Polícia esmaga protesto de 1 milhão de pessoas no Rio (+ Vídeos)

21/06/2013 17:49 Atualizado: 13/11/2014 23:08
Manifestantes denunciam terrorismo de Estado
rio de janeiro, manifestação
Manifestantes marcham no centro do Rio de Janeiro durante o protesto que agora é chamado de ‘Primavera Tropical’ contra a corrupção e o aumento dos preços no país (TASSO MARCELO / AFP / Getty Images)

RIO DE JANEIRO – O protesto desta quinta-feira (20) no Rio de Janeiro levou cerca de 1.050.000 pessoas pacificamente ao centro da cidade, ou seja, 16,6% da população carioca, atualmente calculada em 6,323 milhões de pessoas pelo IBGE, e terminou com severa perseguição das forças policiais. Após a revogação do aumento nesta quarta-feira, eles reivindicam a redução das passagens de transporte público e a libertação dos presos políticos juntamente com a anulação dos processos criminais.

A concentração começou cedo e às 14h já havia 2 mil pessoas em frente à Igreja da Candelária, confeccionando cartazes e aquecendo tambores. O trajeto do sétimo ato no Rio repetiu o do terceiro, descendo pela Avenida Presidente Vargas, com duas diferenças: a marcha conseguiu chegar até a sede da Prefeitura, na Cidade Nova, porém sua cauda ainda balançava na Igreja da Candelária, no início da avenida, que possui quatro pistas e 3,5 km de extensão.

Com cartazes, vuvuzelas, camisas e bandeiras do Brasil, manifestantes pulavam e dançavam ao som de bandinhas e cantavam marchinhas de carnaval adaptadas para suas reivindicações. Não mais apenas jovens e estudantes, como crianças e idosos, médicos, artistas, advogados, voluntários de ONGs, partidários e apartidários, cidadãos e cidadãs de toda as partes da cidade também cantavam o Hino Nacional e refrões patrióticos e bradavam palavras de ordem diversas contra a violência policial dos atuais governos municipal e estadual, a corrupção no Congresso Nacional, a segregação social e por serviços essenciais e de qualidade com valorização do servidor público.

Entre as faixas e cartazes, destacavam-se: “Queremos escolas e hospitais no padrão Fifa”, “Vandalismo não me representa”, “Revolução do vinagre”, “O Brasil está mostrando a sua cara”, “Enfia os 0,20 no S.U.S.”, “Primavera brasileira” e “Aguarde um instante, estamos atualizando o sistema”. Funcionários dos escritórios da principal avenida do Centro tremulavam bandeiras nas janelas, jogavam papel picado ao vento e piscavam as luzes das janelas, atendendo ao coro dos manifestantes.

A fotógrafa Juliana Varajão, 30 anos, segurava um cartaz escrito “Não cabe num cartaz”. “A lista de reivindicações tem anos de acúmulo. Agora que baixaram os centavos o povo viu que não pode parar, porque viu que tem o poder. Não é o governo que manda, mas o povo. A gente que colocou eles lá. Se não deu certo, então vamos trocar (de governantes).”

Essa foi a primeira vez que Juliana veio para o ato. “Eu fiquei bem chocada. É uma energia muita bacana, essas pessoas gritando, falando, colocando pra fora. Acho que isso faz as pessoas lembrarem que são pessoas.” Para Varajão, no fim das contas, não existe democracia no Brasil. “Agora que está chegando perto das eleições, mesmo os brasileiros tendo memória curta ou preguiça, esses protestos já ligaram uma chave diferente.”

Dentre os vários problemas que a economista Diana Gervase veio reclamar, o principal é a falta de controle sobre a inflação. “Já havíamos conquistado isso na década de 90, a inflação já estava controlada, mas agora temos um descontrole total. Nós devíamos manter o que estava bom para investirmos em educação e saúde, por exemplo.”

Segundo Diana, há gastança e má gestão do governo federal. “A Fazenda gasta mal e o Banco Central parou de olhar a taxa de inflação. O governo tem que parar de adiar o caixa da Petrobrás e de maquiar o superávit primário, parar de colocar a mão onde não deve e começar a fazer o que deve ser feito. Dilma, para de gastar e começa a investir direito”, disse, acrescentando que os gastos inflados com a Copa estão ajudando a pressionar a inflação. “Sem dúvida.”

A médica Maria Souza aposentada, 69 anos, ainda frequenta o Hospital Geral de Bonsucesso para ajudar nos atendimentos e passar experiência. Para ela, a rotatividade de efetivo com as sucessões de governos também compromete a qualidade do serviço público. “A saúde e a educação devem ser prioridades num país, mas estão sendo delegadas a último plano. No Brasil é sempre assim, está sempre dando marcha ré. E agora com esse governo não mudou. É a maior mentira”, denuncia, citando seu hospital, que apesar de ser referência em transplantes de fígado e rim, teve o serviço transferido para outro local. “Mas nós gritamos e voltou para Bonsucesso, porque não tinha sentido, pessoas morrem nas filas de transplante no Rio de Janeiro”, diz.

Maria denuncia também que a implantação das empresas RioSaúde e Ebserh irão desestabilizar ainda mais o servidor público, entre outros temas. “Os políticos querem tirar a supremacia do Supremo Tribunal (através da PEC 33), o pessoal do mensalão quer ficar livre da punição. O Maracanã está superfaturado e com problemas.”

Felipe Alcântara, 30 anos, aposentado por invalidez, veio reivindicar mais acessibilidade no país para deficientes físicos. “As calçadas são altas demais e os pontos de ônibus totalmente inadequados.” Ele também veio exigir a extinção da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, conhecida como PEC da Impunidade, que retira do Ministério Público o poder de investigar. “Não tem nada mais absurdo do que essa emenda constitucional”.

“Eduardo Paes e Cabral estão largando a cidade às traças, botaram UPPs à conveniência do Eike Batista. Os bandidos estão descendo para o asfalto e tocando terror.” Segundo ele, no Recreio dos Bandeiras, onde mora, o servidor público é altamente desvalorizado e não tem plano de carreira.

Alcântara reivindica também a CPI da Copa do Mundo. “Pelo absurdo dos superfaturamentos e pelas obscuras ‘obras emergenciais’, que foram adiadas propositalmente para serem classificadas como emergenciais e dispensarem, assim, fiscalização e licitação. Obra emergencial é fruto de roubo.”

Ele não aceita também o anúncio do Eduardo Paes de desviar recursos da Saúde para compensar a suspensão do aumento das passagens de ônibus. “É inadmissível o prefeito dizer isso. Cadê os Royalty do petróleo que era para ser usado na Saúde? Queremos também a CPI dos Royalty, e das empresas de ônibus, porque sabemos que por trás delas está a família do Cabral, sangrando os cofres públicos na cara dura”, conclui Felipe, sugerindo que a manifestação não pare até que ocorra o impeachment do prefeito Eduardo Paes e do governador Sérgio Cabral.

O surfista cadeirante André Souza, conhecido como Andrezinho Carioca, também acredita que as manifestações devem continuar, mesmo com a revogação do aumento das passagens de transporte coletivo. “Porque o que a gente paga de imposto não está de acordo com o que o governo oferece. O sistema não atende ao que precisamos, principalmente pessoas como eu, usuárias de cadeira de rodas. O sistema público de transporte não atende nem quem não tem nenhuma deficiência, quanto mais quem tem”, denuncia.

Perseguição

Uma pedra atirada na polícia por um suposto radical em frente à Prefeitura deu início à ação da polícia, que começou a atirar nos manifestantes com balas de borracha e a atacar com gás lacrimogênio e spray de pimenta. Um carro do SBT foi queimado por supostos protestantes. O Batalhão de Choque iniciou uma repressão indiscriminada jogando bombas de efeito moral contra os manifestantes na Presidente Vargas enquanto o Batalhão de Operações Especiais (Bope) se posicionava nas adjacências. Homens da Força Nacional de Segurança, a cavalaria e o canil da Polícia Militar, policiais à paisana, armas de fogo e até tanques de guerra prenunciavam uma operação fora do comum.

Manifestantes fugiam desesperados e a marcha foi sendo empurrada e dividida. Uma parte foi sendo caçada pelas forças de segurança no sentido Praça da Bandeira e Maracanã e outra, maior, começou a voltar lentamente pela Presidente Vargas e ruas transversais, continuando a festa entre uma ou outra bomba e correria. Até que a perseguição se intensificou na ala de trás dessa parte que voltava. As forças de segurança começaram a cercar, espancar e prender arbitrariamente nos arredores da Uruguaiana e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Estações do metrô foram fechadas. Cerca de 150 manifestantes em pânico conseguiram se refugiar na Faculdade Nacional de Direito (FDN) e outro grupo no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFS), da UFRJ.

Uma parte da marcha seguiu para a Cinelândia e outro grupo para o bairro da Lapa, quando o Choque e o Bope começou a cercar também a área. Manifestantes que tentavam ir para casa foram encurralados no Largo da Carioca enquanto os soldados passaram a atirar a esmo e prender indiscriminadamente. O mesmo ocorreu no bairro da Lapa, depois que um suposto radical atirou uma cabeça de nego contra os policiais, nem as pessoas que estavam nos bares, sem nenhuma relação com a manifestação, foram poupadas. Vídeos mostram soldados arremessando bombas de gás dentro de estabelecimentos cheios, sem manifestantes e se retirando.

Ainda na Lapa, a polícia arremessou bombas de efeito moral dentro do Circo Voador, famosa casa de show carioca, onde muitas pessoas se refugiavam, buscando proteção debaixo do palco. Pelas ruas, manifestantes também  buscavam cobertura em garagens de edifícios.

O cerco já chegava à Praça da Cinelândia, também pela Avenida Rio Branco. Uma sequência de bombas começou a ser lançada na multidão quando todos cantavam o Hino Nacional em frente à Câmara Municipal. A caça continuou com muito gás de pimenta e balas de borracha. Outra parte da marcha seguiu para o Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio, e, assim como o grupo da Lapa e a parte que fugia em direção ao Maracanã, também foi severamente reprimida pelas forças policiais e atacada com o ‘caveirão’, o tanque blindado do Bope, que passava atirando nos manifestantes.

“Presenciamos uma estratégia fascista do estado ontem. Além de mostrar que o canal de diálogo é uma via tortuosa, que só se consegue com muita luta, o governador exerceu a política do medo”, disse Rafael Fortes, graduando em música pela Unirio, 24 anos, que ficou preso na FDN com sua esposa, Rachel Rabello, de 21. “Apresentou todas as armas que um estado repressor pode oferecer contra um milhão de pessoas que protestavam na Avenida Presidente Vargas. Amanhã vão tentar aparecer com cara de bonzinhos.” Tombada, a Faculdade Nacional de Direito, na Praça da República, é patrimônio histórico por já ter sido o Congresso Nacional do Brasil.

“Percebi que era uma estratégia de intimidação do estado. A tropa de choque ficou algum tempo com cães na porta da faculdade. A diretora deu um informe através de um representante do Centro Acadêmico pedindo para a gente não sair porque estavam realizando prisões arbritárias”, relata Fortes, que momentos antes fugia de muito spray de pimenta e sucessivas explosões de bombas desde a prefeitura. “Tinha muita gente, inclusive crianças e idosos, no meio da correria. Não foi apenas uma bomba em cima da multidão, foram várias e todos os lados, para amedrontar mesmo. Eles que vieram pra cima com tudo”, conta Rafael, que acredita estar vivendo um momento histórico com a “emergência do potencial político de um povo que tem o futebol como identidade que está sendo comercializada”.

Os manifestantes somente conseguiram sair do IFCS e da FDN às 23h30 após a presença dos reitores de ambas as faculdades e do secretário de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, escoltados por advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), que os conduziram até as estações Central e Uruguaiana do metrô, que já reabriam.

Vídeos de flagrantes dos excessos da polícia e relatos de vítimas estão pipocando nas redes sociais. Num deles, a médica Daniela Judice, que atendia aos feridos no Hospital Souza Aguiar, postou o seguinte depoimento: “Estava de plantão hoje no Souza Aguiar. Hospital preparado para receber os pacientes graves vindos da manifestação. Vi jovens de bem com rombo no rosto feito por bala de borracha atirada pela polícia. Não foi só um. O plantão acaba às 20 h. Tentávamos sair quando, de repente, gritaria e fumaça entra pelo hospital. O gás pimenta subiu pelas escadas até alcançar a pediatria no sétimo andar do hospital. Arde tudo por dentro. O que é isso, gente? Vários funcionários passaram mal. Mães e crianças aspirando aquele horror. No sétimo andar nos isolamos dentro do CTI. Conseguimos sair de lá às 22h15, passamos pela Presidente Vargas que parecia vítima de um tornado. Agora chego em casa e acompanho na Globonews o que aconteceu na porta do hospital. Meia dúzia de manifestantes pedindo pra polícia não atirar porque ali era um hospital, e, mesmo assim, o despreparado policial se posiciona, mira e atira duas bombas! O que é isso meu Deus?! As pessoas ali estão doentes!”

Noutro depoimento, um internauta denuncia um apagão midiático. “Acabei de vir do centro do Rio, o bicho tá pegando lá! Manifestantes pacíficos que estavam tentando ir para suas casas, em busca de uma estação de metrô aberta ou de ônibus que estivessem circulando, sendo cercados pelo Choque, pelo Bope e pela Força Nacional e não tem um único canal transmitindo isso ao vivo. As câmeras da Cet Rio (Companhia de Engenharia de Tráfego) no Centro estão desligadas e as notícias só chegam através das redes sociais. Estão lançando bombas dentro do Hospital Souza Aguiar, dentro do metrô da Carioca, um caveirão passando a toda velocidade sobre as pessoas, bala de borracha dentro do ônibus onde eu estava! E pelos relatos, até tiro com arma de fogo tá rolando na Lapa! Cenários de guerra! Uma polícia totalmente abusiva e despreparada a mandos de um governo corrupto e acuado!”

A Polícia Civil publicou em nota que “na 5ª DP (Mem de Sá) cinco maiores foram presos e três menores apreendidos. Rodrigues Rosa dos Santos, 35 anos, Rafael Ferreira Batista, 18 anos, Jean Carlos de Oliveira, 18 anos,e dois menores foram presos em flagrante saqueando uma loja de calçados na Avenida Presidente Vargas. Wando Willian da Silva, 24 anos estava roubando mercadorias de uma loja de telefonia também na Avenida Presidente Vargas. Eles vão responder pelo crime de furto qualificado. Rafael Braga Vieira, 25 anos, foi preso na Rua do Lavradio, com um coquetel molotov e um artefato explosivo na mochila. Ele foi autuado em flagrante por posse ou emprego de artefato explosivo. Um menor foi apreendido na Avenida Presidente Vargas, com duas granadas de efeito moral, e vai responder pelo fato análogo ao mesmo crime declarou em nota. Até à noite de ontem, a Secretaria de Saúde havia contabilizado 36 feridos. O total deve ser divulgado hoje (21).

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj anunciou que está apurando as denúncias de excessos da polícia para encamanhiar para ao Ministério Público e à Defensoria Pública. As vítimas e testemunhas devem repassar seus relatos, imagens e denúncias através do telefone 2588-1555 ou do e-mail ascommarcelofreixo@gmail.com.
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Vídeos…

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