Por que o Partido Comunista Chinês desafia a democracia

17/11/2012 08:30 Atualizado: 05/03/2014 18:23

Na cerimônia de abertura do 18º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), o líder chinês Hu Jintao, que conclui seu mandato, declarou, “Nós não seguiremos o antigo caminho do passado, rígido e estreito, nem tomaremos o mau caminho de mudar nossa bandeira.” A declaração decepcionou os que esperavam gestos em direção à reforma política e algumas mídias e pessoas voltaram os olhos esperançosos para o novo líder chinês Xi Jinping.

A chamada reforma, que tem sido a forma como o regime se ajusta para sobreviver às crises, geralmente acontece em uma ou mais das seguintes situações: os canais de lucro do regime estão bloqueados; a fundação do regime está enfraquecida; a resistência da sociedade está fora de controle; e o regime está sob enorme pressão externa.

A China desfruta agora de um ambiente internacional muito favorável e tem pouca pressão externa. Quanto aos três primeiros, o PCC ainda tem remédios.

Canais de lucro

No final de 1990, a China entrou num período, que ainda dura, em que pessoas de poder começaram a pilhar fortunas implacavelmente com pouco risco. O sistema atual na China garante o controle total do grupo de interesse do PCC sobre todos os recursos do Estado em nome do (ou para o) povo. (Os recursos incluem a terra urbana e rural, florestas, rios, minas e outros recursos naturais, bem como os direitos de decisão sobre indústrias especiais.)

O Estado, então, decide como alocar receitas desses recursos públicos. A porção que o Estado chinês usa do PIB cresceu de um quarto para um terço, mesmo com o aumento do PIB. Portanto, bens públicos se tornaram uma fonte de riqueza para uns poucos privilegiados e as pessoas próximas a eles.

Nas últimas duas décadas, o crescimento da China veio principalmente da terra, mineração, serviços financeiros e do mercado de ações, enquanto os projetos públicos ofereceram inúmeras oportunidades para subornar os oficiais. De “aristocratas vermelhos” e oficiais provinciais aos camaradas das aldeias locais, todos no sistema tem se aproveitado destes recursos públicos.

Até hoje, os ricos e os poderosos, bem como funcionários do Estado, ainda tem acesso fácil a tais recursos. Os aposentados são protegidos por aqueles que promoveram e beneficiaram, enquanto os recém-chegados podem se conectar a cadeia alimentar e lucrar.

O PCC é o fazedor das regras, um jogador neste jogo de Monopólio, assim como o juiz do comportamento do mercado. Além disso, o PCC formou há muito tempo uma aliança criminosa de desvio de verba, na qual um camarada numa aldeia pode facilmente desviar centenas de milhões, enquanto que um oficial do condado pode manter dezenas de amantes. Por que razão eles desejariam mudar este sistema único que protege seu próprio grupo?

Portanto, os comentários de Hu Jintao sobre não tomar o “antigo caminho do passado, rígido e estreito” dirigia-se ao grupo privilegiado. Na era Mao, embora o governo estivesse no controle total de todos os recursos, os oficiais não foram abençoados com um mercado em que podiam negociar poder por dinheiro e as diferenças entre altos oficiais e populares ainda eram pequenas.

Mas agora, a diferença aumentou exponencialmente com a combinação atual de regime totalitário e economia de mercado, enquanto o regime tem todos os recursos do país sob seu rígido controle. Em tal sistema, os oficiais convenientemente fazem parceria com pessoas de negócios para negociar poder por riqueza e depois escondê-la no exterior. As elites poderosas e privilegiadas têm acumulado uma fortuna grande o suficiente para sustentarem uma vida de luxo por várias gerações.

Para essas pessoas, é simplesmente autodestrutivo combater a corrupção ou buscar a democracia, a separação dos poderes, a liberdade de imprensa, eleições e transparência sobre a renda dos oficiais. Dito isto, a declaração de Hu Jintao é uma maneira inteligente de apaziguar o PCC.

Expandindo a fundação

As “reformas políticas” no dicionário do PCC são principalmente as medidas para fortalecer seu regime, como aumentar o número de membros do PCC, permitindo que proprietários de empresas privadas se juntem ao PCC e estabelecendo sucursais do PCC em empresas estrangeiras e privadas.

A contribuição do ex-líder chinês Jiang Zemin à ideologia comunista, chamada de “Três Representantes”, mudou o PCC, de representar as três classes revolucionárias – trabalhadores, camponeses e soldados – para representar os três principais interesses: o desenvolvimento das forças produtivas avançadas (voltadas para elites econômicas, a classe média urbana, intelectuais e especialistas em alta tecnologia); a orientação para uma cultura chinesa avançada (por exemplo, promovendo o materialismo e o consumismo); e os interesses da grande maioria do povo chinês.

Desde que Jiang Zemin desenvolveu sua teoria, o PCC fez todos os esforços para a construção de uma nova base social. Todos os níveis do Congresso Popular, da Conferência Consultiva Política e os oito “partidos democráticos” sustentados financeiramente pelo PCC, desde então, se tornaram clubes políticos que o PCC usa para recrutar as elites empresarial, cultural e social.

Ao mesmo tempo, o PCC acelerou sua expansão, especialmente entre estudantes universitários. Até o 18º Congresso começar, havia 82,602 milhões de membros no PCC, mais do que a população total do Reino Unido e da França.

Os chineses veem a adesão ao PCC como um bilhete pela porta do privilégio. Liang Wengen, presidente do Grupo Sany e membro do círculo interior do Partido Comunista, disse numa entrevista durante o 18º Congresso, “Na China, se um jovem é membro do Partido Comunista, é mais fácil para ele encontrar uma namorada. A maioria das esposas de membros do PCC é mais bonita do que as de não-membros.”

Os comentários de Liang Wengren se tornaram uma piada popular online. Mas o que ele realmente expressou é: 1. Na China, o dinheiro não é tudo. O poder é. Assim, as elites empresariais devem contar com o PCC, porque empresários que são bem sucedidos como Liang Wengren precisam da proteção do PCC. 2. Apenas se tornando um membro do PCC pode um chinês comum obter um bilhete para o poder. 3. As pessoas (potencialmente) poderosas são o prêmio no mercado de casamento. Mas, novamente, uma pessoa tem de se juntar ao PCC para se tornar poderosa.

Para tal organismo colossal se unir por benefícios materiais, como ele poderia deixar de abusar do poder em troca do lucro máximo? Para tal partido político obcecado pelo autointeresse, como é possível se pensar além do próprio lucro e se considerar o povo e o futuro do país?

Resoluto em não assumir compromissos

Fontes em Pequim revelaram antes do 18º Congresso que muitos altos oficiais do PCC (incluindo líderes seniores aposentados do PCC) disseram, “Então, eu simplesmente não mudarei. O que você pode fazer?” Isso indica que o PCC não se importa mais em justificar suas decisões políticas e provar sua legitimidade. Eles já não são muito diferentes de um chefe da máfia.

Em minha opinião, a confiança do PCC em não fazer qualquer mudança se fundamenta no seguinte.

Primeiro, a propaganda do PCC tem continuamente apregoado a doutrina de que “a China cairá no caos sem a liderança do PCC”. O fundo da sociedade e as áreas mais pobres se tornaram tão caóticas que as classes média e média baixa se sentem cada vez mais inseguras. Entre um Estado violento e uma multidão violenta, eles preferem o primeiro.

Segundo, o PCC está confiante de que preparou forças armadas suficientes para reprimir protestos locais em massa.

A China enfrenta uma perspectiva terrível sob o regime de um partido político que não tem legitimidade diferente de um “contrato de pão” (um contrato tácito implementado pelo governo tunisiano para fornecer ‘pão’ – principalmente subsídios – em troca da submissão política). Os membros da sociedade chinesa têm sofrido e continuarão a sofrer enquanto este sistema podre lentamente se aproxima do fim.

He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea. Seu blog é HQLEnglish.blogspot.com