Ex-vice-prefeito de Chongqing envolvido em ‘milhares’ de operações de transplante ilegal
O alto funcionário chinês que tentou desertar para os Estados Unidos na primeira semana de fevereiro tem uma história para contar sobre sua participação em milhares de atrocidades, e pode já ter dito a funcionários consulares dos EUA.
Wang Lijun, ex-diretor de Segurança Pública e vice-prefeito da megalópole de Chongqing, no sudoeste da China, temendo que Bo Xilai, secretário do Partido Comunista de Chongqing, pretendesse assassiná-lo, fugiu em 6 de fevereiro para o consulado dos EUA em Chengdu, a quatro horas de carro a oeste.
Ele passou mais de 24 horas no consulado e, de acordo com um relato da Rádio França Internacional, revelou detalhes a oficiais consulares sobre os crimes cometidos por ele e Bo. Então, ele deixou Chengdu sob a proteção de funcionários da segurança de Pequim.
Entre os crimes de Wang destaca-se sua participação no tráfico ilegal de órgãos de prisioneiros da consciência, uma prática que o regime chinês tem negado. No início de sua carreira, Wang fez um discurso em que discutiu sua participação na colheita de órgãos.
O prêmio de Wang
Em 2006, três anos depois de se tornar diretor do Departamento de Segurança Pública da cidade de Jinzhou, província de Liaoning, Wang recebeu um prêmio, mas não por combater o crime. Wang tinha feito uma pesquisa pioneira sobre a melhor forma de transplantar órgãos retirados de prisioneiros, que possivelmente estariam vivos quando seus órgãos foram retirados, e aperfeiçoou suas técnicas ao longo de milhares de ensaios locais.
Wang recebeu o prêmio em setembro de 2006 da Fundação de Ciência e Tecnologia de Guanghua, uma organização de caridade destinada a promover a ciência e a tecnologia para jovens. De acordo com seu website, a associação está sob a liderança direta da Liga Jovem Comunista, uma das organizações de massa do Partido Comunista Chinês utilizada para recrutamento.
No discurso de premiação de Wang, que ainda está disponível online, ele agradece aos funcionários da Fundação Guanghua pela “dura viagem” à província de Liaoning para observar seu trabalho.
Ele observa uma vez quando os funcionários da Fundação tiveram de voltar correndo do exterior para ver um julgamento. “Eles queriam testemunhar o transplante de órgãos e examiná-lo a partir de seu ponto de vista, o transplante de órgãos beneficia o público e melhora a aplicação da lei chinesa de uma forma humana e democrática”, disse Wang.
“Como todos sabemos, a chamada ‘pesquisa ao vivo’ é o resultado de vários milhares de transplantes intensivos no local”, acrescentou ele.
Wang recebeu o prêmio como diretor do “Centro de Pesquisa Psicológica ao Vivo”, que de acordo com sua página no site do Ministério do Comércio, é parte da Secretaria de Segurança Pública da cidade de Jinzhou. Sua breve introdução diz que ele tem relações e intercâmbios acadêmicos com universidades em mais de 10 países. Os e-mails para o centro de pesquisa não foram retornados, e as chamadas para o número indicado não completavam.
Em seu discurso de aceitação, Wang disse, “Para um policial veterano, ver alguém que está sendo executado e ver os órgãos dessa pessoa sendo transplantados para os corpos de várias outras pessoas, foi profundamente difícil. Este é um grande esforço, que envolveu grande e árduo trabalho de muitas pessoas. O secretário-geral da Fundação Guanghua da China, Jinyang e sua equipe estavam lá na cena do transplante, eles passaram por tudo isso conosco.”
Num discurso proferido na ocasião do prêmio de Wang, Ren Jinyang, o secretário-geral da Fundação Guanghua, explicou que Wang foi reconhecido por sua “pesquisa básica e experimentos ao vivo” ao tornar os receptores de transplantes mais receptivos aos órgãos.
“Eles criaram um novo fluido protetor”, disse Ren. “Após os testes em animais, testes fora do corpo e operações clínicas, eles atingiram um importante marco em que os receptores beneficiados se tornam mais receptivos a um fígado e rim injetado com tal fluido protetor.”
Local de execução
Pesquisadores que investigam práticas chinesas de transplante de órgãos foram incomodados pelos comentários e o que eles deixaram implícito.
“A chamada ‘pesquisa ao vivo’, a que Wang Lijun refere-se tanto, ou é um local de execução direta com vans médicas ou possivelmente uma ala médica, onde os órgãos das pessoas são removidos cirurgicamente”, disse Ethan Gutmann, que publicou extensivamente sobre a extração de órgãos de prisioneiros chineses da consciência.
Ele acrescentou que as injeções a que o prêmio se refere são, provavelmente, “anticoagulantes e medicamentos experimentais que reduzem a chance de rejeição do sistema imunológico enquanto o órgão é passado entre um corpo vivo, com o coração ainda batendo e prestes a expirar devido ao trauma, para outro.” Gutmann acrescentou que esta é “a prática médica normal” na China, onde os hospitais, hospitais militares e agências de segurança pública se entrecruzam.
“Há garantia zero de que o consentimento foi envolvido”, disse Gutmann. “Ampla evidência veio à luz de que as vítimas poderiam muito bem ter sido uigures muçulmanos, budistas tibetanos, cristãos da ‘Luz Oriental’, ou, muito mais provável, de praticantes do Falun Gong. Em outras palavras, Wang Lijun recebeu um prêmio de, na melhor das hipóteses, barbárie.”
Não é possível saber que proporção de vítimas Wang se referiu no seu comentário sobre “milhares” de transplantes no local eram de presos criminosos e quantas eram de presos políticos e prisioneiros da consciência, como praticantes do Falun Gong. Além disso, na China existe uma gama de crimes não-violentos que podem ser punidos com a pena de morte, mas o país comunista não divulga estatísticas detalhando o número de pessoas executadas e seus crimes.
David Matas, um advogado canadense premiado de direitos humanos, e David Kilgour, ex-secretário de Estado canadense (Ásia-Pacífico) e advogado da coroa, são coautores de um relatório sobre a colheita de órgãos de praticantes do Falun Gong na China. Eles estimam que num período de seis anos, de 2000-2005, 60 mil operações de transplante foram feitas na China e praticantes do Falun Gong foram a fonte mais provável para os órgãos de 41.500 operações.
Em outras palavras, cerca de dois terços dos órgãos utilizados em transplantes durante este período de tempo, que em parte se sobrepõe ao período da “pesquisa” de Wang, veio de prisioneiros da consciência, a maioria dos quais teriam sido do Falun Gong.
Uma mídia líder em questões internacionais, a CQ Global Researcher, cita Kilgour, Matas e Gutmann, estimando independentemente que mais de 62 mil praticantes foram mortos por seus órgãos no período de 2000-2008.
Tráfico de vidas
Aos olhos dos especialistas, uma questão preocupante e significativa foi deixada em aberto nos comentários de Wang, se os presos realmente morreram antes que seus órgãos fossem retirados de seus corpos. Dada a referência a injeções de drogas, é bem possível que os corações das vítimas ainda estivessem batendo quando seus órgãos foram removidos, dizem esses especialistas.
“Era costume que as execuções na China fossem feitas com disparos, então, eles substituíram pelo uso de injeções”, disse Matas. “Na verdade, eles não estão matando com injeções, mas paralisando, e tirando os órgãos enquanto o corpo ainda está vivo.”
Quando um órgão é removido de um corpo ainda vivo, está mais fresco e as taxas de rejeição são mais baixas. “É possível armazenar um órgão imediatamente após uma vítima ter sofrido morte cerebral, mas é muito mais complicado”, diz Matas. “A deterioração do órgão é mais acentuada, uma vez que o cérebro morreu, mas mantendo o corpo vivo através de drogas, pode-se colher os órgãos durante um longo período de tempo.”
As conversas de Wang com os funcionários consulares dos EUA em Chengdu podem lançar luz sobre detalhes, como a função dos medicamentos que ele usava em operações de transplante na província de Liaoning.
Em qualquer caso, a visita de Wang ao consulado oferece a melhor oportunidade até hoje de confirmação de um oficial chinês sobre a prática ainda realizada da extração forçada de órgãos na China.
Numa conferência de imprensa realizada em 13 de fevereiro em Washington DC, o porta-voz do Falun Gong, Dr. Tsuwei Huang, pediu ao governo dos EUA para liberar o conteúdo das conversas de Wang Lijun.
Com a pesquisa de Sophia Fang.