Jornalistas, um da AFP, detidos e feridos pela polícia, que caça e prende indiscriminadamente após molotov
RIO DE JANEIRO – A Polícia Militar acabou com um protesto de cerca de 3.500 pessoas ao redor do Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio, no bairro das Laranjeiras, zona sul da cidade, durante a primeira reunião oficial do Papa Francisco com a presidente Dilma Rousseff e o governador Sérgio Cabral, na noite desta segunda-feira (22). Sete pessoas foram presas, dentre elas dois repórteres, um menor foi apreendido e pelo menos oito pessoas ficaram feridas, dentre elas dois policiais, um fotojornalista internacional e, por arma de fogo, dois manifestantes.
Protestantes, dentre os quais duas crianças, de 3 e 14 anos, buscaram refúgio numa filial das Lojas Americanas após serem encurralados na Rua das Laranjeiras. Soldados atiraram bombas dentro da loja, antes de invadirem e efetuarem prisões.
Advogados do plantão jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) foram gratuitamente agredidos e receberam spray de pimenta ao tentarem intermediar casos de detenção com o fim de garantir a ordem jurídica.
Policiais atiravam e prendiam na Rua Pinheiro Machado (da sede do governo) de forma generalizada. A perseguição se alastrou pelas ruas adjacentes e arredores, e por bairros vizinhos, como Largo do Machado, Botafogo e Flamengo.
A integrante do movimento Dia do Basta à Corrupção Gerusa Lopes diz que testemunhou dez carecas, que segundo ela seriam agentes à paisana, espancando um manifestante junto ao meio fio e dizendo que era ladrão. “Mentira, eu estava lá e vi o que estava acontecendo e quem estava passando também viu. Mas quando comecei a questionar, a polícia, em tom ameaçador, me mandou calar a boca.”
Cerca de mil manifestantes terminaram lotando a Rua Pedro Américo, da 9ª Delegacia Policial, no Catete, para exigir a libertação dos que teriam sido detidos arbitrariamente. Houve tensão no início da madrugada e a tropa de Choque chegou a lançar spray de pimenta. Um grupo fechou a Rua do Catete (adjacente), outro seguiu para o Tribunal de Justiça, no Centro, do qual dependia um habeas corpus para um dos detidos, e outro acompanhava a situação dos feridos no Hospital Municipal Souza Aguiar, também no Centro.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) emitiu nota repudiando a acusação feita pela PM, através de seu twitter oficial, de que a entidade atrapalhava o trabalho da corporação no Hospital Souza Aguiar. Acompanhado de dez criminalistas, o vice-presidente da OAB-RJ, Ronaldo Cramer, apurava no local a denúncia de que a PM estaria pressionando o hospital a liberar rapidamente os feridos, de modo a impedir a realização de exames de corpo delito.
“Presente aos protestos de rua no Rio desde o início de junho, sempre com o objetivo de evitar arbitrariedades, a OAB-RJ reitera que suas ações visam a assegurar o cumprimento da lei, a defesa da liberdade de expressão e o Estado Democrático de Direito”, afirmou a entidade em nota.
Feridos
Um farmacêutico que se manifestava pacificamente junto com a namorada foi atingido por tiro de arma de fogo na perna direita. Ele teve os primeiros socorros prestados pelos médicos voluntários Felipe e Keison no local e seguiu com hemorragia para o Hospital Gaffrée e Guinle, na Tijuca, de sua preferência por já haver trabalhado na unidade. A Polícia Militar nega a utilização de armas de fogo.
Fugindo da perseguição policial pela Rua São Salvador, Rafael Caruso também recebeu um tiro de arma letal, na batata da perna. Ele foi acolhido na portaria de um edifício por moradores, na mesma rua, para que recebesse os primeiros socorros de médicos voluntários.
Segundo uma das moradoras que não quis se identificar, mesmo vendo que socorriam o baleado, soldados passaram atirando bombas e balas de borracha contra a portaria e também teriam exibido comportamento provocativo jogando “beijinhos”.
Caruso foi encaminhado para o Hospital Souza Aguiar, onde outras quatro pessoas estavam sendo atendidas, entre elas, Rafael Gomes, que tomou três tiros de bala de borracha, e o fotojornalista da Agência France Press (AFP) Yasuyoshi Chiba, que ficou ferido após levar um golpe de cassetete de um policial.
Japonês, 42 anos, Chiba recebeu três pontos na cabeça e realizou exames na unidade. “Vi um manifestante cair no chão. Os policiais o agarraram e o levaram. Fotografava a cena quando fui bruscamente empurrado por outros policiais. Então levantei os braços com minha câmera para mostrar que era fotógrafo e que tinha intenções pacíficas, mas um policial de uniforme e escudo me acertou a cabeça com o cassetete”, conta ele à AFP, o que desmente a versão da Globo News, que noticiou erroneamente que o fotógrafo havia sido ferido por um coquetel molotov.
Um cabo do 41º BPM (Irajá), atingido por um molotov, sofreu queimaduras e foi encaminhado para o Hospital da Polícia Militar, segundo a corporação. Um carro da Rede Globo foi danificado por pedras.
Infiltrados
A concentração começou às 18h no Largo do Machado, em frente à Igreja Nossa Senhora da Glória. Em seguida, as então pouco mais de mil pessoas marcharam com cartazes para o Palácio Guanabara, onde gritaram palavras de ordem e queimaram um boneco representando o governador. Eles exigiam o impeachment de Cabral, o esclarecimento sobre o paradeiro de Amarildo Souza Lima, morador da Rocinha sequestrado por policias da UPP da favela no dia 14 de julho, e também expressavam desaprovação pelo alto custo aos cofres públicos para trazer o líder católico ao Brasil.
Os manifestantes usaram um datashow para projetar no muro de edifícios adjacentes ao palácio do governo a caricatura do governador assemelhando-o a Hitler e a pergunta: “Papa, cadê o Amarildo?” Segundo os organizadores do evento, que foi convocado pelo ‘Anonymous Rio’ pelas redes sociais e teve mais de 9 mil confirmados pelo Facebook, o protesto não era contra a figura do Papa nem o catolicismo, mas pelo estado laico e para mostrar ao religioso e ao mundo como o povo é tratado pela Polícia Militar.
A situação seguia tranquila, com alguns momentos de tensão, até o fim da solenidade oficial de recepção do Papa, quando a iluminação pública foi apagada. Por volta das 19h40, um coquetel molotov atirado por um homem encapuzado detonou uma reação sistemática e indiscriminada da polícia, com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, jatos d’água, choque elétrico, balas de borra e também de arma de fogo. Outros supostos radicais também teriam atirado pedras e morteiros e tentado romper o cordão de isolamento da polícia.
Vídeos produzidos por manifestantes e moradores, no entanto, mostram, de diferentes ângulos, dois homens – um de camisa semelhante à do que jogou o primeiro molotov e outro tênis semelhante à do que jogou o segundo molotov, além de outras características verificadas como pulseiras, calças e relógio de pulso -, adentrando o cinturão da polícia após se identificar. A Polícia Militar confirmou a presença de agentes à paisana (P2) entre os manifestantes, mas negou serem os que iniciaram o conflito. Manifestantes contam terem ouvido de um suposto P2 logo antes do tumulto: “Não há mais ‘Jornada Mundial [da Juventude]’ no meio, podem começar”.
Imagens de supostos agentes P2 reunidos entre os manifestantes e usando invariavelmente pulseiras pretas, sempre no punho direito, supostamente para facilitar a identificação entre si, agitaram as redes sociais.
Também foram usados ‘caveirões’, os blindados da PM, cães e 50 homens da cavalaria, além de pick-ups pretas. De acordo com a PM, foi escalado um total de 1.500 policiais militares para a ocasião. Muitos trabalharam encapuzados e sem identificação.
Detidos
Os policiais prenderam um manifestante acusando-o de ser o autor do arremesso de coquetel molotov na polícia e de portar uma mochila com 20 molotovs, segundo a Polícia Militar – a informação não bate com a da Polícia Civil, que fala num total de 11 molotovs apreendidos. Bruno Teles, cinegrafista de 25 anos, morador de Duque de Caxias, foi caçado pela Rua Pinheiro Machado e tomou tiro de borracha no braço esquerdo. Ele finalmente desmaiou quando uma bomba foi atirada em sua cabeça pela polícia, mesmo já estando rendido. Após o desmaio, os policiais ainda aplicaram arma de choque, na altura de seu peito, o que é proibido. Ele também foi acusado de desacato.
Último a ser solto, após um habeas corpus decretado ontem pela manhã por falta de provas, Bruno nega as acusações. Fotos e filmagens produzidas e compartilhados nas redes sociais por manifestantes mostram o cinegrafista antes de sua detenção sem nenhuma mochila. No vídeo em que o agente à paisana aparece atravessando o cordão de isolamento, o P2 que retira a camisa está acompanhado de outro agente, que carrega uma mochila semelhante à alegadamente apreendida com o manifestante e apresentada à imprensa pela polícia.
O delegado da 9ª DP não acatou o apelo dos advogados do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), que prestou assistência jurídica a Bruno, de esperar a decisão do TJ sobre o habeas corpus por eles impetrado e o enviou durante a madrugada para o presídio de segurança máxima Bangu I, na zona oeste do Rio, há 46 km do local, onde sua família, desesperada, teve que buscá-lo.
Também foram presos dois cinegrafistas do veículo independente Mídia Ninja, que realizava a transmissão ao vivo pelas redes sociais por streaming para 15 mil pessoas. Filipe Peçanha e Filipe de Assis foram autuados por incitação à violência, o que negam. O primeiro, conhecido como ‘Carioca’, foi detido por um agente P2, ainda no Largo do Machado, quando, segundo Peçanha, o policial o abordou tentando confiscar seu equipamento. O segundo “ninja” foi detido em frente à 9ª DP, sob alegação de publicar conteúdo impróprio na internet.
Após ser fisicamente agredido por um policial, o peregrino Roberto Cassiano, que esperava condução de volta para casa num ponto de ônibus e não participava da manifestação, foi detido e autuado por desacato. Em vídeo divulgado no YouTube, ele conta, saindo da delegacia, que apenas mostrou ao soldado da Tropa de Choque a camisa da Virgem Maria que usava e disse que “a Nossa Senhora era contra a forma de atuação da PM”.
Dentre os detidos, Leandro Silva foi liberado após pagar R$ 1 mil de fiança. Contra ele, a Polícia Militar alegou formação de quadrilha.
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