Tradicionalmente, nós simplesmente chamávamos o que vestíamos de roupas, trajes e vestimentas, e então, em determinado ponto, a moda nasceu.
As tendências começaram a mudar em um ritmo cada vez maior até que chegamos a um ponto em que tão logo uma nova tendência aparece, ela se torna obsoleta. A disseminação viral de imagens da moda nas mídias faz as tendências serem vistas rapidamente por todo lugar e, como consequência, quando finalmente se materializam nas lojas como trajes e vestimentas, elas já estão quase obsoletas . Usar tais criações faz parte de uma ação temporalmente precisa, mesmo que o consumidor não seja um inveterado pelo tema da moda.
Diante disso, para onde nós, como civilização, iremos?
Muitas pessoas estão atentas às necessidades do planeta e estão clamando para que paremos um pouco para reconsiderar nossas escolhas.
Simone Cipriani é fundador de uma organização internacional que se propõe a pensar a ética no mundo da moda (Ethical Fashion Initiative – EFI) e trabalha a favor da implementação de práticas mais responsáveis e sustentáveis na indústria da moda.
“Nós queremos mudar a cara da indústria da moda para mostrar que isso é viável para qualquer grife”.
— Nina Braga
Cipriani esteve recentemente em Nova Iorque, onde colaborou com o Fashion Institute of Technology (FIT) no lançamento da publicação “The Hand of Fashion” – uma nova série de diálogos que abordam práticas sustentáveis para a indústria da moda.
De acordo com ele, antigamente, a moda envolvia artesãos, materiais, processos e impactos – tudo isso junto, em um único produto. Mas a moderna indústria da moda divide essas tarefas de modo que cada processo passa a ser realizado por diferentes pessoas de diferentes lugares.
Através dessa divisão de trabalho “nós perdemos a visão holística do produto” – defende Cipriani. “Foi quando os artesãos começaram a desaparecer da indústria”.
Artesãos foram substituídos, em geral, por trabalhadores mal pagos que eram meramente encarregados de realizar a mesma tarefa todos os dias, frequentemente em péssimas condições de trabalho.
É também por isso, na opinião dele, que os produtos da moda, hoje, têm perdido seu valor. Mas talvez os consumidores não mais se contentem em desejar produtos e pagar por eles a menos que também possam justificar a compra. Cipriani avalia que os consumidores querem saber mais sobre o que estão comprando.
Mão, Controle e Poder do Produtor
“Nós estamos voltando aos artesãos porque os consumidores querem ver a mão do produtor” – disse Ciprini. A marca do momento, ele acrescenta, é o retorno da industria da moda para os artesãos, agora com novos materiais, novos processos e outras inovações.
Recentemente, em 29 de outubro, Cipriani conversou sobre materiais sustentáveis e artesanato com Nina Almeida Braga, diretora do Instituto-E do Brasil e participante do Fashion Institute of Technology (FIT). Instituto-E é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é promover o desenvolvimento sustentável. Braga compartilhou histórias de como empresas de artesãos associados têm mudado a vida de comunidades pobres. Ela também falou sobre a criação de alguns novos materiais que estão começando a despertar o interesse da indústria da moda no Brasil e fora dele.
Em parceria com a grife sustentável Osklen, o Instituto-E lançou um projeto chamado e-fabrics para pesquisar novas matérias-primas que possam ser renovadas de um modo sustentável, bem como buscar inovação no âmbito dos processos. Braga viajou por todo o Brasil por dois anos à procura de matérias-primas.
“Nós queremos mudar a cara da indústria da moda, queremos mostrar que isso é viável para qualquer grife” – disse Braga durante a reunião.
Um Tesouro Inesperado
Uma das mais inusitadas matérias-primas encontradas pelo Instituto-E e Osklen foi a pele do gigante peixe amazônico chamado pirarucu. Trata-se de uma espécie protegida e administrada pelas populações locais, que ajudam na regeneração dela. A caça, ali, ainda é realizada de modo tradicional e com vistas a alimentação. E ainda que façam uso de outras partes do peixe, costumam jogar a pele fora – até que Braga percebeu isso.
Atualmente, a pele de pirarucu é usada para produzir couro fino para vestimentas e acessórios de moda. Isso cria receita extra para os locais, que são as pessoas que cuidam da população de peixes. A fabrica de couro, que fica a três horas do Rio de Janeiro, é composta de 30 mulheres que se mudariam para a cidade por falta de emprego.
Braga enfatiza que através da iniciativa do instituto-E tenta-se alcançar um balanço de 50 porcento para o social e 50 porcento para o meio-ambiente. Mas, por vezes, no Brasil, o social é mais importante.
E o impacto social pode ser visto, por exemplo, no caso das 906 famílias que vivem no nordeste do Brasil e cuidam da plantação e processam algodão orgânico. Sem isso, tais famílias não teriam outro emprego a vista e a tendência seria a migração para cidades onde as condições de vida são piores.
Há trabalhos desse tipo em diferentes regiões do Brasil para manufatura de juta orgânica e seda orgânica (vegetal), reciclagem de plásticos e algodão.
Podem os produtores de moda mesclar tradição e inovação?
Apesar dos evidentes benefícios para a pequena indústria local, há grandes questões que precisam ser respondidas.
Jornada de Sustentabilidade
Cipriani enfatizou que a sustentabilidade não é uma receita, mas uma jornada em que se precisa lidar com profundas questões, tais como: podem os produtores de moda mesclar tradição e inovação?
A questão da indevida apropriação cultural é um dos problemas que pode ocorrer, algo que tanto Cipriani e Braga ficam ansiosos para resolver quando conectam comunidades locais com grifes de moda. Design de moda pode ser fruto de cópia indevida. E isso, de acordo com Ciprini, equivale a roubo de propriedade intelectual.
Permanece a questão de como os designers navegam pelos estreitos perigosos da inspiração e da citação de motivos tradicionais sem cruzar uma linha que nem sempre está claramente definida.
Para saber mais sobre “The Hand of Fashion”, visite a página (em inglês): http://www.thehandoffashion.com/