Entre as milícias de mercenários enviados por Putin, destacou-se o chamado Batalhão “Vostok” (“Leste”). A unidade foi recebida em Donetsk com aplausos por algumas centenas de separatistas. Mas, na mesma ocasião, como pode ser visto em vídeo divulgado no Youtube, um de seus componentes declarou que a milícia é composta de chechenos muçulmanos, soldados profissionais que já lutaram no Afeganistão e que lá estavam para ajudar a Rússia e um “povo irmão”.
Os mercenários não perderam tempo: ocuparam a sede da administração regional e a transformaram em depósito dos frutos de suas pilhagens e saques. As violências perpetradas por esses “libertadores” indignou a população. Por fim, acabaram sendo expulsos do prédio por simpatizantes pró-Rússia, que descobriram as salas de trabalho transformadas em armazéns com os produtos dos saques.
“Lojas pilhadas, bancos e restaurantes fechados por causa da insegurança. Uma crescente anarquia tendia a tomar conta de Donetsk, e o prédio simbólico da ‘República Popular de Donetsk’ foi esvaziado pela ala militar dos separatistas”, informou o jornal francês “Le Monde”.
Segundo o jornal inglês “The Telegraph”, um escritório destinava-se a estocar grandes queijos e salchichas roubados perto do aeroporto. Em outras salas havia grande quantidade de cigarros, bebidas alcoólicas, meias de luxo e roupa íntima. Uma parede do 10º andar estava pichada com as iniciais do NKVD – a temida polícia secreta do ditador soviético Josef Stalin.
O presidente do “Parlamento” separatista, Denis Poushiline, explicou que a expulsão do “Vostok” foi decidida para “nos libertar daqueles que cometeram crimes contra a República”. A desmoralização não pode ser maior.
Igor Strelkov – coronel do GRU (serviço de inteligência do exército russo), comandante do Batalhão “Vostok” e das milícias da fantasmagórica “República Popular de Donetsk” – divulgou um vídeo no Youtube que é toda uma confissão de impopularidade.
Ele verberou o povo de Donetsk pelo fato de não se alistar às “dezenas de milhares” como “voluntários” nas milícias separatistas. Segundo ele “dezenas de milhares ficam sentados em casa, olhando calmamente TV e bebendo cerveja”, em vez de se engajarem pela união com a Rússia. Quer dizer, não estão com o separatismo.
Segundo o jornal “Le Monde”, Igor Strelkov já foi condenado por crimes contra civis chechenos em guerra acontecida em anos passados. E em Donetsk ele teria feito executar três recrutas. As pilhagens de lojas e supermercados por homens armados, entretanto, prosseguem e a polícia está inerme. “Há poucos dias, homens armados e mascarados chegaram a duas concessionárias e exigiram uma dezena de veículos ‘para a revolução’. Ninguém sabe quem são essas pessoas” – contou ao “Le Monde” um amigo do proprietário.
O complexo desportivo da equipe de hockey Donbass, célebre no país, foi atacado por “homens armados que amarraram os guardas e roubaram computadores, telas de vídeo, o cofre, um carro e atearam fogo no prédio”, informou o clube. Os caminhões blindados dos bancos foram sequestrados e não há mais dinheiro na cidade. As atividades estão paralisadas, pois as empresas não sabem qual legislação obedecer: a ucraniana ou a russa, acrescentou “Le Monde”.
O jornal britânico “The Telegraph”, a partir de informações próprias, também está convencido de que o panorama de Donetsk é desastroso. O movimento rebelde debate-se em plena crise, e não é de se excluir confrontos armados entre milícias pró-russas. O caso dos gangsters do “Vostok” teria sido a gota que extravasou do vaso.
Num combate no aeroporto, os separatistas recolheram os corpos de 33 cidadãos russos, que deviam ser enviados de volta a Rostov-Don, na Rússia, de onde seriam encaminhados aos familiares. Em outro episódio, só o motorista de um caminhão atingido pelos disparos de um helicóptero do exército da Ucrânia possuía RG ucraniano; todos os demais corpos eram de russos, que foram também encaminhados para seu país.
As baixas dos mercenários podem chegar a centenas num dia e o exército ucraniano continua avançando. O enviado do “O Estado de S.Paulo” (25/5/2014) conseguiu habilmente fazer falar alguns mercenários em Donetsk. “São eles, explicou o jornalista, e não os voluntários da população civil, os pontas de lança do levante separatista na região de Donetsk”.
Dois comandantes separatistas aceitaram falar após garantias de que a reportagem só seria publicada no Brasil e em português, e não circularia na Europa e nos EUA. “Um deles se identificou como Russlan Yssalev, 28 anos, muçulmano vindo da Chechênia e membro de forças especiais, registrou Andrei Netto. ‘… eu estive na Crimeia e em Odessa … e agora estou em Donetsk’”. “Outro agente identificou-se como Yevgeny Podumme, de 30 anos. ‘Sempre fomos protegidos pela Rússia, enquanto os EUA só causam problemas. Veja Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria’, argumentou.“
Segundo o repórter brasileiro, os chefes milicianos elogiam com insistência a Rússia e seu presidente, Vladimir Putin, mas não aceitaram responder se estão sendo pagos ou não, nem de quem recebem ordens. E com razão! Falar poderia lhes custar a carreira ou a vida.
As tropas russas estacionadas na fronteira estariam recuando. Constituídas por recrutas sem formação especial, estariam passando pela renovação anual, e não têm capacidade de combate. Compreende-se então que Putin modere cada vez mais suas bravatas contra a Ucrânia e seu povo. A população de Donetsk, que poderia ser seu apoio, está se voltando fortemente contra o separatismo e não quer saber da anexação à Rússia e das milícias estrangeiras. Pelo contrário, quer o retorno à paz e ao trabalho sob a bandeira nacional da Ucrânia.
(Leia aqui a primeira parte da matéria)
Luis Dufaur, escritor, edita o blog Flagelo Russo