.

“Li Lanqing carrega a responsabilidade da política da execução desta organização, desde a sua criação”, diz a Human Rights Foundation, uma ONG que trouxe queixas legais contra Li em vários países.

“Ele deve, portanto, ser considerado o autor dos atos diários de tortura, massacres, desaparecimentos, estupros, pressões e ameaças atualmente desenvolvidas pelos serviços de polícia sob a sua autoridade direta”, diz o documento legal.

Em uma reunião do Partido, com mais de 1.000 funcionários de alto escalão de toda a China, em 2001, Li Lanqing exortou “…o Partido, os líderes do governo, as esferas de todos os níveis e as massas para … fazerem bem seus trabalhos na luta contra o Falun Gong”.

O termo “luta” em chinês é estreitamente identificado com as táticas maoístas da década de 1950, e durante a Revolução Cultural, que, normalmente, referia-se à perseguição política.

Peritos em direitos humanos estimam que, desde que as autoridades chinesas começaram a perseguir o Falun Gong, em julho de 1999, centenas de milhares, ou ainda, milhões de pessoas foram encarceradas.

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Embora a morte de vários milhares de praticantes de Falun Gong tenham sido confirmadas como resultado de abuso policial em centros de detenção, campos de trabalho e centros de lavagem cerebral, acredita-se que dezenas de milhares tenham sido assassinados em hospitais chineses para a comercialização de seus órgãos.

Quaisquer que sejam as intenções de Li envolvendo o Conservatório Central de Música e sua amizade com Wang Cizhao, a queda do último provavelmente não é uma boa notícia para o ex-membro do Politburo.

“O fato de que Wang Cizhao e Li Lanqing tenham laços são tão estreitos”, disse Chen Kuide, “significa que a demissão de Wang é, possivelmente, um movimento contra Li”.

Voltando-se para a campanha anti-corrupção em curso, liderada pelo atual Presidente da China e Secretário Geral do Partido Comunista Chinês,  Xi Jinping, que está investigando a elite governante da China, Chen disse que aqueles que foram condenados geralmente afetam, em primeiro lugar, a carreira de seus seguidores, “independentemente das posições que eles ocupam na sociedade, seja na indústria, nos negócios ou nas artes. “