Pinturas rupestres ajudam a compreender nossos ancestrais

07/11/2013 09:00 Atualizado: 07/11/2013 20:48

Um sítio arqueológico com pinturas rupestres, datado de 100 mil anos e descoberto em 2012 na caverna Bomblos, África do Sul, revela as habilidades de nossos ancestrais no manuseio de pigmentos minerais. Essa descoberta ficou guardada como segredo por três anos antes de ser mostrada ao mundo.

O paleoantropólogo sul-africano Christopher Henshilwood, da Universidade de Witwatersrand, em Johannesburg, revelou-a à revista Science. Essa pesquisa foi conduzida com participação internacional, incluindo pesquisadores da CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), da Universidade Bordeaux 1 e em colaboração com o Centro de pesquisa e restauração dos museus da França. Dessa forma, a mais velha oficina de fabricação de pigmentos de ocre (cor variante do marrom) do mundo está exposta e existe muito antes da chegada do homem na Europa. Esse ateliê era utilizado por Homo sapiens que habitavam a caverna de Blombos, perto da Cidade do Cabo. Eles utilizaram um corante de cor ocre, criado com um método complexo.

A capacidade conceitual de nossos ancestrais

Os vestígios descobertos incluem conchas de moluscos marinhos, chamados também de haliotis ou abalones. Eles revelam ainda os traços de um líquido rico em ocre, composto de pó de quartzo, fragmentos de ossos de animais, carvão vegetal e de pedras utilizadas como martelos. A primeira concha é revestida de uma matéria de cor vermelha de 5 milímetros de espessura e contém também um pouco de corante e de cristais de quartzo. Além disso, um seixo contém traços de batida e preserva o conteúdo da concha. Finalmente, um osso alongado, utilizado sem dúvida para misturar ou aplicar o pigmento, uma omoplata de foca e uma vértebra de um herbívoro acompanham esse conjunto. O segundo conjunto é constituído de uma concha, um abalone coberto em seu fundo por uma camada de pigmento. Ele contém também um pequeno bloco de quartzo talhado, revestido de pigmento, assim como um fragmento de mineral vermelho portando traços de polimento e corte.

Todos esses objetos foram encontrados numa camada de sedimentos que teve a particularidade de manter uma conservação excepcional. Esses elementos felizmente honram as capacidades mentais de nossos ancestrais. Os trabalhos publicados em 14 de outubro de 2011 na revista Science evidenciam as capacidades conceituais de nossos ancestrais. Além disso, a revista relata que a aplicação da mistura é desconhecida, mas imagina as possibilidades de utilização dos materiais, incluindo a decoração e proteção da pele.

A receita pré-histórica dos pigmentos

Pelo estudo dos fragmentos de corante e de resíduos visíveis sobre as ferramentas e conchas analisadas profundamente, os pesquisadores chegaram a constituir a receita utilizada pelos povos pré-históricos para fazer seu pigmento. De maneira notável, eles colocaram em evidência o uso deliberado de três tipos de rochas ricas em dois minerais, a hematita e a goetita, óxidos de ferro entre os mais generalizados. Os artesãos da época produziram um pó corante tirando e moendo por abrasão contra os moinhos de quartzo. A descoberta de fragmentos de ossos esponjosos nos permite imaginar que a medula óssea deva ter sido utilizada como pasta. Além disso, a presença de um traço circular, modelado após a secagem dos pigmentos sobre a face da melhor concha conservada, revela que a mistura do corante era líquida. Finalmente, as conchas eram utilizadas como recipientes para misturar e armazenar os pigmentos.

De acordo com o CNRS, os pigmentos vermelhos, amarelos e pretos, geralmente compostos de óxido de ferro, já eram utilizados pelo homem pré-histórico na África e Europa há pelo menos 200 mil anos. Até agora, a preparação e armazenamento dos pigmentos antes do Paleolítico Superior (40 a 10 mil anos) eram desconhecidos.

Um ateliê excepcional, uma habilidade de primeira ordem

O ateliê descoberto na caverna de Blombos constitui a mais antiga prova de uma produção artesanal e de uma conservação pré-histórica de materiais corantes. Sua descoberta é um enriquecimento de nossos conhecimentos do domínio pictórico. A complexidade das técnicas utilizadas presume capacidades excepcionais para a época, como a combinação de matérias-primas de diferentes naturezas e origens. Além disso, a utilização do fogo para facilitar a extração da medula óssea é também de natureza surpreendente, enquanto que o emprego de conchas como recipientes ou paletas de cor é também engenhoso. Assim, habilmente, os artesãos já tinham, há 100 mil anos, uma capacidade de destaque no conhecimento das propriedades corantes de diferentes minerais, incluindo óxidos de ferro.

Por que eles fabricavam essas pastas corantes? Parece que a utilização das cores para a coloração de materiais como a pedra, o couro e o corpo humano, era o mais evidente. Elas também poderiam ser utilizadas para garantir a conservação e a proteção de certos materiais como o curtimento do couro, ou a proteção do corpo contra os raios de sol. O consumo como um medicamento ou alimento é uma possibilidade, e a produção de representações abstratas ou figurativas parece estar também entre as hipóteses de utilização mais plausíveis.

As capacidades dos homens pré-históricos

Esses vestígios, descobertos na caverna de Blombos, a 300 km da Cidade do Cabo, indicam uma compreensão dos complexos processos mentais do homem, explica o professor Christopher Henshilwood. Eles mostram que esses homens já tinham, há 100 mil anos, conhecimentos básicos de química e a capacidade de planejar em longo prazo, acrescentou ele. Essas descobertas provam que esses homens tinham a capacidade conceitual para encontrar, combinar e armazenar substâncias que eles poderiam talvez utilizar para melhorar seus ritos sociais, disse o pesquisador.

Francesco d’Errico, pesquisador em Radiologia de Diagnóstico da Faculdade de Medicina de Yale, apontou à revista Le Point que, “vestígios de utilização de pigmentos foram encontrados, datados de 200 a 250 mil anos, mas até então eles são contestados. No entanto, fragmentos de óxido de ferro foram coletados na África, em camadas datadas de 160 mil anos. Enfim, não esqueçamos que na Europa os Neandertais frequentemente utilizavam um pigmento preto, o qual é de 40 a 60 mil anos.”

Valorizar as aptidões dos homens pré-históricos

Para promover a arte de nossos antepassados, uma equipe multidisciplinar de pré-historiadores do CNRS e de pesquisadores britânicos, marroquinos, israelitas e alemães listaram descobertas feitas durante escavações de quatro sítios arqueológicos no Marrocos. Assim, ornamentos em conchas perfurados e coloridos, datados de 70 a 100 mil anos, foram descobertos. Os objetos de ornamento são considerados, juntamente com a arte, as sepulturas e a utilização de pigmentos, como os indícios arqueológicos mais prováveis da aquisição de pensamento simbólico. De acordo com os pesquisadores, durante muito tempo, estimávamos que os ornamentos mais antigos datassem do começo do paleolítico superior na Europa e no Oriente Médio, cerca de 40 mil anos antes de nossa era. Esses resultados revelaram que as conchas utilizadas como objetos de ornamento eram mais antigas do que supúnhamos e que esses costumes tiveram origem africana.

As cavernas do paleolítico, Lascaux e a datação

A caverna de Lascaux é uma das mais importantes cavernas ornamentadas do paleolítico pelo número e qualidade estética de suas obras. Ela é às vezes chamada de Capela Sistina da arte rupestre, segundo uma expressão atribuída a Henri Breuil, que a nomeou também como o Versalhes da pré-história. No entanto, de acordo com sua idade estimada, a datação não será mais do que cerca de 17 ou 18 mil anos, o que é relativamente recente considerando a idade da caverna de Blombos na África do Sul. Segundo os autores, elas são atribuídas à fase Magdaleniana ou à fase que a precede, a Solutrense. Contudo, a história de nossos antepassados pode nos revelar muitas surpresas, pois frequentemente nossos conhecimentos parecem restritos no tempo.