Será que existe uma consciência independente do cérebro? Como explicar as chamadas “Experiências de Quase Morte”, EQM, nas quais pessoas relataram experiências que tiveram durante o período em que foram declaradas clinicamente mortas?
Essas experiências relatadas são reais? A EQM pode ser atribuída a processos fisiológicos ou químicos que ocorrem durante o processo de morte cerebral? A EQM é uma resposta psicológica à proximidade da morte, ou é, como muitos consideram, experiências de uma realidade que transcende as limitações do corpo físico?
Um pequeno grupo de cientistas britânicos publicou um estudo piloto em 2011 para avaliar a frequência e as possíveis causas da EQM em pacientes que sofreram uma parada cardíaca prolongada e sobreviveram através do processo de ressuscitação cardíaca. Sobreviventes de parada cardíaca são bastante apropriados para esse tipo de estudo uma vez que são ressuscitados por meio de um procedimento padrão, no qual recebem as mesmas drogas e tratamentos.
Todos os pacientes que sobrevivem a paradas cardíacas apresentam pelo menos dois de três critérios usados para se declarar uma pessoa morta: um é ausência de batimentos cardíacos e o outro é a ausência de respiração espontânea. A maioria desses pacientes também apresentam uma terceira característica: pupilas fixas e dilatadas, como resultado da parada da atividade cerebral.
Ao longo de um ano, todos os pacientes sobreviventes de parada cardíaca no Hospital Geral de Southampton, na Inglaterra, foram catalogados e entrevistados. Durante a permanência deles no Hospital, suas reações fisiológicas e farmacológicas foram detalhadamente medidas e registradas para efeito de estudo.
Usando perguntas abertas, os pacientes foram questionados sobre lembranças que eventualmente tiveram durante os momentos em que haviam sido considerados clinicamente mortos. As experiências relatadas foram avaliadas segundo a escala padrão de Greyson e divididas em dois grupos: o grupo de estudo, cujas experiências se enquadravam na categoria de EQM, e o grupo de controle, sem-EQM, cujas lembranças não se enquadravam naquela categoria.
Dos 63 sobreviventes de parada cardíaca entrevistados, 56 (88,8%) não tinham qualquer lembrança do período de inconsciência no qual foram considerados clinicamente mortos. Sete tiveram ao menos alguma memória e, destes, quatro (6,3%) tiveram experiências que preenchiam os critérios de Greyson para EQM.
Todos os quatro pacientes do grupo EQM relataram ter chegado a um ponto percebido como “sem retorno”. Três declararam ter visto uma “luz brilhante” e experimentado sentimentos de paz, conforto e alegria. Dois pacientes afirmaram ter visto parentes falecidos e a sensação de entrar em um “novo domínio”, em que o tempo parecia acelerado, e no qual não havia a consciência de ter corpo. Também relataram experimentar uma sensação de harmonia e de ter os sentidos aguçados.
Nenhum dos pacientes sentiu suas experiências como traumáticas ou perturbadoras. Ao contrário, todas elas foram consistentemente descritas como agradáveis. Nenhum deles experimentou o estado de sentir-se fora do corpo.
O paciente cuja experiência obteve a maior pontuação na escala de Greyson foi um homem que se declarou “católico não-praticante”, praticamente ateu. Os outros três pacientes no grupo EQM foram mulheres que se declararam “membros não-praticantes” da Igreja da Inglaterra.
Por causa do pequeno número de sujeitos no grupo EQM e no de controle, as possíveis causas fisiológicas da EQM não puderam ser adequadamente investigadas neste estudo piloto. Contudo, à luz da explicação comum segundo a qual a EQM resultaria da privação de oxigênio do cérebro, é interessante notar que os pacientes no grupo EQM, na verdade, apresentaram níveis mais elevados de oxigênio cerebral do que o grupo de controle.
Durante o estudo, foi difícil especificar a hora exata em que as experiências foram vivenciadas. Os dados apoiam a surpreendente conclusão de que as EQM acontecem durante o período de inconsciência, quando o paciente está em coma profundo e as estruturas cerebrais normalmente consideradas importantes para a experiência subjetiva e a memória estão severamente prejudicadas e disfuncionais.
Se as EQM tivessem acontecido durante o período em que a pessoa ainda está perdendo a consciência, elas deveriam conter memórias de experiências do início do evento, mas nenhum dos entrevistados relatou este tipo de memória. Por outro lado, experiências que ocorrem durante a recuperação da consciência costumam ser confusas, o que não aconteceu nos relatos de EQM. Os pacientes do grupo EQM tinham memórias lúcidas, com narrativas bem estruturadas, facilmente recordadas e com detalhes nítidos, ao contrário do que ocorre nos casos de alucinações e confusões mentais.
Nenhum dos participantes relatou experiências “fora do corpo”, embora tais relatos sejam relativamente comuns nos estudos. Os cientistas tinham se preparado para testar qualquer eventual relato desse tipo por meio de colocação de placas especiais suspensas no teto das salas onde estavam os pacientes. Essas placas tinham números especiais no lado superior, voltados para o teto, e que só podiam ser vistos a partir de cima.
Se alguém alegasse ter deixado o próprio corpo e pairado próximo ao teto, como é comum nesses relatos, seria de se esperar que ele fosse capaz de identificar os números especiais nas placas, pois nesse caso a experiência seria factualmente objetiva. No entanto, se a percepção tivesse origem psicológica subjetiva, então as inscrições nas placas não poderiam ser identificadas.
No estudo, os cientistas forneceram evidências de que, entre os sobreviventes de parada cardíaca, os casos de EQM são relativamente poucos e provavelmente ocorrem em períodos em que o cérebro não é funcional. Das lembranças recordadas durante esse período “inconsciente”, a maioria tem pelo menos algumas características das EQM.
Para que os aspectos psicológicos, fisiológicos e transcendentais dessas experiências possam ser estudados de forma mais adequada é necessário um estudo muito mais amplo, possivelmente incluindo várias instituições, de modo a incluir um número suficiente de pessoas em cada grupo.
Após o artigo da pesquisa ter sido publicado, o Dr. Sam Parnia, principal autor do estudo, disse à agência de notícias Reuters que ele e seus colegas encontraram mais de 3.500 pessoas com memórias lúcidas de experiências que, aparentemente, ocorreram quando elas estavam clinicamente mortas.
Um dos pacientes tinha apenas dois anos e meio de idade quando sofreu uma parada cardíaca induzida por convulsão. Seus pais disseram que o menino “desenhou um autorretrato no qual olhava para si mesmo, como se estivesse fora do próprio corpo.”
“O desenho era como se houvesse um balão preso a ele. Quando lhe perguntaram o que era o balão, ele disse: ‘Quando você morre, você vê uma luz brilhante e fica ligado a uma corda’.” O menino continuou a desenhar a mesma cena por seis meses, depois de ter recebido alta do hospital.
O Dr. Parnia especulou que a consciência humana pode funcionar independentemente do cérebro, que utiliza-o como um instrumento para expressar pensamentos, da mesma forma que um aparelho de televisão converte o sinal que vem através do ar em imagens e sons.
Leia o artigo da pesquisa aqui.