Ao ser escolhido em 2011 para dirigir a operação brasileira do Airbnb, site de aluguel de quartos e imóveis por temporada, o alemão Christian Gessner passou meses sem ter uma casa para chamar de sua. Perambulou de quarto em quarto anunciado no serviço, como hóspede, para entender o que faltava para o negócio emplacar aqui. Enquanto nos Estados Unidos o crescimento era exponencial, no Brasil faltavam ofertas e sobrava desconfiança. Para convencer o brasileiro de que transformar sua casa em um hotel por alguns dias era um bom negócio, o executivo traduziu a plataforma e acrescentou ferramentas para garantir a credibilidade do anfitrião – nome dado para quem oferece hospedagem no site – como a integração com redes sociais e um sistema de checagem de identidade.
No ar desde 2012, a versão brasileira do Airbnb começa a ganhar popularidade. De 3 mil anúncios no ano de estréia, chegou a 20 mil neste ano, o dobro do anterior. Às vésperas da Copa do Mundo, prepara uma operação de guerra para atender aos turistas que virão de todo o planeta se hospedar em casas brasileiras. “Todos falavam que os brasileiros não iriam abrir suas portas para o Airbnb porque achavam o serviço arriscado demais. Hoje, o brasileiro é reconhecido na plataforma por receber bem”, diz Gessner, que agora mora em um apartamento na zona oeste de São Paulo, onde há um quarto extra que pode ser alugado por uma diária de R$ 210,00 no Airbnb.
Airbnb é um acrônimo para “air bed and breakfast” (colchão inflável e café da manhã). O site foi criado em San Francisco, em 2008, pelos estudantes de design Nathan Blecharczyk, Brian Chesky e Joe Gebbia. Sem dinheiro para pagar o aluguel, eles decidiram alugar espaços dentro do apartamento onde moravam com colchões infláveis para participantes de uma conferência que não conseguiram vaga em hotéis da cidade. Empolgados com o resultado, criaram o site em uma noite. Demorou cerca de quatro anos para o serviço emplacar nos Estados Unidos, mas hoje é uma das startups mais quentes do Vale do Silício.
A empresa já recebeu US$ 826 milhões de fundos de investimento, o que elevou sua avaliação de mercado para US$ 10 bilhões. Sua abertura de capital é esperada para breve. Embora não revele seu faturamento, o Wall Street Journal apontou que no ano passado o Aibnb teve uma receita de US$ 250 milhões. O número de turistas que já usaram a plataforma globalmente é de 11 milhões. Como todo negócio “disruptivo”, como diria o jargão do mercado tecnológico para descrever negócios revolucionários, o Airbnb gerou ira no governo e em empresas tradicionais do ramo – mais especificamente do setor hoteleiro. A startup vem travando uma dura batalha contra o Estado de Nova York, que acusa o serviço de competição desleal com hotéis e de prática ilegal por não pagar os impostos previstos para negócios do ramo hoteleiro.
No Brasil não é diferente. O mercado começa a sentir agora o efeito do crescimento do Airbnb e serviços similares. Entidades representantes do setor hoteleiro já discutem como lidar com o aluguel por temporada. “É uma questão incipiente e que nos causa preocupação porque são serviços ilegais, que fazem uma concorrência desleal e não pagam impostos”, diz Enrico Fermi, presidente da Associação Brasileira da Industria de Hotéis (ABIH). Para ele, o crescimento desse tipo de hospedagem é explicado pelo aumento do poder aquisitivo da população. “Tínhamos um mercado centralizado em classes A e B e tivemos um surto emergente, com 35 milhões de brasileiros que passaram a consumir turismo e muitas vezes recorrem a esse tipo de serviço”, diz.
O maior inimigo do Airbnb na atualidade atende pelo nome de Eric Schneiderman, o procurador-geral de Nova York. Ele intimou a startup no ano passado a fornecer registros de todos os seus anfitriões no Estado. O procurador alega haver evidências de que há vários usuários utilizando a plataforma para alugar não apenas um espaço em sua residência, mas também outros imóveis, criando um mercado ilegal, além de não pagar impostos, o que viola as leis estaduais. O Airbnb tem conversado com órgãos reguladores para começar a pagar impostos hoteleiros já neste ano em mercados como Nova York e San Francisco, o que resultaria em uma cifra de cerca de US$ 21 milhões em impostos retroativos. Mas a empresa alega que a indústria hoteleira não parece interessada nisso e estaria se esforçando para o serviço não conseguir esse direito. A empresa também garante ter apagado dois mil perfis que administravam múltiplos imóveis em Nova York. “Nós queremos criar um ambiente favorável para todos. Mas a lei muda de um bairro para outro e é difícil acompanhar a legislação de 192 países. Estamos dispostos a colaborar com os governos para encontrar a melhor solução”, diz Gessner.
No Brasil, a legislação é mais flexível. O Airbnb se encaixa na lei do inquilinato, já que atividade é considerada sublocação. A lei não proíbe a prática, mas exige autorização do dono do imóvel antes do aluguel. Com a demanda por hospedagem para a Copa, o Airbnb conquistou no Brasil o apoio oficial do governo. “Os meios de hospedagem alternativos são uma opção para atender aos diversos públicos interessados em participar da Copa do Mundo e, na medida em que amplia o leque de ofertas, aumenta a competitividade do mercado turístico” disse o Ministério do Turismo ao Estado, em nota. No mercado hoteleiro, porém, esse apoio é visto como uma forma de pressão para redução de tarifa das redes hoteleiras. “Os preços das diárias estão muito altos e serviços como o Airbnb crescem por causa disso”, diz Antonio Gomes, diretor comercial do Hotel Urbano, que negocia pacotes de hospedagem. “Mas com a abertura de novos hotéis os preços estão caindo. E, quando o preço se equipara, o hóspede prefere ficar em hotel. Por isso, creio que os mais afetados pelo Airbnb são os pequenos empreendedores, donos de pousadas, que não conseguem competir”, diz.
Essa matéria foi originalmente publicada pelo Vide Versus