Os problemas da flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal

29/11/2013 12:15 Atualizado: 29/11/2013 12:22

Criada no ano 2000 para evitar que as finanças públicas saíssem do controle, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nem sempre foi respeitada nestes 13 anos de existência. Recentemente, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei que flexibiliza a LRF, ao desobrigar a União de cobrir as metas fiscais não atingidas de estados e municípios.

Em entrevista ao Instituto Millenium, a consultora tributária Sueli Angarita explica que a proposta — ainda dependendo de sanção presidencial — reflete a falta de habilidade do governo de controlar os gastos públicos e aponta o custo da medida para a economia nacional. “A consequência é a falta de credibilidade diante do investidor nacional e estrangeiro”, diz Angarita. Leia:

Instituto Millenium: Qual a sua opinião sobre esse projeto de lei?
Sueli Angarita: Do ponto de vista sócio-econômico-político, o projeto mostra claramente a deficiência do governo em cumprir com uma de suas maiores responsabilidades: o controle do gasto público. A consequência é a falta de credibilidade diante do investidor nacional e estrangeiro.

Imil: Que problemas essas propostas podem trazer para a economia do país?
Angarita: Uma das consequências mais óbvias é o aumento da dívida contraída pelos estados e municípios, o que provoca a redução do emprego das receitas desses entes na prestação de serviços públicos e, porque não dizer, o incentivo a guerra fiscal, já tão combatida.

Imil: A PEC do Orçamento Impositivo, aprovada em segundo turno no Plenário do Senado e que depende de aprovação na Câmara dos Deputados, compromete a Lei de Responsabilidade Fiscal? Como?
Angarita: A PEC do Orçamento Impositivo pode comprometer o investimento em saúde, a partir do momento em que define percentual para a União de forma escalonada até 2018. Acredito que a nova medida queira criar uma “ilusão de ótica” para os brasileiros porque atualmente a União é obrigada a investir o montante do ano anterior mais a variação nominal do PIB.

Por outro lado, obrigará a liberação de verbas a emendas propostas por deputados e senadores. As perguntas que ficam no ar: os estados e municípios já não estão comprometidos com dívida pública e para pagá-las estão tentando que a União concorde em aprovar um fundo de compensação de perdas? As verbas propostas pela PEC do Orçamento Impositivo têm origem assegurada? Parece-me que não.

Imil: Para fechar as contas, o governo tem se utilizado de algumas medidas contábeis “criativas”. Esse tipo de estratégia prejudica o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal?
Angarita: Sim, porque demonstra claramente o descontrole com o gasto público, considerando, inclusive a elevadíssima carga tributária.

Imil: A atual folha de pagamentos do governo dificulta o cumprimento da LRF?
Angarita: Sim, uma vez que o gasto com a folha de pagamentos é o principal item de despesa do setor público. Para tanto, precisamos da tão sonhada Reforma Administrativa que deveria, entre outras medidas, enxugar os cargos públicos.

Imil: O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal compromete a capacidade de investimento do país em infraestrutura, considerado um dos maiores gargalos para o crescimento do país?
Angarita: Sem sombra de dúvida que sim. Os estados e municípios estão “atolados” na dívida pública. A União, por sua vez, tem reduzido a carga tributária para reduzir o Custo Brasil e não perder em competitividade, além de reduzir a informalidade. Essas medidas nos dão conta dos reflexos da gestão pública. Como poderá haver investimento onde há desequilíbrio?

Imil: O que pode ser feito para impedir manobras e estratégias que comprometam a LRF? Existe alguma fiscalização?
Angarita: A resposta sobre o que poderá ser feito para impedir manobras implica em mudanças profundas que combatam o problema na origem: reformas política, administrativa e tributária são algumas necessidades primordiais. Punição severa nos casos de desvio do dinheiro público, corte de excesso de gastos com pessoal, redução da criação desordenada de cargos, corte de gratificações exacerbadas, tributos elevados são questionamentos de longa data. O Brasil é um país que precisa ser levado a sério e a cultura da impunidade e do levar vantagem em tudo precisa ser revista.

Quanto à fiscalização, a LRF define a emissão de relatórios pelos entes da federação e cabe aos tribunais de contas examinarem os gastos dos governos. Infelizmente, ainda existem aqueles que gastam mais do que a LRF define, embora a própria LRF preveja penalidades para o seu descumprimento.

Essa entrevista foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium