O pior muro é o que não se quer ver ou derrubar

21/02/2014 15:28 Atualizado: 21/02/2014 15:28

O Muro de Berlim pode ter fisicamente caído há 20 anos, mas será que todos se deram conta do que ganharam com isso? Uma breve pausa entre uma aula e outra na faculdade recheia minha mente com novas percepções a este respeito. De um lado, um aluno que não quer ler o livro acha que o exercício pode ser resolvido sem a leitura do capítulo. De outro, uma outra que não consegue entender o que significa o índice remissivo de um livro. Mais umas conversas no intervalo e descubro que um terceiro crê piamente que a culpa (culpa!) de estar na faculdade é dos pais, que não o entendem.

O Muro caiu e com ele milhares foram salvos da tirania. A tirania é odiada porque geralmente um ser humano deseja ser dono de seu próprio destino. Quando a tirania começa? Quando esta busca de liberdade se converte na busca dos benefícios da liberdade à custa de outros. Liberdade é poder errar e acertar e aprender com os próprios erros. Liberdade não é roubar os frutos do trabalho alheio, mas consegui-lo via trocas voluntárias.

Os exemplos do primeiro parágrafo são todos sinais de que há um muro na cabeça de muita gente. Um muro que procura guardar para si o fruto do trabalho alheio, sem os custos. Por que estudar se posso culpar o programa da disciplina? Por que ler se posso culpar o professor da disciplina prévia? Por que queimar alguns miolos para me decidir sobre meu futuro se posso culpar meus pais?

Eis o pior muro de todos: o muro da má-fé e da irresponsabilidade. Existe um processo de erro e acerto? Então vou jogar o erro para os outros e tentar ganhar os méritos no jogo da coerção (o jogo político que, certamente, remunera muito bem alguns bons advogados, políticos etc.).

A cultura da liberdade está em risco. Um discurso medonho diz, mais ou menos em alto e bom tom, que “só quem nunca roubou deve atirar a primeira pedra”. Como anjos não existem — e a lei sempre pode ser alterada para criminalizar pessoas (lembre-se do sistema legal nazista) — os donos do poder se divertem, descumprem prazos eleitorais, zombam da fiscalização dos tribunais que, ainda que imperfeitos, são os órgãos que a democracia escolheu para fiscalizar o cumprimento das leis, pervertem as instituições comprando humildes e não tão humildes com benefícios fiscais (o dinheiro vem do seu bolso, leitor), convencem as pessoas de que liberdade está fora de moda e que a crise trouxe o fim do capitalismo.

Pior ainda é que alguns se acham no direito de doutrinar pessoas com ideias discutíveis — e até erradas ou autoritárias — só porque travestem sua tentativa de diminuir as liberdades com chavões “ambientais”, “reparadores de injustiças” ou qualquer outro termo que geralmente se possa usar para adoçar o assalto às instituições fiscais do país (tente obter dados detalhados de gasto público com a mesma facilidade que lhe cobram o imposto de renda, leitor, para entender o tamanho do problema).

Esse muro ainda não foi derrubado. Correndo o risco de parecer arrogante, pessoas precisam ser educadas. Precisam aprender que o custo dos próprios erros lhes é parte integrante. Precisam aprender que benesses fiscais para industriais, entidades ou amigos do rei não saem de graça, mas custam ensino básico, saúde e mesmo decência. Precisam aprender que leis têm consequências econômicas e não apenas poéticas. Precisam aprender que a democracia não é sinônima de eleição (como Hitler e seus modernos aprendizes nos ensinaram tão bem) e, finalmente, precisam aprender que ser conivente com a tirania é um passo para o atraso.

O desafio é encontrar pessoas que realmente almejem a Liberdade. Esta, como já dito, implica em errar e aprender com os erros sem jogar a culpa na sociedade, nos pais, no professor ou no trocador de ônibus. Exige muita coragem, vontade e valores morais muito bem sedimentados por anos de educação dos pais (não basta botar dinheiro em casa, papai, tem que participar…).

Derrubar o muro interior não é uma tarefa única, portanto. E nem fácil. Mas uma atitude menos covarde ajudaria um bocado.

Cláudio Shikida é doutor em economia e professor do Ibmec-MG

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ordem Livre