Por que os advogados chineses aceitam defender oficiais corruptos?

09/06/2015 09:53 Atualizado: 10/06/2015 08:39

Os clientes não são de confiança, o trabalho é mal remunerado, e não existe praticamente hipótese de alterar o veredito e a sentença. Ainda assim, os advogados chineses comparecem em tribunal para defender oficiais acusados de corrupção, e definitivamente não o fazem por dinheiro.

Até o momento, o líder chinês Xi Jinping, depois de uma campanha anticorrupção de 2 anos e meio de duração, fez com que mais de 100 oficiais de alto escalão, ou “tigres”, na linguagem popular, fossem investigados e acusados.

Depois de passarem pelo “shuanggui” – o infame sistema de detenção e interrogatório do Partido Comunista que inclui tortura e métodos de pressão, estes oficiais acabam indo para o tribunal, onde é esperado que confessem os seus crimes e aguardem sentença, que normalmente resulta em uma longa pena de prisão ou condenação à morte.

Para passar a imagem de um sistema judiciário aberto – apesar de sua retórica de que os tribunais chineses seguem o “Estado de direito”, o partido ainda interfere com as decisões em casos sensíveis – o tribunal nomeia os advogados de defesa para os “tigres” caídos.

A maior parte dos oficiais aceitam os advogados atribuídos pelo tribunal, enquanto outros preferem contratar algum advogado famoso para os defenderem, de acordo com o Shouthern Weekly, um jornal estatal que por vezes se inclina para o lado liberal.

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Os advogados nestas circunstâncias aceitam o caso, mas sem muita vontade, porque são casos que se prolongam e que custam muito tempo, o que acaba por afetar suas carreiras. Eles também não são bem compensados pelo Estado. O advogado Qian Lieyang disse ao Southern Weeklly que só recebeu 2 mil yuan (cerca de U$ 322) para representar o antigo Ministro dos Caminhos de Ferro Liu Zhijun em 2013, incluindo o custo de seu assistente.

Poucos advogados desejam aceitar casos de oficiais corruptos privadamente, porque não há um cheque de pagamento decente garantido para eles no final.

Os oficiais corruptos “poderiam ter sido ricos, mas uma vez que os seus bens foram apreendidos, eles não têm dinheiro”, explicou o advogado Xu Lanting ao Southern Weekly. Mesmo que a família do oficial tenha dinheiro, acrescentou Xu, eles frequentemente hesitam em oferecer mais dinheiro porque “somente iria aumentar a suspeita” de corrupção por parte do réu.

Se puderem escolher, os advogados preferem ser contratados por homens de negócios acusados de corrupção, porque estes podem pagar os seus serviços por um valor de até 2 milhões de yuan (U$ 323 mil). Em contraste, os oficiais purgados podem pagar somente entre 50 mil yuan (cerca de U$ 8 mil) e, no máximo, centenas de milhares de yuan.

Advogados que aceitam tais casos tendem a fazê-los por razões altruístas, dizem. Li Fabao, o advogado que foi contratado para defender o antigo chefe da energia Liu Tienan e o antigo chefe regulador de empresas estatais e da maior companhia de petroleiro da China, Jiang Zemin, disse ao Southern Weekly que aceitou o trabalho para aperfeiçoar suas capacidades enquanto advogado.

Tanto os advogados privados com aqueles atribuídos pelo tribunal, têm que estudar montanhas de documentos e seguir o caso durante meses caso o oficial em causa seja de alto escalão. O advogado Wang Zhaofeng permaneceu meio ano tratando do caso do antigo chefe de Chongqing Bo Xilai, e normalmente eles aconselham o réu a dar-se como culpado enquanto lutam por uma sentença mais leve.

A maior parte dos oficiais não se opõem a confessar os seus crimes, e às vezes ficam chorando dramaticamente. Entretanto, há alguns mais teimosos que ignoram o conselho legal e resistem até o duro fim.

Por exemplo, Wang Huaizhong, o antigo vice governador da Província de Anhui, recusou a dar-se como culpado. Acabou recebendo a sentença de morte.

O advogado sediado em Pequim, Zhang Qingsong, relatou ao Southern Weekly o curioso caso de Song Yong, antigo membro do Comitê em Funções do Congresso Provincial do Povo na província de Liaoning, a nordeste da China, em 2011.

Song inicialmente recusou Zhang, o advogado atribuído pelo tribunal. Mais tarde, ele resolveu permitir que Zhang o representasse, pois seu advogado particular disse que o mais certo era ele enfrentar a pena de morte.

Durante os procedimentos em tribunal, Zhang disse que o seu cliente aceitou subornos passivamente e por isso não merecia ser muito severamente punidos. Song, contudo, contra o conselho do seu advogado, mais tarde levantou-se e declarou que recebeu os subornos de plena consciência. Mais tarde, foi-lhe dada a sentença de morte com prorrogação.