Pedido de socorro deixado em meia é confirmado por registros

01/01/2016 23:30 Atualizado: 01/01/2016 23:30

Quando Shahkiel Akbar trouxe para casa um par de meias de algodão das lojas Primark, uma loja varejista de bom preço no Reino Unido, ele não esperava encontrar um pedido de socorro escrito em chinês.

No entanto, o pequeno bilhete foi tudo o que ele encontrou. Datada de 22 de junho deste ano, a pequena carta, escrita com caneta preta em ideogramas chineses, alegava ser do senhor Ding Tingkun, um cidadão chinês que vinha sendo vítima de torturas em prisões chinesas por pleitear seus direitos civis.

“Atualmente estou detido a força no Lingbi County Detention Center. Meu corpo e mente sofrem por severa tortura e perseguição “, diz um trecho da nota.

Segundo a imprensa britânica, dezenas de dias antes da descoberta de Akbar, o pai de Lucy Kirk, outro cliente da Primark, encontrou uma nota similar escrita pelo mesmo Ding Tingkun, em 29 de junho, depois de comprar um par de meias de uma filial Primark em Huddersfield, uma pequena cidade  do Reino Unido.

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“Minha esposa está detida em um hospital psiquiátrico à força … meu pai foi assassinado no hospital Damiao Village, em 22 de maio de 2014!”, dizia a outra nota.

Uma história de Halloween

As notas tinham uma estranha semelhança com uma carta encontrada em um  falso túmulo de Halloween, exposto em uma das lojas Goodwill, em 2013. Essa carta, escrita em um Inglês truncado, vinha do notório Campo Feminino de Trabalhos Forçados, em Masanjia, no nordeste da China. Local onde formas extremas de tortura foram desenvolvidas para aniquilar as crenças de praticantes de Falun Gong, uma disciplina espiritual fortemente perseguida pelo Partido Comunista da China.

O momento dessa descoberta na loja Goodwill , em Oregon, nos Estados Unidos, despertou a atenção internacional sobre o trabalho forçado nos campos de reeducação e trabalhos forçados chineses.

Mas, neste caso recente, do senhor Ding Tingkun, a Primark, grupo de varejo, negou a idéia de que a carta fosse de um  indivíduo em condições de trabalho forçado na China. A empresa alegou que a carta fazia parte de uma fraude elaborada para alguém “ganhar publicidade.”

“O nome Primark está sendo usado para ganhar publicidade para a situação deste indivíduo. Nós não encontramos nenhuma ligação entre essa pessoa e qualquer um dos nossos fornecedores (fábricas na China)”, disse um porta-voz da empresa ao Daily Mail, um tabloide do Reino Unido que relatou a notícia.

“Nós pensamos que a nota tenha sido adicionada, muito provavelmente, após a produção, e é possível que tenha sido em trânsito ou em um porto”, continuou o porta-voz, de acordo com o Daily Mail.

O verdadeiro Ding Tingkun

Porém, o que parece, é que Ding Tingkun é uma pessoa real, e que estava, ou ainda está, realmente detido no mesmo centro de detenção, conforme mencionado no bilhete encontrado nas meias.

Múltiplas provas de evidência, disponíveis on-line, em chinês, indicam isso.

A evidência mais forte é a de um veredito do tribunal chinês em relação Ding, datado de 19 de maio de 2015. O veredito pode ser encontrado no banco de dados Openlaw, uma ONG, com sede em Xangai, que permite acesso a decisões judiciais chinesas.

O conteúdo de uma sentença judicial, datada de 19 de maio, coincide com as descrições de Ding em sua nota encontrada nas meias. A frase em destaque diz: “Ele esta atualmente detido no Lingbi County Detention Center.”

O veredito encontrado no banco de dados foi proferido pelo Tribunal Intermediário Popular de Suzhou. Ele derruba uma das sentença anteriores de três anos de prisão por “chantagem e extorção de dinheiro” – através do Tribunal do Condado Popular de Lingbi, em 8 de dezembro de 2014. Ambas as cortes são na província de Anhui. Ding, em seu bilhete, afirma ter sido acusado de extorsão.

O veredito invalidou essa decisão por falta de evidências, e foi ordenado que o tribunal de origem conduzisse um novo julgamento para seu caso.

O documento informa que Ding havia sido preso desde 29 de junho de 2014, e está “atualmente detido em Lingbi County Detention Center.”

Esse veredito, dado em maio, ocorreu apenas cerca de um mês antes dos bilhetes serem escritos. É muito provável que Ding ainda estivesse no mesmo centro de detenção, levando-se em conta a lentidão do sistema judicial chinês.

O advogado de direitos humanos Pu Zhiqiang, por exemplo, recentemente recebeu uma sentença de três anos de prisão, com suspensão de pena, e esperou 19 meses em detenção, antes que seu caso fosse a julgamento.

Proteção a assassinos e criminosos

Ding escreveu em sua carta que ele foi enquadrado por funcionários da delegacia Damião Village, porque ele “peticionou em Pequim para informar aos líderes da nação sobre policiais corruptos que negligenciam seu dever, e protegem bandidos e criminosos.”

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Outra evidência disponível on-line parece comprobatória. Por exemplo, em 15 de maio de 2014 (antes de Ding ser detido), um post no blog Sina, um popular blog chinês, foi assinado por Ding Tingkun e Zhu Hongli, alegando que a polícia em Wuxi, uma cidade da província costeira de Jiangsu, próxima a Anhui, dizia “bandidos são protegidos” e “a verdade é escondida”, a respeito de um caso criminal. Uma linguagem similar a esse curto post foi usada no bilhete encontrado nas meias. O número de telefone listado no post é, atualmente, de um indivíduo na China que não está relacionado com o caso.

Além de tudo isso, em um comentário sobre um artigo publicado no jornal People’s Daily, um usuário da Internet, que se identificou como Ding Tingkun, pediu ajuda das autoridades e afirmou que sua esposa é doente mental. No post, o sobrenome da mulher é “Zhu” (o nome, de mesmo caractere chinês que apareceu no blog) e diz que ela estava sendo tratada no Segundo Hospital Popular de Suzhou, em 2011.

A Primark ainda não respondeu às perguntas sobre a prova de identidade de Ding Tingkun. E a denúncia continua expressando uma enorme gravidade, porque evidencia a conivência governamental com o corrupto sistema carcerário chinês e as consequentes violações dos direitos civis e humanos na China.