Com a vitória da Presidente Dilma Rousseff nas eleições dessa semana, houve uma comoção generalizada dentro da grande parcela da população brasileira que saiu derrotada das urnas, e um medo incomum de ver a nova gestão PT aprofundar as reformas institucionais, econômicas e morais da sociedade brasileira na implementação de um modelo bolivariano de Estado. Embora esse medo não seja infundado, visto que o partido de fato é vinculado a uma internacional partidária latino-americana que tem o intuito de transformar as repúblicas locais em países socialistas, me parece difícil ver tal objetivo ser alcançado no Brasil, por causa de uma característica da nossa política que nos é uma tradição peculiar: o poder moderador.
O poder moderador, idealizado por Benjamin Constant, seria um poder acima dos poderes executivo, legislativo e judiciário, e teria como objetivo, como o próprio nome diz, moderar a atuação de ambos para conter eventuais arroubos radicais e de ruptura. Era exercido pelo Imperador no período pré-republicano, juntamente com o poder executivo. Com a revolução republicana de 1889, esse poder moderador deixou de ser exercido pela Casa Imperial, mas nunca deixou de existir, se não de direito, como fato na política nacional.
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Na Primeira República (1889-1930), essa fiscalização e moderação ficou a cargo dos militares, que voltariam a exercê-lo na República Nova (1946-1964) e no Regime Militar (1964-1985), sendo que, neste último, também exerceu o poder executivo. A própria passagem da República Nova para o Regime Militar foi um exercício de força extrema do poder moderador, em virtude da movimentação de ruptura institucional que se supunha existente por parte de movimentos de esquerda e do próprio Presidente Goulart, muito embora, como já escrevi em outra ocasião, pouca mudança prática tenha ocorrido, já que todas as reformas de base apresentadas por João Goulart foram aplicadas ao longo do Regime Militar ou da redemocratização. No período do Estado Novo, Vargas reuniu para si os poderes moderador e executivo (entre outros).
A redemocratização trouxe à baila o período conhecido como Nova República ou República Cidadã, regida pela Constituição de 1988 e com forte apelo ao princípio da dignidade da pessoa humana e da criação e aplicação de direitos sociais e coletivos. No entanto, nunca houve uma real discussão política de combate ao poder moderador como fato social, e na falta da discussão e extinção desse poder, ele acabou sendo ocupado e exercido não mais por uma Casa Imperial ou pelos militares, mas sim por um grupo civil politicamente organizado com base no centralismo pragmático e na ocupação de cargos públicos. Esse grupo civil é o PMDB que, coincidência ou não, foi a oposição pragmática ao Regime Militar dentro do parlamento.
O PMDB esteve em todas as gestões presidenciais. Está em praticamente todos os Estados e na maioria dos governos municipais. A sua influência nos chamados grotões é incalculável. Nenhum partido político possui tanta fluidez e dispersão, estando de maneira descentralizada em todos os lugares. Ele dá a pauta, a medida e o limite para todos os governos, desde a Constituinte. É o partido que, preocupado em manter seus interesses e seus benefícios, impede que governos mais liberais destravem a economia e reduzam os privilégios, mas também é aquele que impede governos socialistas de transformarem o Brasil em Cuba, relegando ao Brasil o eterno papel de país patrimonialista de capitalismo de estado. Nem melhor, nem pior…. nem mais, nem menos.
O poder moderador da política brasileira é nossa condenação e nossa salvação. É nossa prisão e nossa libertação. É nossa tradição e nossa inovação. O PMDB é a síntese do nosso contraditório lema positivista insculpido na bandeira nacional. O PMDB é a cara do Brasil.
Bernardo Santoro é Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal