Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), criaram um sensor biológico (biossensor) que detecta em minutos, na água, no solo e em alimentos, a presença de um pesticida altamente tóxico que está sendo banido no Brasil, mas que ainda é usado em diversas lavouras no país: o metamidofós.
Desenvolvido no âmbito do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO) – um dos INCTs apoiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo –, o sensor pode ser adaptado para detecção de outros tipos de pesticidas, afirmam os pesquisadores. O princípio básico do dispositivo também deu origem a um possível novo teste rápido para detecção de infecção pelo vírus da dengue.
“Escolhemos o metamidofós para ser detectado pelo sensor porque, apesar de já ter sido banido em diversos países, há indícios do uso desse pesticida, extremamente tóxico, sobretudo no Estado do Mato Grosso”, disse Nirton Cristi Silva Vieira, pós-doutorando no IFSC (com Bolsa da FAPESP) e um dos orientadores do projeto do biossensor de pesticida e do teste rápido de dengue, à Agência FAPESP.
Vieira conta que o metamidofós é utilizado principalmente em lavouras de soja para matar lagartas e percevejos que atacam a oleaginosa. O pesticida penetra facilmente o solo e os lençóis freáticos e, ao contaminar a água e os alimentos, atua no sistema nervoso central dos seres vivos, inibindo a ação da acetilcolinesterase – enzima que promove as ligações (sinapses) dos neurônios.
Nos humanos, além de ser prejudicial para as funções neurológicas, o metamidofós também pode causar danos nos sistemas imunológico, reprodutor e endócrino e levar à morte.
Em conjunto com Francisco Eduardo Gontijo Guimarães, professor do IFSC e orientador de sua pesquisa de doutorado, Vieira orientou Izabela Gutierrez de Arruda, durante o seu mestrado na UFMT, a desenvolver um teste rápido e portátil para detectar a presença de metamidofós utilizando a própria enzima acetilcolinesterase.
Para isso, os pesquisadores desenvolveram um sensor de pH, que mede prótons (íons H+), constituído por uma lâmina de vidro – composta por camadas de óxido de silício em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro) –, na qual a acetilcolinesterase é imobilizada, mantendo alta atividade.
Ao colocar o sensor em uma solução – como extrato de soja ou de tomate – contendo pequenas concentrações de metamidofós –, a atividade da acetilcolinesterase é inibida e a enzima produz menos prótons do que produziria se não estivesse na presença do pesticida.
Essa diferença da quantidade de prótons produzidos pela enzima presente no sensor, quando exposta a diferentes concentrações do pesticida, é medida por meio de um pequeno aparelho, também desenvolvido pelos pesquisadores, no qual a película sensora é introduzida.
Semelhante a um medidor de glicose utilizado por diabéticos, o aparelho indica o nível de atividade da enzima e, consequentemente, o índice de contaminação por metamidofós da amostra analisada, com base em padrões de tensão medidos pelos pesquisadores com diferentes concentrações de acetilcolina – substância que atua como neurotransmissor e com a qual o pesticida se assemelha muito.
“À medida que introduzimos o sensor em soluções com diferentes concentrações de pesticida, a atividade da acetilcolinesterase (medida em termos de diferença de potencial) variava e conseguimos quantificá-la”, explicou Vieira.
Outras aplicações
De acordo com Vieira, o sensor pode ser adaptado para detectar outras categorias de pesticidas das classes dos carbamatos e dos organofosforados – à qual pertence o metamidofós –, que também inibem a ação da acetilcolinesterase.
Para isso, no entanto, seria preciso medir a atividade da enzima em diferentes concentrações de cada pesticida especificamente, de modo que o sinal de um não mascare o do outro.
“O padrão de sinal elétrico em outras categorias de pesticidas pode variar, porque o mecanismo de inibição da ação da acetilcolinesterase para cada um deles é diferente. Por isso, seria preciso recalibrar o sensor para também poder detectá-los”, disse Vieira.
Segundo o pesquisador, o biossensor já despertou o interesse de fabricação e comercialização de uma empresa de biotecnologia de Minas Gerais. O custo estimado do aparelho – incluindo o sensor e o medidor – deverá ser entre R$ 100 e R$ 200 a unidade.
O componente que mais encarece o produto hoje, segundo os pesquisadores, é a acetilcolinesterase. Para tentar substituí-la, eles iniciarão nos próximos meses um processo com o intuito de tentar obter de frutas – como o abacate e a banana – um outro tipo de enzima com propriedades semelhantes às da acetilcolinesterase.
“Compramos hoje a enzima purificada, que é bem cara. A ideia é obter de frutas o extrato bruto de uma enzima com atividade semelhante à da acetilcolinesterase para ser utilizada em medições de concentrações de pesticidas”, disse Vieira.
Atualmente, de acordo com os pesquisadores, as análises de contaminação por pesticidas no Estado de Mato Grosso são enviadas para São Paulo ou Rio de Janeiro e levam dias para serem processadas.
Por meio do biossensor, será possível diminuir o custo e tempo de obtenção dos resultados para poucos minutos, ressaltam os pesquisadores. “Para analisar amostra de solo contaminado, por exemplo, basta misturá-lo com água para decantar a terra, deixar o sensor imerso por 15 minutos na solução contendo o pesticida dissolvido e colocá-lo no medidor para obter o índice de contaminação”, exemplificou Vieira.
A ideia do desenvolvimento do sensor – surgida durante um encontro entre os pesquisadores do IFSC com colegas da UFMT no INEO – resultou na primeira patente depositada pela universidade mato-grossense nos 40 anos de existência da instituição.
“Em uma das reuniões anuais do INEO entramos em contato com um grupo pesquisadores da UFMT que tinha a ideia de desenvolver um sensor de pesticida pelo fato de Mato Grosso ser o Estado que mais produz grãos no país atualmente e se usar muito metamidofós nas lavouras”, contou Guimarães.
“Na época, Vieira estava pesquisando exatamente sobre biossensores e decidimos iniciar uma colaboração com o grupo da UFMT – liderado pelo professor Romildo Jerônimo Ramos – para desenvolver esse biossensor de pesticida”, disse.
Detecção da dengue
Em seu atual pós-doutorado, Vieira pretende desenvolver biossensores que, em vez de enzimas, como a usada no biossensor de metamidofós, utilizem anticorpos para detecção de proteínas marcadoras de contaminação pelo vírus da dengue e de início de infarto agudo do miocárdio.
Em parceria com uma empresa brasileira de biotecnologia, Vieira desenvolveu – com a estudante de mestrado no IFSC Alessandra Figueiredo e o professor Guimarães – um sistema que detecta a proteína NS1 secretada pelo vírus da dengue nos primeiros dias de infecção. “Essa proteína marca a presença do vírus da dengue e, consequentemente, o início da infecção”, disse.
De acordo com ele, a maioria dos sensores existentes hoje voltados a detectar a infecção pelo vírus da dengue faz isso de forma indireta, por meio de um anticorpo imobilizado que se liga à proteína NS1 e necessita de um anticorpo secundário, geralmente marcado com outras moléculas.
Com base no mesmo princípio do biossensor para detecção de metamidofós, os pesquisadores desenvolveram um sensor que promete detectar de forma direta e com maior precisão a proteína NS1. “O sensor para detecção de infecção da dengue está em processo de patenteamento. Nós ainda não chegamos a um produto final”, disse Vieira.
Esta matéria foi originalmente publicada pela Agência Fapesp