Em alguns gráficos-chave tentaremos mostrar algumas das principais tendências da economia brasileira em 2014 – e elas não são lá muito animadoras…
Setor Externo
A absorção de poupança externa não é mais capaz de cobrir o déficit em transações correntes. Ou seja, o dinheiro que os estrangeiros estão dispostos a investir no Brasil não é mais capaz de igualar o dinheiro que os brasileiros mandam ao exterior como pagamento pelas suas importações líquidas e como remuneração de juros e rendas (“uso da poupança importada”).
Felizmente não estamos próximos de uma crise de balanço de pagamentos. A bonança externa da última década, materializada no ganho dos termos de troca das exportações brasileiras e influxo de capitais, permitiu um acúmulo de reservas ainda superior a um ano de pagamentos externos.
Moeda
O primeiro gráfico mostra a desaceleração no crescimento da oferta monetária. O agregado M1 cresce a 7%a.a., após ter atingido mais de 10% no último pico – aquele que jogou a SELIC a 7,5%. Ou seja, podemos dizer que a inflação real, o aumento na oferta de moeda, ainda cresce, mesmo que de forma mais desacelerada.
A parcela sem lastro da oferta monetária que é criada via crédito bancário, os meios fiduciários (em verde), também mostram forte desaceleração nos últimos meses. Isso mostra que o sistema bancário não consegue mais sustentar o ritmo anterior de concessão de crédito.
Assim, mesmo com o lag entre a desaceleração na oferta monetária e a desaceleração no crédito e na produção, temos bons motivos para crer que até mesmo os indicadores mainstream de crescimento (PIB) serão piores em 2014 do que em 2013.
Apesar do BACEN oficialmente se encontrar em período de contenção, o seu balancete continua estabilizado num pico de 40% do PIB. No ativo, o ritmo de compra de títulos de dívida pública (calote via inflação) e compra de dólares diminuiu. Agora o mesmo se vê cada vez mais comprometido com as operações de recompra, utilizadas para enxugar liquidez do mercado.
Aos desavisados, as operações de recompra são operações de curto prazo, na qual os bancos emprestam dinheiro para o banco central, aceitando títulos públicos como garantia. São operações de curto prazo (até 90 dias) remuneradas pela taxa básica.
Em resumo, trata-se de dívida de curto prazo emitida pelo governo brasileiro para impedir que a quantidade de moeda em circulação aumente ainda mais e eleve ainda mais os preços. São operações relativamente caras e pouco flexíveis – seu aumento não é bom sinal.
Crédito
Após a crise de 2008 assistimos a uma reestatização do crédito no Brasil:
Além da reestatização, nos últimos anos observamos crescimento forte do crédito direcionado. Ou seja, a nossa já escassa poupança cada vez mais é obrigada a ser utilizada em processos produtivos nos quais não necessariamente há demanda que os viabilize.
Além dos maciços aportes do governo federal no BNDES e na Caixa, parte da estrutura institucional do mercado bancário vem facilitando a proliferação do crédito direcionado. Com o mercado acionário em baixa, investidores vem demandando aplicações de renda fixa com benefícios fiscais, como LCI, LCA, CRI, CRA e a clássica poupança. Esses títulos, quando emitidos pelos bancos, implicam em crédito direcionado para imóveis e crédito rural.
O próximo gráfico mostra a evolução do estoque de crédito público. Além da vertiginosa alta no crédito imobiliário (que veio a ajudar no fomento de nossa bolha imobiliária) e no crédito ao consumo (que mais para frente ajudaria no fomento de nossa estagflação), uma tendência preocupante é o aumento dos empréstimos para o próprio setor público, aqueles que mais tendem a ser aplicados em projetos sem fundamento econômico.
Os desdobramentos recentes da economia nacional (fracasso dos “campeões nacionais”, crise do grupo X, bolha imobiliária e estagflação) mostram que a estratégia não vem sendo exatamente muito recompensadora…
O próximo gráfico mostra que o sistema continua elevando sua alavancagem total – A relação entre crédito e base monetária continua aumentando.
Lembremos – crédito se paga, dá calote ou se rola. Rolagem exige poupança – nossa poupança interna só diminui e a externa parou de crescer.
Pagamento se efetua via aumento da poupança e corte de gastos (deflação de preços) ou via inflação (primordialmente via aumento da base monetária). A margem de manobra para um resgate inflacionário do setor bancário se torna cada vez menor…
Por fim, o próximo gráfico mostra que não devemos esperar uma reaceleração do crédito. No lado fiscal o governo está cada vez mais pressionado e não tem como bancar aportes nos bancos públicos no mesmo ritmo. A absorção de poupança externa está estagnada e o ritmo de impressão monetária está em desaceleração.
Preços e Produção
A inflação de preços continua alta – a inflação do “dia-a-dia” continua bem acima da meta informal de 6,5%a.a.
O IPCA sem preços monitorados e sem alimentos sobe a mais de 7% – alta um tanto quanto surpreendente dado que a oferta monetária parou de acelerar.
A inflação de serviços ainda roda próxima a 10%a.a. Com a alta do dólar até mesmo os bens duráveis passaram a acelerar.
Os preços monitorados foram parcialmente reajustados, porém ainda há uma considerável inflação represada pelo governo. No entanto, os custos dessa tática não passam impunes pelas contas públicas em deterioração (e pelas ações das estatais).
Até 2013 a produção relativa (bens de capital em relação a bens não duráveis) esteve muito correlacionada com os preços relativos (preços ao produtor versus preços ao consumidor).
A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos explica esse comportamento, mostrando que quando a linha preta se eleva isso significa margens de lucro mais favoráveis para projetos no setor de bens de capital. Quando a linha preta cai, temos o efeito inverso.
Contudo, a correlação quebrou a partir da segunda metade de 2013. Podemos atribuir isso a outro fator – o despejo de crédito direcionado, principalmente do BNDES, estimulando artificialmente a produção de bens de capital.
A consequência: formação de estoques a serem desovados e produção menor no futuro. A atual onda de montadoras de carro e produtoras de bens da linha branca dando férias e demitindo funcionários é um sintoma dos excessos promovidos em 2013…
Política Fiscal
Graças à “contabilidade criativa” e ao uso recorrente de “receitas extraordinárias” para fechar as contas, ninguém sabe ao certo qual o real superávit primário do governo brasileiro.
E por que o superávit fiscal é importante? Ele representa o valor poupado para que o governo não tenha que pegar ainda mais recursos emprestados – e pagar ainda mais juros para financiar seus ineficientes gastos.
A equipe do Fundo Verde, capitaneada por Luis Stulbergher, estima que o superávit primário estrutural, ou seja, sem receitas extraordinárias, se encontre na casa de 0,8% do PIB, a metade do que é informado como oficial. E podemos perceber como houve uma quebra estrutural, com descompromisso fiscal a partir de 2008.
O próximo gráfico mostra o “Dívida/EBITDA” oficial do setor público brasileiro. A linha vermelha mostra a dívida pública decrescida das reservas internacionais em proporção ao superávit primário. O valor em vermelho crescente mostra a deterioração no indicador.
Conclusão
Os dezesseis gráficos mostrados apontam na seguinte direção:
1 – Desaceleração dos estímulos artificiais monetários e de crédito.
2 – Estagnação no aproveitamento do dinheiro fácil advindo da bonança externa .
3 – Inflação alta e controle de preços impactando contas públicas cada vez mais frágeis.
4 – Dificuldades cada vez maiores em estimular artificialmente os setores da economia considerados estratégicos pelo próprio governo (bens de capital).
Maravilhas da “nova matriz macroeconômica”.
Rafael Hotz Arroyo é economista, formado pela Unicamp, e defensor do livre mercado. Vencedor do prêmio Fréderic Bastiat, concedido pelo Ordem Livre, e do VII prêmio Donald Stewart Jr, concedido pelo Instituto Liberal, ambos em 2010.