Houve um tempo em que, como membro da Polícia Armada do Povo (PAP) na China, você podia atirar contra a multidão, bater nos cidadãos sem justificativa e não ser punido ou responsabilizado de forma alguma. A internet mudou essa dinâmica, adicionando uma camada de responsabilidade popular em lugar de qualquer responsabilidade do Estado, como evidenciado no recente tumulto em Shifang, na província de Sichuan, sudoeste da China.
Depois que jovens organizaram um protesto recentemente, que cresceu para milhares de pessoas, contra a construção de uma refinaria de cobre e molibdênio, as forças da PAP das áreas circunvizinhas desceram sobre a cidade para impor uma dura repressão. O governo local posteriormente rescindiu o plano de construir a refinaria, em face do descontentamento nacional.
A polícia de choque na China é notoriamente violenta e o caso em Shifang não foi diferente. Mas foi incomum, neste caso, que membros individuais do PAP fossem fotografados, identificados e se tornassem alvo de assédio. Os lojistas em Shifang também se recusaram a negociar com eles.
A própria polícia de choque, inclusive, participou online disputando sobre os policiais de que distrito eram os agressivos e quais atiraram bombas de gás lacrimogêneo e granadas de flash na multidão.
A informação disponível sobre esses protestos também interessou pessoas que nunca prestaram muita atenção a uma enormidade de protestos locais e a violenta repressão que caracteriza a paisagem da China.
Isaac Mao, um conhecido blogueiro chinês, referiu-se à história de “um estudante de intercâmbio chinês que nunca prestou atenção na política, mas estava desesperadamente pesquisando por ‘Shifang’ noite adentro.” Ele acrescentou: “Você nunca sabe que pessoas ou quando saltarão sobre o carro da democracia.”
Na noite de 7 de julho, no Sina Weibo, um popular serviço de microblogue chinês similar ao Twitter, havia 6.439.791 mensagens referentes aos incidentes em Shifang.
Violência indiscriminada
Muito da conversa centrou-se na violência dos soldados da PAP.
O Epoch Times contatou o Sr. Xie de Shifang. Em entrevista por telefone, ele explicou como ele e sua esposa acompanhavam sua filha pela cidade. Quando passavam o protesto, a polícia jogou uma granada de atordoamento neles. Xie descreveu-a como um flash ofuscante e um boom ensurdecedor, paralisando temporariamente os três. A explosão queimou gravemente a perna de sua esposa. O médico teve de cortar parte da carne antes de enfaixá-la; ela teria ficado aleijada se o torrão fosse mais profundo, disse o médico a Xie.
Pareceu a Xie que as forças da PAP não visavam ninguém especificamente.
Em outro caso, os internautas alegam que uma menina de 14 anos foi espancada até a morte, mostrando uma foto postada na internet de um corpo jovem deitado aparentemente sem vida na rua.
Escrevendo no Weibo, um usuário disse, “A criança de 14 anos de idade lá já está morta. Seu pai estava tão triste que dirigiu seu carro dentro do escritório do governo da cidade. Então, ele foi seriamente espancado.” Ele acrescentou, “A mãe, vestida de branco, se ajoelhou na frente dos escudos da polícia de choque dizendo, ‘O terremoto não a matou, mas ela morreu sob os cassetetes da polícia.’”
Busca de carne humana
Dois dos policiais militares particularmente entusiasmados tiveram suas fotografias tiradas e foram ridicularizados, com pedidos para atormentá-los na vida real. Os internautas chamaram-nos de “dois ursos” e descobriram suas famílias e nomes, publicando-os online.
Um deles, identificado como Liu Bo, foi fotografado correndo atrás de uma menina com seu cassetete levantado. Essa foto foi cortada e uma campanha de Photoshop começou, em que os internautas montaram a imagem de Liu correndo perseguindo com seu cassetete uma variedade de pessoas famosas em locais conhecidos em todo o mundo. O número de telefone do trabalho de seu pai foi colocado online.
No jargão da internet chinesa, a pesquisa histórica e postagem de informações individuais com a finalidade de escárnio e humilhação é chamada de “busca de carne humana”. Ela foi desenvolvida pioneiramente pelos nacionalistas chineses em busca de represália contra outros chineses que não seguiam a linha do Partido Comunista em questões como o Tibete. Neste caso, isso foi virado contra os executores das políticas do regime.
O outro “urso”, Zhang Bin, foi fotografado levantando o dedo médio para a câmera. Ele foi duramente denunciado pelos internautas que perguntaram, “Este homem é um chinês?” Outro escreveu, “Todos os chineses se lembrarão de vocês.”
Fugindo da responsabilidade
Internautas identificando-se como membros atuais da PAP envolveram-se num momento numa discussão acalorada sobre qual brigada, de Shifang, Mianyang ou Chengdu, foi responsável pelo gás lacrimogêneo e as granadas de efeito moral que foram lançadas no meio da multidão, tentando culpar um ao outro pela violência.
“A polícia de Chengdu disparando contra o povo? Nós nem sequer ofendemos as pessoas. Nós apenas seguimos estritamente nossas ordens”, escreveu um usuário, identificando-se como um membro da PAP de Chengdu. Ele acusou a polícia de Mianyang de disparar gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral. “Nós da polícia de Chengdu dificilmente fizemos algo, não disparamos sequer uma lata!”
Não servindo seu povo
As tentativas de evitar responsabilidade pela violência contra os moradores locais no contexto de uma operação contra um incidente de massa é muito incomum na China. O ressentimento com que os membros da PAP foram tratados em Shifang pode de alguma maneira explicar essa aparente mudança de coração.
Um usuário do Weibo, que no momento que postou se identificou como um policial do distrito de Fucheng em Mianyang (e posteriormente mudou), queixou-se do tratamento dos moradores de Shifang. “Muitos colegas foram comprar comida, eles não vendiam; não vendiam sapatos; não vendiam água; não vendiam cigarros. Ah, eu me sinto tão triste por isso! Somos quase como ratos correndo pela rua. Sinto-me triste em pensar sobre essas palavras: Polícia do Povo.”
Em outro caso, o dono de uma loja no Taobao, a versão chinesa do eBay, publicou um aviso que se recusava a enviar produtos para qualquer endereço oficial do governo em Shifang.
“Se você optar por ser uma parte desta máquina como seu trabalho, então é melhor você estar preparado para assumir a responsabilidade por tudo o que faz”, escreveu um internauta, identificando-se como um docente da Universidade de Pequim.
O escritor acrescentou um aviso severo para os chineses que trabalham nas forças de segurança do Partido Comunista, “O 3º Reich de Hitler também tinha algumas pessoas de caráter elevado e moral, mas, junto com o carro de guerra com que se envolveram, também enfrentaram o Dia do Julgamento.”
Ariel Tian e John An contribuíram para este artigo.