RIO DE JANEIRO – Quando foi anunciado em outubro passado que o Brasil sediaria os Jogos Olímpicos de 2016, imediatamente isso trouxe medo para milhares de famílias pobres no Rio de Janeiro, medo de serem despejadas para abrir espaço para projetos de construção das Olimpíadas.
Para cumprir as promessas ao Comitê Olímpico Internacional (COI), foi previsto que mais de 3.500 famílias em seis favelas tanto nas áreas oeste e norte do Rio de Janeiro seriam removidas. A Vila Autódromo foi uma das primeiras prevista para remoção, uma comunidade pobre que abriga 2.000 famílias.
“Queremos mostrar à sociedade que o objetivo da prefeitura é dividir a cidade para excluir as pessoas pobres e atender as necessidades das classes média e alta”, disse Jane Nascimento, de 54 anos, uma artesã e diretora do movimento social Olimpíadas Não Justificam Remoção.
Logo após o Rio ganhar a licitação em Copenhague em outubro de 2009, o Prefeito Eduardo Paes disse que a remoção da comunidade Vila Autódromo seria necessária para construir o Centro Olímpico de Mídia e que todo o processo seria negociado consultando a comunidade, através da inclusão de moradores nas discussões sobre a construção de habitações de baixa renda.
Após a declaração do prefeito, em grupos comunitários organizados pela Associação do Bairro Autódromo em que mais de mil pessoas participaram, residentes manifestaram que desejam permanecer em suas casas. “Nós não vamos deixar!”, disse Jane Nascimento.
Violações dos direitos humanos em Pequim
Em 26 de março, a Relatora Especial da ONU sobre os Direitos à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, reuniu-se com representantes de comunidades de risco no Rio de Janeiro no Fórum Social Urbano.
Em seu discurso ela disse, “Como brasileira, estou preocupada com uma repetição do que aconteceu nos Jogos Olímpicos de outros países”, referindo-se às violações dos direitos humanos que ocorreram para abrir caminho para as Olimpíadas de 2008 em Pequim, entre outros.
“Para projetos de relocação, as comunidades devem ser consultadas e elas [as comunidades] devem ser modificadas tão pouco quanto possível e deve-se respeitar o direito internacional”, disse ela.
Em seu blogue, Rolnik afirma, “Depois de apresentar meu relatório sobre megaeventos no início deste mês, o Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra aprovou uma resolução exigindo que os países e cidades que sediam megaeventos esportivos respeitem o direito à habitação. O texto menciona explicitamente a necessidade de promover o direito à habitação, a fim de fazer o legado do pós-jogos aumentar as oportunidades de habitação social.”
Em 3 de março, líderes e moradores da Vila Autódromo se reuniram com o Prefeito Eduardo Paes e o Secretário Municipal de Habitação Jorge Bittar na prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Na abertura da reunião, o prefeito prometeu que não iria tomar medidas sem diálogo prévio com os moradores da comunidade. Ele ainda prometeu que espera que a Olimpíada signifique mudanças sociais e melhorias reais para toda a cidade, como a urbanização de favelas. No caso da Vila Autódromo, ele propôs a compensação ou reassentamento próximo para as famílias afetadas.
No entanto, os membros da comunidade dizem que se opõem a política de remoção e não parecem acreditar nas promessas do prefeito.
“Eu entendo o que você oferece, mas sei que não é o que a comunidade quer”, disse Altair Guimarães, presidente da Associação de Moradores, ao prefeito.
“Eles apresentaram a proposta para compensar-nos com um condomínio que nós sabemos ter apartamentos muito pequenos. Além disso, a questão mais importante é que temos um vínculo emocional e histórico com nossa comunidade. […] Mesmo que eles ofereçam mansões, a maioria das pessoas não aceitará ser removida”, disse Altair, em entrevista no Fórum Social Urbano.
A associação de moradores da Vila Autódromo argumenta que o processo de remoção involuntária raramente contempla os direitos das pessoas e violam tanto a lei brasileira como os princípios que o Brasil acordou em compromissos internacionais.
A associação também diz que a comunidade jamais foi consultada a qualquer momento sobre sua inclusão no projeto olímpico apresentado ao COI. Eles dizem que só souberam pela mídia que seriam retirados e que as diretrizes internacionais declaram que o reassentamento involuntário é uma medida extrema que deve ocorrer somente quando não há alternativa, o que não é o caso da Vila Autódromo.
O advogado do Gabinete da Defensoria Pública, da Terra e da Divisão Habitacional do Rio de Janeiro, Alexandre Mendes, disse que um problema principal é que o projeto foi elaborado sem consulta prévia com moradores da comunidade. Ele disse que esta descoberta permite uma revisão do projeto pelo COI.
Por isso, a Defensora Pública Maria Lúcia Pontes pediu que o projeto oficial aprovado pelo COI seja analisado e discutido.
A ideia, diz ela, é construir em conjunto com outras organizações parceiras e movimentos, uma contraproposta que “naturalmente será feito para que a comunidade permaneça. […] Este projeto alternativo será apresentado na próxima reunião com o prefeito, a ser realizada no início de abril.”
Pontes disse que a luta para o Escritório da Defensoria Pública e os moradores é evitar uma repetição do que aconteceu em outros países, em que “os pobres são excluídos da cidade” quando grandes eventos como este acontecem.
“O Brasil tem todas as condições financeiras e institucionais para garantir que essa resolução seja respeitada, de modo que a promoção da Copa do Mundo [junho-julho 2014] e os Jogos Olímpicos não sejam marcados por violações dos direitos à moradia, mas seja uma oportunidade, por causa da grande mobilização causada pelos jogos, para enfrentar o desafio do acesso à moradia adequada para todos os brasileiros”, disse a Relatora Especial.
O impacto dos Jogos Olímpicos na habitação das cidades-sede
1988 – Olimpíadas de Seul
Cerca de 15% da população foi violentamente expulsa e 48 mil prédios foram demolidos. A especulação imobiliária aumentou o valor dos apartamentos em mais de 20% e o valor da terra em mais de 27%.
1992 – Jogos Olímpicos de Barcelona
Duzentas famílias foram despejadas para a construção de novas rotundas e outras melhorias urbanas. A especulação imobiliária aumentou os preços da habitação em 131%.
1994 – Copa do Mundo nos Estados Unidos
Em Dallas, cerca de 300 pessoas foram despejadas de suas casas.
1996 – Jogos Olímpicos de Atlanta
Cerca de 15 mil moradores de baixa renda foram expulsos da cidade, cerca de 1.200 unidades de habitação para pobres foram destruídas.
2000 – Olimpíadas de Sydney
Relatórios indicam que a especulação imobiliária elevou os preços dos imóveis em 50%.
2008 – Olimpíadas de Pequim
Os moradores foram realocados em grande escala. Despejos em massa foram relatados, muitas vezes conduzidos por homens não identificados. Cerca de 1,5 milhões de pessoas foram deslocadas.
2010 – Copa do Mundo na África do Sul
Mais de 20 mil moradores foram removidos e transferidos para áreas pobres da cidade. O ministro da Habitação observou que os planos para construir milhares de unidades habitacionais de baixo custo poderiam ser afetados por mudanças nas demandas do orçamento da Copa do Mundo.
2010 – Jogos das Nações em Nova Deli
Em Nova Deli, Índia, 35 mil famílias foram despejadas de terras públicas na preparação para os jogos.
2010 – Olimpíadas de Inverno em Vancouver
Mais de 1.400 unidades habitacionais para famílias de baixa renda foram perdidas devido à especulação gerada pelos Jogos Olímpicos.
2012 – Jogos Olímpicos de Londres
O preço médio dos imóveis na área em torno do evento aumentou mais de 3%, enquanto os valores no resto da cidade caíram cerca de 0,2%.
2016 – Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro
Muitos assentamentos informais estão sob ameaça de despejo por causa da construção de instalações olímpicas.
Fonte: Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.