A pirataria global de mídia digital está enraizada num problema de preços, de acordo com Joe Karaganis, diretor do programa Conselho de Pesquisa de Ciências Sociais (SSRC, em inglês).
Após três anos de investigações realizadas por uma equipe de 35 pessoas, Karaganis ajudou a cunhar a mais recente revelação do SSRC sobre a pirataria digital num relatório de 440 páginas, “Pirataria de Mídia em Economias Emergentes”.
O relatório traz uma nova voz ao debate sobre a pirataria digital e está entre os primeiros relatórios objetivos do estudo das causas e do verdadeiro impacto em vários países, incluindo Rússia, Brasil e China. De forma ampla, o relatório desmascara muitas das reivindicações que estão sendo usadas para combater a prática.
“Em todos os países que observamos, há níveis muito altos de pirataria de bens de mídia. Nós argumentamos que isto é principalmente um problema do desenvolvimento inadequado dos mercados para acesso legal aos bens”, disse Karaganis.
Produtos variados, de DVDs a softwares, são muitas vezes vendidos pelo mesmo preço mundial. Segundo o relatório, “em relação à renda local no Brasil, Rússia ou África do Sul, o preço de um CD, DVD ou cópia do Microsoft Office é de 5 a 10 vezes maior do que nos Estados Unidos ou na Europa.”
Isto cria um problema em países com renda mais baixa, onde um DVD de 15 dólares nos Estados Unidos poderia ter um preço 10 vezes maior quando traduzido para a economia local. Imagine pagar 150 dólares pelo filme mais recente.
Os preços se tornam ainda mais problemáticos com softwares, onde os aplicativos podem custar centenas de dólares nos Estados Unidos, o que pode se traduzir em milhares nos países em desenvolvimento.
“Os softwares são tabelados a níveis que são totalmente inacessíveis para as populações locais. Eles estão atendendo a uma fatia muito pequena da população”, diz Karaganis.
A questão é complexa. Embora as empresas fixem os preços a níveis inacessíveis na maioria dos países em desenvolvimento, eles também desconfiam de diminuir os preços. Pode não ser rentável vender a preços mais baixos e há também a preocupação de desvalorizar a ideia de quanto um programa específico deveria custar.
“Eles enfrentam um problema de mercado em que há enormes diferenças de preço para os mesmos produtos”, disse Karaganis.
O software pirateado, em particular, também possui alguns benefícios que as empresas têm receio de perder. Entre eles está o marketing boca-a-boca, o apoio entre colegas e a saturação do mercado. O último dos três está entre os mais importantes, pois mantém os concorrentes fora do mercado, enquanto eles esperam as economias crescerem.
O debate sobre a pirataria
Debates em torno da pirataria são acalorados, para falar suavemente. Detenções, multas pesadas e o encerramento de websites que se envolvem no ato são ocorrências regulares. “Estima-se que a economia dos EUA perde 373.375 empregos por ano devido à pirataria”, afirma um relatório técnico de 2010 do Departamento de Empregados Professionais dos EUA.
Há também a legislação pendente para combater a pirataria. Nos Estados Unidos, grande parte do debate é em torno da “Medida de Combate a Infrações e Falsificações Online” (COICA, em inglês), que irá lutar contra a pirataria encerrando websites que se envolvam na violação de direitos autorais tanto direta quanto indiretamente. Se aprovada, mesmo o YouTube poderia ser fechado.
Uma carta conjunta dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e de outras oito organizações afirma que “disposições fundamentais no projeto de lei resultarão em sérias, ainda que não intencionais, consequências na liberdade de expressão e nos direitos humanos na internet, prejudicando a liberdade na internet global no exterior.”
No entanto, a indústria do entretenimento tem uma posição diferente sobre o projeto, definida numa carta de 29 de setembro que representa 300 mil pessoas na indústria. “Os opositores a esta legislação vão fazer tudo que podem para confundir esta realidade… Eles vão fazer vista grossa para o saque de uma das mais fortes indústrias norte-americanas em função de especuladores que não contribuem em nada para a nossa economia ou cultura.”
Este é o tom geral do debate em torno da pirataria. Segundo Karaganis, grande parte do debate é “quase inteiramente definido pelas reivindicações das enormes perdas da indústria norte-americana… Mas se você olhar atentamente para os dados sobre perdas, torna-se muito claro o que é a perda e quem está perdendo”.
Muitas empresas já não relatam mais os prejuízos da pirataria. Costumava ser o caso em que os números eram calculados com base na quantidade de cada item pirateado produzido. “[Os cálculos têm] sido amplamente desacreditados e a indústria tem sido bastante sensível a estas críticas”, disse Karaganis.
O que seria útil é a “taxa de substituição”, que se refere à quantidade de pessoas que poderiam ter realmente comprado o item caso não o tivessem pirateado. “Não há praticamente nenhuma investigação fora dos EUA e da Europa sobre as taxas de substituição, em parte, porque nós pensamos que quaisquer conclusões sobre estas taxas seriam extraordinariamente baixas”, disse Karaganis.
Além disto, apesar dos relatos de enormes prejuízos da pirataria, as vendas estão crescendo na maior parte na indústria do entretenimento. Segundo o relatório SSRC, “A receita de softwares, DVDs e bilheterias na maioria dos países de renda média tem aumentado nos últimos dez anos, em alguns casos dramaticamente. As vendas de CDs caíram, mas o negócio da música em geral, incluindo exibições, tem crescido.”
“Há alguns equívocos deliberados que estão dirigindo o debate”, disse Karaganis. E acrescentou que a pirataria de mídia digital é frequentemente associada com a indústria de falsificação, que inclui práticas prejudiciais, incluindo a falsificação de produtos farmacêuticos.
Karaganis acredita que o último relatório irá adicionar uma discussão muito necessária para o debate sobre pirataria. Ele acredita que o impacto do relatório será ouvido na maioria dos países com economias em desenvolvimento, mas, “em longo prazo, eu acho que é a uma adaptação necessária à pirataria e a aplicação de tais medidas que os EUA terão de responder”.