Governo birmanês combate insurgentes enquanto China e Ocidente disputam influência
Mais de uma batalha está em curso na Birmânia, com conotações políticas pouco compreendidas pelo mundo exterior. Há a luta permanente do governo com uma abundância de exércitos de resistência étnica e a luta maior entre a influência ocidental e a chinesa.
A intervenção estrangeira no processo de paz da Birmânia (oficialmente chamada República da União de Myanmar) está se tornando uma guerra por procuração, dividindo os formuladores de políticas nos países envolvidos.
O governo birmanês parece decidido a uma solução militar para seus problemas de insurgência étnica. Enquanto delegados se reuniam em março na cidade fronteiriça de Ruili para negociações com insurgentes, centenas de caminhões do exército birmanês eram enviados com mais soldados e equipamento pesado para o estado de Kachin.
Contudo, apenas alguns dias antes na Europa, o presidente Thein Sein, um ex-general que se tornou político civil, proclamou, “Não há mais lutas no país, fomos capazes de acabar com esse tipo de conflito armado” entre as forças governamentais e uma abundância de exércitos de resistência étnica. Isto apesar dos ataques quase diários contra o ‘Exército pela Independência de Kachin’ (KIA) no extremo norte, escaramuças frequentes com o ‘Exército do Estado de Shan’ no estado de Shan – um grupo que tem um acordo oficial de cessar-fogo com as autoridades – e mais tropas governamentais tomando novas posições no estado de Karen, nas montanhas que fazem fronteira com a Tailândia.
Enquanto ONGs ocidentais e institutos de pesquisa disputam pela participação no processo de paz na Birmânia, o poderoso vizinho ao norte está assumindo o controle. Em 13 de março, o ex-primeiro-ministro chinês Wen Jiabao admitiu que os conflitos étnicos de décadas estão tendo um grave impacto no comércio transfronteiriço.
O fato é que a China tem uma longa história de envolvimento nos assuntos internos da Birmânia, que remonta a seu apoio militar maciço de 1968 a 1978 ao insurgente Partido Comunista da Birmânia que agora está extinto. Hoje, a China tem um interesse direto na estabilidade da Birmânia e do estado de Kachin em particular, onde tem um grande investimento em exploração mineral, geração hidroelétrica de energia, comércio varejista e agroindústria.
Os métodos chineses para promover a paz diferem consideravelmente da abordagem de “paz e reconciliação por meio do diálogo” dos interlocutores ocidentais. No estado de Kachin, a China acena com uma cenoura para o governo em Naypyidaw e coloca pressão no KIA permitindo que as tropas birmanesas manobrem pelo território chinês.
A China também agita seu grande bastão. De acordo com publicação ‘Jane’s Intelligence Review’ de 21 de dezembro, a China tem abastecido a milícia étnica mais poderosa da Birmânia, o Exército Unido do Estado de Wa (EUEW), com abundante equipamento militar. Veículos blindados de fabricação chinesa transportando armamentos foram vistos no quartel-general do EUEW em Panghsang na Birmânia através da fronteira de Yunnan.
O EUEW tem um acordo de cessar-fogo com o governo birmanês desde 1989. A China não quer outra guerra. Ao deixar o EUEW adquirir armamento pesado, a China envia uma forte mensagem a Naypyidaw: Não mexa conosco.
Não é um segredo que a China está descontente com os movimentos da Birmânia para melhorar suas relações com o Ocidente, especialmente os Estados Unidos. Pequim ainda lamenta a decisão do governo birmanês em setembro de 2011 de suspender a construção financiada pela China de US$ 3,6 bilhões de uma megarrepresa no estado de Kachin, que teria inundado 600 quilômetros quadrados de florestas, deslocando milhares de moradores e fornecendo 90% da eletricidade para a China.
Dois meses depois, a secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton fez uma visita histórica a Birmânia, a primeira em décadas de um oficial de alto escalão de Washington. O distanciamento da Birmânia de sua estreita relação com a China começou e o Ocidente reagiu com entusiasmo. As sanções foram atenuadas, ajuda e investimentos foram prometidos e críticas de abusos aos direitos humanos pelo exército birmanês nas áreas de minorias étnicas desapareceram da agenda dos governos ocidentais.
Iniciativas de paz
O envolvimento da China no processo de paz começou seriamente quando, em 19 de janeiro, o vice-chanceler chinês Fu Ying visitou a Birmânia e se reuniu com Thein Sein e o general Min Aung Hlaing, comandante-em-chefe das forças armadas. Fu Ying, conhecida por seu estilo diplomático de fala direta, teria deixado claro que a China queria que as lutas no estado de Kachin parassem.
De 1994 a 2011, o KIA tinha um acordo de cessar-fogo com o governo, mas ele se fragmentou devido a desacordos com o governo da Birmânia, se ele deveria ser uma união federal ou um Estado centralizado e sem autonomia real para as áreas étnicas.
Os diálogos de paz patrocinados pela China foram realizados em Ruili, província de Yunnan, em 3 de fevereiro. Pequim enviou o alto oficial Luo Zhaohui, ex-embaixador do Paquistão e agora diretor-geral do Departamento de Assuntos Asiáticos do Ministério das Relações Exteriores, para observar o processo. Uma segunda rodada de negociações em Ruili em 11 de março contou com a presença de Wang Yingfan, outro oficial de alto escalão do Ministério das Relações Exteriores.
A intervenção chinesa na guerra civil birmanesa lança dúvidas sobre a viabilidade dos esforços de mediação estrangeira – assim como a proliferação de organizações ocidentais, que transformaram a paz na Birmânia numa verdadeira indústria e, para alguns, num negócio lucrativo.
A proposta norueguesa ‘Iniciativa de Apoio à Paz em Myanmar’ segue os esforços similares do ‘Centro para o Diálogo Humanitário’ da Suíça, da Fundação Nippon do Japão e das iniciativas do ‘Centro pela Paz em Myanmar’ dos EUA, uma entidade próxima ao governo birmanês.
O ‘Instituto para a Segurança e Política de Desenvolvimento’, um grupo de pesquisa sueco, também tem financiamento da União Europeia (UE) para a “reconciliação nacional e construção da paz” com os grupos étnicos, enquanto o PACTA, uma ONG finlandesa, também procura oportunidades. O ‘Centro de Estudos de Paz e Conflito’ de Phnom Penh no Camboja também está envolvido, assim como pelo menos seis outros grupos com suas próprias agendas particulares. Milhões de dólares e euros estão em jogo nesses esforços.
O resultado tem sido a sobreposição de iniciativas, a rivalidade entre as organizações e a frequente falta de compreensão dos inexperientes “pacificadores” sobre as causas fundamentais dos conflitos. Isto não quer dizer que a abordagem chinesa tenha sido mais sofisticada.
Na Rádio Pequim, acadêmicos chineses sugeriram que o principal problema é que os kachin e outras minorias étnicas não estão recebendo seu quinhão das receitas locais – transformando décadas de luta por reconhecimento da identidade étnica numa busca por simples benefício econômico. Os kachin e outros são rápidos em apontar que os negociadores do governo birmanês não têm autoridade nas conversações de paz para discutir questões políticas como o federalismo. Assim, os diálogos são pouco mais do que negociações sobre negociações com pouca perspectiva de sucesso.
A abordagem chinesa também pode carecer de coesão. Em dezembro, várias reuniões a portas fechadas foram realizadas em Pequim, onde acadêmicos de Yunnan argumentaram que o governo chinês deve fechar a fronteira e colaborar apenas com as autoridades birmanesas para esmagar o KIA, melhorando assim a relação tensa com Naypyidaw.
Oficiais chineses das Relações Exteriores advertiram que tal visão unilateral poderia resultar num afluxo de refugiados de Kachin para Yunnan e em possíveis ataques a empresas e indivíduos chineses.
Além disso, a China deve levar em conta que a província de Yunnan tem mais de 130 mil kachin étnicos. Quando o KIA estava sob ataque intenso de helicópteros, aviões de combate e artilharia pesada em janeiro, milhares de kachin chineses viajaram de caminhões e ônibus para a fronteira para mostrar solidariedade pelos irmãos do outro lado.
Tanto o Ocidente e a China demonstram inaptidão na arbitragem dos conflitos étnicos na Birmânia; as guerras internas que têm assolado o país desde sua independência da Grã-Bretanha em 1948 não parecem próximas de uma solução.
Bertil Lintner é um jornalista sueco baseado na Tailândia e autor de várias obras sobre a Ásia, incluindo “Blood Brothers: The Criminal Underworld of Asia” e “Great Leader”. Com a permissão de YaleGlobal Online. Copyright © 2013, Centro Yale para o Estudo da Globalização da Universidade de Yale.
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