Profanação do Mosteiro Jokhang simboliza destruição cultural do Tibete

18/03/2014 13:15 Atualizado: 18/03/2014 14:21

De modo geral, as pessoas têm alguma compreensão da brutalidade da Revolução Cultural (1966-1976) na China, mas pouquíssimos sabem como esse movimento comunista afetou o Tibete.

Recentemente, eu li o precioso livro “Forbidden Memory: Tibet During the Cultural Revolution”, escrito pelo tibetano Woeser e seu pai Tsering Dorje. A obra retrata o Tibete durante o período da Revolução Cultural chinesa por meio de relatos e fotos.

O que me chocou mais foi a destruição da cultura tibetana, tão dolorosa e tragicamente como a completa destruição da cultura tradicional chinesa. Por exemplo, um grande número de lamas tibetanos foi obrigado a retomar a vida secular e inúmeras escrituras e artefatos preciosos foram queimados e destruídos. Em 1976, apenas oito dos 2.700 mosteiros originais restavam.

O que o Mosteiro Jokhang, conhecido como a “alma do Tibete”, sofreu durante a Revolução Cultural é sem dúvida o epítome dos 2.700 mosteiros devastados.

Mosteiro Jokhang

O Mosteiro Jokhang está localizado no centro da antiga cidade de Lassa e é considerado o templo budista mais sagrado no Tibete. Ele foi construído em 647 d.C. durante a Dinastia Tang da China e a Dinastia Tubo do Tibete pelo rei Songsten Gampo para comemorar a chegada da princesa Bhrikuti do Nepal ao Tibete.

Por meio de adições e reparos, o complexo do Mosteiro Jokhang expandiu para ocupar 25 mil metros quadrados. Seu estilo arquitetônico combina aspectos da Dinastia Tubo tibetana, da Dinastia Tang chinesa, do Nepal e da Índia e tornou-se uma referência da arquitetura religiosa tibetana.

O Mosteiro Jokhang resguardava muitas estátuas de Buda, relíquias e instrumentos rituais. Ele também tinha pinturas murais incríveis que datavam do período Tubo até o mais recente período Gesang Phodrang. Como um santuário religioso, o Mosteiro Jokhang é respeitado por uma variedade de seitas e seu habitual Festival de Oração Monlam é muito famoso.

Durante o festival, dezenas de milhares de monges dos três principais mosteiros de Drepung, Sera e Ganden em Lassa e de outros templos se reúnem no Mosteiro Jokhang. Eles realizam atividades como praticar o darma, debater os sutras, rituais religiosos e dar as boas-vindas ao futuro Buda Jampa.

O Dalai Lama (título do líder espiritual do budismo tibetano) e o Ganden Tripa (título do líder espiritual da Escola Gelug do budismo tibetano) de dinastias passadas ensinaram o darma neste mosteiro. Mas a importância deste santuário sagrado não se limita à religião. Ele também foi um dos locais do Kashag tibetano – o Conselho de Governadores do Tibete – desde a Dinastia Qing da China (1644-1911).

O quinto Dalai Lama estabeleceu o regime, integrando a religião e o governo. Departamentos de finanças, tributação, alimentação, justiça e relações exteriores foram estabelecidos no 2º andar do Mosteiro Jokhang. Mais tarde, a Urna de Ouro do governo Qing, a atividade empregada para selecionar os lamas tibetanos, também foi realizada aí.

Revolução Cultural

Como o Mosteiro Jokhang tinha papéis espirituais e seculares importantes, ele se tornou um dos principais alvos da campanha de “destruir os quatro velhos” – costumes, cultura, hábitos e ideias – durante a Revolução Cultural.

Em agosto de 1968, os Guardas Vermelhos em Lassa carregaram lanças vermelhas consigo para saquear o Mosteiro Jokhang. De acordo com a história contada no livro “Forbidden Memory”, o Mosteiro Jokhang testemunhou uma destruição sem precedentes.

Grande quantidade de vestimentas, livros, estátuas sagradas e rodas de oração foram esmagados, destruídos e queimados. Um chapéu de burro com palavras ofensivas foi colocado na estátua do Buda Sakyamuni. As roupas preciosas na estátua foram roubadas, o ouro pintado em seu corpo e rosto foi raspado, um conjunto de joias únicas entre a sobrancelha e um par de brincos de ouro ancestrais foram pilhados.

O exército vermelho chinês estacionado no Mosteiro Jokhang usou o andar superior como dormitório e o andar inferior como um chiqueiro. Posteriormente, os soldados despacharam os artefatos e estátuas budistas restantes para serem destruídos. Apenas as estátuas do Buda Shakyamuni permaneceram, ainda que danificadas.

Um monge que entregou comida de porco no local uma vez disse: “Eles [os guardas vermelhos] montaram um banheiro num canto do Mosteiro Jokhang e pode-se ver que eles urinavam no chão. O outro lado do Mosteiro Jokhang foi usado como matadouro de gado.”

Na década de 1970, após a retirada do Exército Vermelho, o Mosteiro Jokhang se tornou a segunda hospedagem do Comitê da Cidade de Lassa, onde funcionários e pessoas comuns de condados vizinhos podiam ficar. Devido ao afluxo de visitantes, os murais foram severamente danificados pelas chamas e a umidade do fumegante chá de manteiga tibetano.

Em 1972, com a mudança no ambiente político internacional, especialmente nas relações entre a China e o Japão e os Estados Unidos, o regime chinês decidiu reparar o Mosteiro Jokhang para maquiar a imagem internacional do regime comunista.

Infelizmente, os reparadores não sabiam que tipo de estátuas de Buda deviam ser colocadas no mosteiro. Finalmente, um monge excomungado e conhecido como “demônio” ajudou a reparar o primeiro andar deste palácio budista. O projeto de reparação foi concluído em 1980 e o Mosteiro Jokhang voltou a queimar incenso diariamente.

No entanto, as estátuas de Buda, artefatos, relíquias e murais não são os originais e o administrador encarregado do mosteiro não é o monge tradicional de outrora. Na verdade, muitos dos que residem lá agora são os mesmos que destruíram o Mosteiro Jokhang durante a Revolução Cultural.

Mais uma reencarnação, mais um longo suspiro, enquanto o maligno Partido Comunista não for levado à justiça.