Professor esquerdista chinês Kong Qingdong é silenciado

27/05/2014 14:21 Atualizado: 27/05/2014 14:21

O acadêmico maoísta Kong Qingdong que mostrou grande satisfação quando intelectuais liberais na China tiveram sua liberdade de expressão censurada e reprimida pelas autoridades, agora parece tem sido forçado a se calar também.

Depois de postar um comentário no Weibo sobre os conflitos étnicos no Tibete e a repressão militar contra manifestantes em 4 de junho de 1989, a conta de blog de Kong desapareceu do Weibo. Tendo em vista que ele era um usuário prolífico da plataforma, que funciona como o Twitter, para expressar seus pontos de vista, outros usuários do sistema concluíram que sua conta foi excluída.

Kong, um professor da Universidade de Pequim, é considerado um representante-modelo do que veio a ser chamado de “Exército de 50 Centavos”, uma referência popular a figuras públicas e tumultuadores (trolls) da internet que são pagos pelo Partido Comunista Chinês o valor de 50 centavos por postagem em mídias sociais para duramente denegrir qualquer um na China que promova ideias de reforma ao longo das linhas de políticas democráticas ocidentais e para veementemente apoiar os elementos mais severos e ideológicos do regime comunista chinês.

Uma das mais conhecidas explosões de Kong foi em janeiro de 2012, quando ele chamou o povo de Hong Kong de “cães dos imperialistas britânicos”. No ano anterior, ele chamou Wan Xiongqiu, um professor aposentado da Universidade de Pequim, de “velho traiçoeiro” e disse que pessoas com ideias políticas “direitistas” como ele eram “traidores” e “cães miseráveis partidários dos Estados Unidos”. Ao que parece, essas expressões eram toleradas e inclusive apoiadas, pelo menos até recentemente.

Em 23 de maio, Kong atacou o ex-líder chinês Hu Yaobang por suas políticas no Tibete, em particular por sua libertação de prisioneiros políticos tibetanos em 1980, que “plantou o perigo oculto da turbulência étnica e religiosa nos últimos anos”. Hu não foi referido pelo nome: a postagem de Kong se limitou a dizer “certo grande líder”, embora a história mostre que Hu era o responsável envolvido. A postagem foi ao ar em 22 de maio após um atentado à bomba num mercado na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, no Noroeste da China, descrito pelas autoridades como um ataque terrorista.

Outra postagem de Kong no mesmo dia se referiu ao massacre da Praça da Paz Celestial de 4 de junho de 1989, outro tema sensível para o Partido Comunista, sobretudo porque este ano marca o 25º ano da tragédia.

Kong, enquanto discutia com outro blogueiro, que alegou estar entre os soldados que impuseram a lei marcial em Pequim em 4 de junho, argumentou que o massacre ocorreu, um assunto que não apenas é um tabu na China mas é absolutamente negado pelo Partido Comunista.

“Os distúrbios devem ser punidos rigorosamente, caso contrário, o país enfrentará o caos, teremos rebeliões nas fronteiras e invasões estrangeiras!”, argumentou o blogueiro.

Kong respondeu: “Bobagem. Não houve qualquer tumulto ou motim, foram vocês que abriam fogo impiedosamente e crivaram o povo com balas, e então os acusaram e incriminaram. Você pode citar qualquer estudante universitário que se revoltou?”

O movimento de 4 de junho foi um protesto pacífico anticorrupção e pró-reforma política, liderado por estudantes universitários chineses e que começou em abril de 1989. As manifestações culminaram no massacre de 3 e 4 de junho, ordenado por Deng Xiaoping, o líder supremo da China na época. Centenas de pessoas, talvez milhares, foram chacinadas.

Que Kong Qingdong tenha se referido nesses termos ao massacre miliar coordenado pelo Partido Comunista parece surpreendente, mas é sabido que ele participou do movimento em 1989, quando estudava na Universidade de Pequim. Embora mesmo na ocasião Kong fosse controverso – o ex-líder estudantil Feng Congde foi questionado sobre o papel de Kong durante uma entrevista à Rádio Som da Esperança: “Ele contrariava todo o pensamento dominante do movimento estudantil”, disse Feng.

O que quer que Kong quisesse sugerir em referência à repressão, sua conta no Weibo desapareceu no dia 24 de maio. Outros usuários do Weibo comentaram que, mesmo para um esquerdista fiel, um deslize pode custar caro. Tentativas de contatar Kong foram infrutíferas.

“Como isso é irônico! Ele invertia o preto pelo o branco na internet todos os dias, mas não tinha qualquer problema. Desta vez, ele finalmente disse algo verdadeiro, mas foi imediatamente eliminado…”, comentou um internauta no Weibo.

Outros comentaristas de esquerda na China, anti-EUA e pró-Partido Comunista, pareciam preocupados com a censura de Kong. Sima Nan, que desempenha um papel semelhante na esfera pública, perguntou: “Para onde foi Kong Qingdong? Quem bloqueou Kong Qingdong da Universidade de Pequim? Por que ele está bloqueado? Ele fez acusações contra o sistema socialista?…”

Apesar da frustração dos internautas chineses com as opiniões de Kong Qingdong, eles não ficaram satisfeitos com seu banimento por ter expressado uma opinião.

“Eu sempre discordei da opinião de Kong Qingdong devido a nossos valores opostos, e discuti inúmeras vezes com ele no Weibo, mas a internet deve ser uma plataforma de livre intercâmbio”, escreveu Wang Quanjie, um professor e membro do Congresso Popular Nacional, no Weibo.

Wang acrescentou: “A Internet deve acomodar todas as opiniões que não prejudiquem o público e deve proteger a igualdade de direitos dos cidadãos à fala.”