A desaceleração da economia brasileira tem raízes profundas. É o que pensa o economista e especialista do Instituto Millenium Marcello Averbug. Para ele, a política econômica adotada nos últimos dez anos é a responsável pelo arrefecimento da produção industrial, pela deterioração dos serviços públicos e pelo encolhimento da confiança internacional no Brasil. “Ainda é cedo para falar em recessão. Mas é óbvio que a farsa está sendo desmascarada”, diz. Assim como boa parte dos analistas de mercado, Averbug considera 2014 um ano perdido: “Creio não haver dúvidas a esse respeito”. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Estudo do Banco Cooperativo Sicredi (banco cooperativo privado) aponta que a probabilidade da economia brasileira estar em recessão é de 90%. Diante do anúncio de novos indicadores, a equipe econômica já trabalha com a possibilidade de o PIB registrar resultados negativos no segundo e terceiro trimestres, o que configuraria recessão técnica. Quais as causas da piora na economia?
Marcello Averbug: Além do contexto internacional desfavorável ao nosso comércio exterior, a raiz da perda de fôlego da economia brasileira encontra-se no conjunto de decisões governamentais adotadas nos últimos dez anos, conjunto esse que nem merece o título de política econômica.
Durante esse período, a maior parte das iniciativas do governo ignorou objetivos de desenvolvimento de longo prazo. Favoreceu, isto sim, ganhos de curto prazo e pouco sustentáveis da faixa social de menor renda e, também, a prosperidade de empreendimentos de escassa solidez, mas que enriqueceram poucos privilegiados. Como consequência, ocorreu um retrocesso no ânimo do investimento privado, em especial nos últimos dois anos, enquanto que o investimento público tornou-se cada vez mais ineficiente, conforme demonstra nossa ameaçadora carência em infraestrutura.
Ainda é cedo para falar em recessão, inclusive vis-à-vis o baixo índice de desemprego. Mas é óbvio que a farsa está sendo desmascarada mediante sinais explícitos de arrefecimento da produção industrial, deterioração dos serviços públicos, encolhimento da confiança internacional no Brasil etc. Ademais, embora a inflação oficial nos últimos doze meses tenha sido de ainda razoáveis 6,5% (acima da meta), toda a população reclama do alto custo de vida.
Imil: De acordo com o estudo, quando se exclui do cálculo o Índice de Confiança da Indústria (ICI), a probabilidade de a economia entrar em recessão cai para 20% — o que indica que a indústria responde pelo arrefecimento da economia brasileira. O senhor concorda com essa teoria?
Averbug: Apesar de o setor industrial representar apenas 25% do PIB, ele possui o poder de induzir ao arrefecimento da economia. Por outro lado, é lógico estar havendo um sombrio Índice de Confiança da Indústria, pois o clima atual é desfavorável a arroubos de consumo de bens manufaturados e de investimento privado. Em outras palavras, o setor industrial é o mais atingido pelas incertezas no panorama econômico, com reflexos sobre os demais setores.
Imil: O PIB do primeiro semestre só sai em agosto e o do terceiro trimestre em novembro. Só, então, será possível confirmar se o Brasil está em recessão. Por enquanto, o que pode ser dito é que o país vive uma estagnação. A alta dos juros iniciada em 2011 para segurar a inflação está derrubando a economia? Mas o aumento da taxa de juros não era necessário para segurar a inflação?
Averbug: Estima-se um crescimento do PIB, em 2014, abaixo de 1%, o que evidencia uma estagnação. Mas nem é preciso aguardar os dados de incremento do PIB do primeiro semestre e terceiro trimestre para perceber que não atravessamos um processo de recessão. O que sim já podemos afirmar é que as perspectivas não são para nutrir otimismo.
As origens da desaceleração da economia brasileira são mais profundas do que a variação da taxa de juros. Portanto, justifica-se atribuir prioridade em seu uso ao controle da inflação. Mesmo porque grande parte dos investimentos são financiados sob juros favorecidos.
Imil: O caminho para a retomada do crescimento parece depender de avanços estruturais, profundos, para muito além de medidas pontuais que possam demonstrar recuperações momentâneas. O senhor concorda com isso? O que deve ser feito para o Brasil voltar a crescer?
Averbug: Além de depender dos avanços e reformas estruturais fartamente citados pelos vários segmentos da sociedade brasileira e organismos internacionais, o alcance de significativa taxa de expansão do PIB e melhoria da equidade social também é função de mudanças de comportamento.
Esse conjunto de redirecionamentos estruturais e comportamentais visaria, em uma primeira etapa, ao aumento da taxa de investimento interno, assim como da eficácia dos investimentos. Nossa atual taxa encontra-se em apenas 20% e, ademais, encoberta investimentos de pobre relação produto/capital, principalmente no setor público.
Até mesmo Argentina, Chile, Colômbia e México exibem taxas superiores: 23%, 25%, 23% e 25%, respectivamente. Comparando-se com alguns outros países fora da América Latina, constatam-se as seguintes cifras: Austrália (27%); China (48%); Coreia do Sul (29%); Índia (35%); e Rússia (25%), segundo a “The Economist – World in Figures”.
Se conseguíssemos incrementar, a curto e médio prazos, nossa taxa de investimentos em meros três pontos percentuais e, também, aprimorar a eficácia desses aumentos de capacidade instalada, o impacto sobre o crescimento econômico seria formidável.
Em termos de mudança de comportamento, um exemplo significativo é a proporção do gasto público (excluído investimento) sobre o PIB. No Brasil, esse indicador atinge a 21%, enquanto verifica-se o seguinte quadro em outros países com perfis comparáveis ao brasileiro: Argentina (15%); Chile (12%); Colômbia (16%); México (12%); Austrália (18%); Coreia do Sul (15%); Índia (12%), de acordo com a “The Economist”. Ora, se o consumo do setor público encolhesse a nível razoável e os desperdícios e corrupção fossem reduzidos, maior montante de recursos poderia ser canalizado para investimentos que competem ao Estado e são essenciais ao desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, seria possível criar um ambiente estimulante ao investimento privado.
Imil: Existe alguma coisa que a população possa fazer para amenizar os danos da recessão sobre o seu orçamento doméstico?
Averbug: Poucas são as possibilidades da população se autodefender dos danos de uma recessão. Restam apenas as velhas receitas de adaptar o orçamento doméstico à queda da renda real familiar. O que, por sua vez, agrava o contexto recessivo. Mas esse é outro campo de longa discussão.