O jornal francês Libération, que começou como uma publicação maoísta, mostrou indignação recentemente sobre a polícia chinesa estar trabalhando ao lado de policiais franceses em Paris. O artigo começa por lembrar os leitores sobre um filme de 1974, The Chinese in Paris, em que o exército de Mao ocupa a cidade e o comandante militar chinês Pou-Yen estabelece seu quartel-general nas Galerias Lafayette.
O que, pergunta o Libération, esses policiais, que em seu país são agentes de uma ditadura totalitária, estão fazendo no “pays des droits de l’homme” (“país dos direitos do homem”), como os franceses, com mais patriotismo do que precisão histórica, às vezes chamam sua terra natal?
Cerca de 1,5 milhão de turistas chineses visitam Paris todos os anos. O governo francês espera dobrar ou triplicar esse número em breve. Por enquanto, pelo menos, a maioria dos turistas paga com dinheiro, o que os torna alvos de ladrões. Cerca de 120 bolsas são arrebatadas diariamente na pirâmide no pátio do Louvre, muitas, se não a maior parte, são de chineses. E o Louvre é apenas um ponto turístico.
A polícia chinesa francófona trabalha ao lado de seus colegas franceses, segundo a explicação oficial, para que as vítimas chinesas de crimes de rua possam explicar o que ocorreu com elas. “Esses policiais agem como um elemento dissuasor para os ladrões”, disse uma fonte francesa anônima, “e são tranquilizadores para os viajantes chineses, uma vez que falam seu idioma. Eles poderiam, por exemplo, aconselhá-los a esconder seus telefones quando estão visíveis.” E há também, afinal de contas, policiais britânicos, holandeses e romenos lotados em Paris.
Este argumento não convence Marie Holzman, presidente de uma organização chamada Solidariedade Chinesa. Ela acha que a polícia chinesa é mais propensa a considerar os turistas como potenciais violadores da lei chinesa do que como vítimas de crimes franceses, e, portanto, espioná-los.
O que é legal na França – praticar a meditação do Falun Gong, por exemplo – é muitas vezes ilegal na China. E uma vez que há 800 mil chineses residentes na França, Holzman pergunta: Por que não usar alguns deles para ajudar a polícia francesa? De fato, eles teriam de ser pagos, enquanto que a polícia chinesa é paga (passagens aéreas incluídas) por Pequim. Mas apesar das dificuldades econômicas, a França ainda não está em posição de precisar de ajuda externa chinesa.
Outro argumento oficial para justificar a presença da polícia chinesa é que os policiais visitantes aprenderão maneiras melhores e mais democráticas de fazer seu trabalho. Holzman acha que a influência se manifestará no sentido inverso. Os chineses questionarão seus colegas franceses por que eles dificultam o próprio trabalho com tantas complicações desnecessárias, quando um bom golpe com um cassetete é muito mais eficiente, afinal este pensamento não é totalmente estranho aos franceses ou a qualquer outra polícia.
Holzman zomba da ideia de que a polícia chinesa será “infectada” pela democracia e assim isso ajudará a difundi-la. “A noção de que o contato, seja pelo comércio ou intercâmbio de pessoal, promoverá o advento da democracia na China é ridiculamente utópica, porque a ditadura chinesa é dinâmica e procura constantemente garantir sua durabilidade.”
Há uma lição geral aqui – por exemplo, que más práticas são mais fáceis de espalhar do que as boas ações, ou que nem preceitos nem bons exemplos são suficientes para que boas práticas prevaleçam, mas que devem crescer de forma lenta e orgânica da própria tradição?
Theodore Dalrymple é editor-colaborador do ‘City Journal’, membro do Instituto Manhattan e autor de diversos livros, incluindo “Our Culture, What’s Left of It: The Mandarins and the Masses“. Este artigo foi publicado originalmente no website City Journal do Instituto Manhattan.