Pequim discute retratar o Massacre da Praça Tiananmen

15/04/2012 19:00 Atualizado: 15/04/2012 19:00

Estudantes de Pequim colocam flores em frente a um retrato do ex-líder do PCCh e reformador liberal Hu Yaobang, enquanto milhares de estudantes se reúnem no base do monumento aos Heróis do Povo na Praça Tiananmen, durante uma manifestação não autorizada em 19 de abril de 1989, para lamentar a morte de Hu. O luto de Hu é geralmente considerado como sendo o causador do movimento estudantil em Tiananmen. (Catherine Henriette/AFP/Getty Images)Ação dramática seria uma tentativa de prevenir uma verdadeira reforma

15 de abril é o aniversário da morte de Hu Yaobang. Hu era o líder do Partido Comunista Chinês (PCCh) durante o período mais importante da reforma econômica na década de 80. O então líder supremo Deng Xiaoping depôs Hu por ser simpático ao “liberalismo burguês”. A morte de Hu há 23 anos desencadeou os protestos estudantis, que foram encerrados pela sangrenta repressão em 4 de junho de 1989 na Praça Tiananmen.

5 de abril é o Festival Qingming chinês, o dia em que as pessoas visitam os túmulos de seus entes queridos que partiram. Por muitos anos, as pessoas têm ido ao túmulo de Hu Yaobang na província de Jiangxi, no mesmo dia. O que torna diferente este ano é que a mídia oficial Chinanews reportou que muitas pessoas visitaram o túmulo de Hu para mostrar seu respeito.

A reportagem foi amplamente reproduzida por muitos meios de comunicação chineses, incluindo o Xinhua.net, o site da mídia porta-voz do regime comunista. A reportagem mencionou ainda que 300 mil pessoas visitaram o túmulo de Hu nos últimos anos, incluindo 80 líderes do PCCh e 200 oficiais ministeriais e provinciais.

Esta reportagem e sua republicação por muitos meios de comunicação oficiais chineses é o primeiro sinal que confirma o boato generalizado do último mês que o Primeiro-Ministro Wen Jiabao pretende levar adiante a retratação do movimento estudantil e do subsequente massacre que ocorreu em Pequim há 23 anos.

Em 20 de março, o Financial Times informou que, segundo “pessoas familiarizadas com o assunto”, Wen Jiabao levantou a questão do Massacre de Tiananmen três vezes em ocasiões separadas durante reuniões secretas da cúpula do Partido. Cada tentativa foi bloqueada por outros líderes.

Bo Xilai, como filho de Bo Yibo, que pressionou Deng Xiaoping a usar o exército para resolver o desafio representado pelos protestos estudantis, é um dos adversários mais veementes da proposta de Wen, de acordo com o Financial Times. Muitos meios de comunicação chineses fora da China também informaram a intenção de Wen em retratar o movimento estudantil de Tiananmen.

Reforma política

Muitos chineses acreditam que o primeiro passo para avançar a reforma política é remover o fardo do Massacre da Praça Tiananmen. Mas, na verdade, uma vez que a reforma política parece impossível, a reabilitação da questão Tiananmen é muito mais fácil e pode ser feita separadamente da reforma política.

A definição de reforma política não é clara. O Congresso Nacional do PCCh mencionou a reforma política muitas vezes. Na verdade, de acordo com relatórios do Congresso, a reforma política nunca parou. Ela só precisa ser aprofundada.

No dicionário do Partido, a reforma política deve estar sob a liderança do Partido, seguindo a linha do socialismo com características chinesas. O objetivo da reforma é fortalecer a liderança do Partido, e não enfraquecê-la. Qualquer mudança real, como a liberdade de imprensa, liberdade de reunião, ou a liberdade de crença religiosa, não é permitida porque qualquer destas reformas significaria o fim do regime do Partido Comunista.

Então, como retratar o incidente de Tiananmen é possível agora? Aqueles que cometeram o crime já não estão por perto. O Massacre de Tiananmen aconteceu 23 anos atrás. Mesmo naquela época, a decisão foi tomada principalmente pelos líderes comunistas mais velhos, que na maioria estavam na casa dos 80 na época.

Na liderança da geração seguinte, o ex-chefe do PCCh, Jiang Zemin, é o único diretamente relacionado com o incidente. No entanto, ele não era o tomador de decisão, mas o beneficiário. Sua oposição à possível retratação era que isso colocaria em questão sua legitimidade em ser escolhido por Deng Xiaoping para substituir o então secretário-geral, Zhao Ziyang, que foi deposto por se recusar a repressão militar.

Claro, ser contra a democracia e a liberdade é a natureza de Jiang. É por isso que ele fechou o World Economic Herald em Shanghai antes do Massacre de Tiananmen ter ocorrido, num momento em que a maioria dos líderes provinciais ainda estava assistindo e esperando. Essa também é a razão de Deng o escolher.

A oposição de Bo Xilai em retratar o movimento estudantil é devido a razões pessoais, porque seu pai estava envolvido na decisão de usar o exército contra os estudantes. Isso não é comum com outros líderes. Agora, com Bo Xilai destituído, este obstáculo importante foi removido.

Estendendo o regime do Partido

A maioria dos líderes comunistas no mais poderoso círculo de tomada de decisão tem medo de duas coisas sobre o Massacre de Tiananmen. Primeiro, com medo de qualquer mudança, eles só querem manter as coisas como estão. Segundo, eles têm medo que uma vez que o processo comece, outros grupos possam fazer suas próprias demandas, e as dívidas antigas finalmente derrubem o Partido.

No entanto, a maioria dos líderes também sabe que resolver a questão do Massacre de Tiananmen poderia ser reconhecido pelo público e recuperar algum apoio para o Partido se for o momento certo. Qual é o momento certo? Quando o Partido está em grave crise e a liderança acredita que resolver o problema estenderia o regime do Partido, mesmo que por um curto período de tempo, esse é o momento certo.

O processo pode ser acelerado por alguns eventos imprevisíveis. Em 5 de abril, Wang Dan e vários outros líderes estudantis da Praça Tiananmen publicaram uma carta aberta à liderança do regime chinês. Na carta, eles pediram o direito de visitar a China, sua terra natal.

Se a carta aberta foi desencadeada pela demissão recente de Bo Xilai não está claro. Mas quando entrevistado pela Rádio Free Asia, Wang mencionou o discurso de Wen Jiabao sobre convidar as pessoas com opiniões diferentes para visitarem Zhongnanhai. Zhongnanhai, onde vivem os principais líderes do regime, é por vezes utilizado como sinônimo para a liderança do PCCh.

No dia seguinte, antes de qualquer resposta da China ser possível, Fang Lizhi morreu em sua casa no Arizona. Fang era um astrofísico de renome e proeminente dissidente chinês na década de 80. Ele é bem conhecido nos Estados Unidos por ter ficado na embaixada dos EUA em Pequim cerca de um ano antes de finalmente chegar à América.

Ele e sua esposa entraram na embaixada em 5 de junho de 1989, o segundo dia do Massacre de Tiananmen. Ele viveu no exílio a partir de então e nunca teve a chance de voltar à China.

Sem desculpas

Reabilitação na China significa que as autoridades injustamente acusaram, criticaram, torturaram, ou prenderam alguém, e depois anunciaram sua inocência total ou parcial. Nenhuma desculpa é oferecida, se a reabilitação é feita com ou sem compensação financeira. É uma decisão unilateral, é pegar ou largar.

Reabilitação é a maneira de provar que o Partido está sempre correto e grandioso. Espera-se que o acusado injustamente sinta-se grato por isso. Mas algumas vítimas e parte do público acreditam que o PCCh não tem o direito de retratar o movimento estudantil. Eles acreditam que o PCCh deve admitir e pedir desculpas pelos crimes que cometeu e pedir perdão às famílias das vítimas e ao povo.

Mesmo se a reabilitação realmente acontecesse, isso não significa que o Partido mudou. O Partido tem feito coisas semelhantes antes. Em 1981, após a Revolução Cultural terminar, o PCCh passou a “Resolução sobre certas questões na história do nosso Partido desde a fundação da República Popular da China”.

A maioria dos eventos discutidos na seção “Resolução” são as campanhas políticas nas quais milhões de pessoas sofreram ou foram mortas. O Partido admitiu alguns erros cometidos, mas se recusou a admitir outros. Por exemplo, o Partido se recusou a admitir que a campanha antidireitista estava errada. O Partido só admitiu que ela foi expandida. Nessa campanha, as vítimas diretas são estimadas entre 0,5 e 2 milhões.

Essa “Resolução” foi saudada como prova da grandeza do Partido. Isso não impediu o Massacre de Tiananmen, oito anos depois, e certamente não parou a perseguição ao Falun Gong em 1999, e que continua até hoje. O Partido sempre aprende as lições erradas da história, e certamente fará o mesmo no futuro.