Um dos traços mais característicos de nossa época é a muito difundida noção de que o direito é um conjunto de normas que o mais forte impõe ao mais fraco. Não importa tanto o seu conteúdo, mas o ato de força pela qual ele prevalece; seu traço característico é a coação, não a utilidade das normas. O mais curioso deste argumento é que, no momento em que põe em evidência a irrelevância do seu conteúdo e a necessidade de imposição pela força, afirmam que o direito é a precondição de uma sociedade livre: sem normas não há mercado.
Em outras palavras, esses teóricos socialistas do Direito consideram que a sociedade nasce das relações coercitivas implantadas por uma hierarquia suprema. Sem uma mente consciente, respaldada por um exército, não há normas, e sem normas não há relações sociais.
A realidade é bem distinta; a ação humana livre e sua propriedade devem marcar o começo de toda análise teórica e histórica. As relações antecedem necessariamente as normas; de fato, as normas são produtos das relações. Uma norma não é mais que uma expectativa para que outro indivíduo atue de forma determinada, expectativa que pode surgir de promessas (‘ius’ – direito em latim – provém etimologicamente de ‘iurare’, ‘jurar’) ou dos costumes, isto é, de comportamentos idênticos no passado.
Se a tese socialista fosse correta, ou seja, se a propriedade privada nasceu de um ordenamento estatal prévio, não fica claro como esse Estado poderia ter de fato chegado a surgir. De onde conseguiu obter os rendimentos para pagar os soldados, os funcionários e os juízes, se não existiam propriedades que taxar?
Na verdade, os socialistas só pretendem justificar que a propriedade privada é um privilégio concedido pelo Estado aos indivíduos, graças a sua legislação e a sua proteção policial e, portanto, um privilégio que está subordinado a todas as eventualidades e mudanças que seu garantidor queira lhes infringir.
Contudo, como temos visto, a propriedade privada e a ação humana são necessariamente anteriores ao Estado e, cabe dizer com certeza, que são a base de todo o ordenamento jurídico. As normas não criam a sociedade, e sim a sociedade que origina as normas que estão continuamente em evolução. Como afirmou Paolo Grossi: “A práxis constrói dia a dia seu Direito, o mesclando e modificando segundo as exigências dos lugares e dos tempos.”
Quem quer estabelecer uma distinção evidente entre sociedade e direito, criando uma fonte autônoma de sabedoria normativa, esquece que impedir os indivíduos de criar o direito a partir dos seus atos equivale a impedi-los de agir. Um direito de origem socialista só pode terminar numa sociedade completamente regulada e escravizada.
O Direito não é um conjunto de ordens fornecidas, e sim práticas previsivelmente úteis para alcançar os fins individuais por meio da cooperação humana. O Estado através de suas normas coercitivas só distorce esses laços voluntários e cooperativos, destruindo na prática a instituição jurídica. Da mesma maneira que a planificação econômica extermina o mercado, a atual planificação jurídica extermina o direito.
O estado de direito não requer um Estado para garantir um estado (uma situação) de direito. Mais ainda: podemos assegurar que só sem Estado podemos empresarialmente descobrir o melhor direito.
E se é que, como temos visto, a propriedade privada e a liberdade são as origens do Direito, resulta numa ilusão acreditar que um organismo que se sustenta sobre a permanente violação da propriedade privada e da liberdade possa criar outra coisa que não um direito violentador e corrupto.
Juan Ramón Rallo é doutor em economia e graduado em Direito pela Universidade de Valencia, além de mestre em Economia Austríaca pela Universidade Rey Juan Carlos. Ele atualmente trabalha como professor na Universidade Católica de Ávila
Traduzido e revisado por Adriel Santana
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Juan de Mariana