Praticantes do Falun Gong, alvos de tortura em gigante campo de concentração
Foi a mais improvável das cartas já descoberta por uma mulher de Oregon em outubro, na véspera do Natal, que começou um diálogo internacional sobre as práticas abusivas do trabalho forçado na China e sobre os horrores que estão por trás destas.
Julie Keith de Damasco, Oregon, EUA, encontrou a carta de um campo de trabalho chinês contrabandeada num conjunto de Halloween que estava guardado em sua garagem por um ano. O escritor, num inglês fragmentado intercalado com escrita chinesa, disse que eles estavam num campo de trabalhos forçados em Shenyang, capital da província de Liaoning, no Nordeste da China.
Aí reside um dos campos de concentração mais famosos na China, chamado Masanjia, de onde a carta veio. O autor apelava ao destinatário da carta – quem quer que fosse a pessoa – que, por favor, levasse a questão de seu cativeiro à atenção das organizações de direitos humanos ao redor do mundo.
No entanto, a história por trás de como uma carta poderia ter sido escrita, o sistema que forçou a vítima ao trabalho escravo e suas conexões com as campanhas e personalidades da China comunista têm sido pouco explorados.
O boom dos campos de trabalho
Logo após o Partido Comunista Chinês (PCC) assumir o controle da China em 1949, ele construiu uma rede de campos de prisioneiros em todo o país, chamada “laijiao” e “laogai” – ambos significando de maneira geral ‘reforma’ e ‘educação pelo trabalho’ –, em que foram aprisionadas milhares de pessoas rotuladas de contrarrevolucionárias. Intelectuais eram um alvo prioritário.
Ao longo das décadas e na Revolução Cultural (1966-1976), o PCC recorreu a esta extensa rede de campos. Com o adiamento temporário da violência política em massa em favor do desenvolvimento econômico a partir do final de 1970, no entanto, o sistema não foi tão priorizado.
Até 1999. Nesse ano, o PCC começou sua mobilização mais extensa desde a Revolução Cultural, aprisionando números incontáveis, centenas de milhares e talvez milhões de praticantes do Falun Gong, uma disciplina espiritual popular cujo rápido crescimento fez o então líder chinês Jiang Zemin decidir erradicá-la na China.
Grandes quantidades de dinheiro foram gastos no aparato de segurança em toda a China e um sistema brutal que se deteriorava foi então revigorado com uma vingança.
Trabalho escravo no Norte
Uma das principais áreas de foco foi o Nordeste da China, onde está a província de Liaoning – local de origem da carta. Em particular, o campo de trabalho de onde veio a carta foi expandido – transformando o campo numa gigante cidade-prisão –, como parte de uma onda de construção supervisionada por Bo Xilai, o controverso membro do Politburo que foi deposto de forma espetacular em 2012.
Antes de ser chefe do PCC em Chongqing, seu último posto antes de sua desgraça, Bo Xilai foi prefeito de Dalian, uma cidade costeira na província de Liaoning, e, em seguida, governador dessa província. Numa tentativa de ascender na hierarquia política chinesa, Bo Xilai descobriu que aliar-se ao então líder chinês Jiang Zemin era a via mais rápida.
Segundo Jiang Weiping, um jornalista chinês veterano que vive agora no exílio, Jiang Zemin disse a Bo Xilai, “Você deve mostrar dureza ao lidar com o Falun Gong, como Hu Jintao mostrou dureza ao lidar com a revolta tibetana em 1989, isso será seu capital político.”
Durante seus anos na província de Liaoning até 2004, Bo Xilai supervisionou a construção maciça de instituições de trabalho forçado, segundo relatos da imprensa chinesa e websites do Falun Gong.
Bo Xilai também inspecionou pessoalmente as prisões, centros de detenções e campos de trabalho forçado.
Foram atribuídos prêmios às instituições que desenvolviam as formas mais brutais de forçar praticantes do Falun Gong a renunciar a suas crenças. Os métodos eram uniformemente brutais: em 2001, o relator especial da ONU sobre tortura se referiu as alegações de que no final de 2000 no campo de trabalho Masanjia 18 mulheres praticantes do Falun Gong foram despidas e jogadas nas celas de criminosos masculinos, onde foram violentadas. Muitas outras alegações credíveis vieram à tona, repetidas por sobreviventes no exílio, de que praticantes femininas em Masanjia eram eletrocutadas em sua genitália com bastões elétricos.
Tortura sob custódia
A nota que Keith encontrou dizia, “As pessoas que trabalham aqui sofrem punição de 1-3 anos em média, mas sem sentença judicial (punição ilegal). Muitos são praticantes do Falun Gong, que são totalmente inocentes e simplesmente têm crenças diferentes do PCC. Eles também sofrem mais abusos do que outros.”
Muitos praticantes do Falun Gong chineses, que sobreviveram as brutalidades de Masanjia, agora vivem nos Estados Unidos. Antes de chegarem, eles sofreram torturas severas enquanto estavam no campo de trabalho.
Pan Qi, uma praticante do Falun Gong e ativista dos direitos humanos que vive atualmente em Nova York, teve a carne de suas coxas arrancada por dias pelas unhas de um guarda da prisão, quando esteve presa em 1999 e 2000, os primeiros anos da perseguição. O guarda então pisou em suas pernas inflamadas.
Zhang Lianying, uma praticante do Falun Gong que agora vive em Flushing, Nova York, detalhou em relatos online e várias entrevistas dezenas de formas de tortura que experimentou pessoalmente: bastões elétricos, sufocamento, espancamentos ou ter sua boca golpeada com panelas de metal.
Há também a irmã de Ma Chunmei, uma residente de Washington. Ma Chunling, a irmã, está em Masanjia atualmente e os guardas não permitem que seus pais a visitem, mesmo depois de uma viagem de dois dias e duas noites de uma província vizinha.
“Estou muito preocupada. Não sabemos o que está acontecendo com ela. Muitos praticantes já morreram naquele lugar”, disse Ma Chunmei numa entrevista. A última vez que seus pais viram sua irmã, “ela estava muito magra.”
Mensagem num papel
Isso tudo é apenas um vislumbre da realidade, trazida à tona pela carta de Masanjia.
As dificuldades que o autor da nota deve ter sofrido não são claras, mas as vítimas têm alguma ideia.
“Masanjia é o campo de trabalho mais maligno na China”, disse Zhao Suhuan, uma praticante do Falun Gong cuja tortura brutal que sofreu foi documentada amplamente online e agora vive em Nova York. “Cada quarto tem dispositivos de vigilância e há pessoas observando onde quer que você vá. Todos os corredores têm vidro ao longo das paredes” para facilitar a observação, disse ela.
Prisioneiros do Falun Gong são capazes de ter acesso a papel e caneta com o propósito exclusivo de escrever ataques contra a prática e cartas de retratação, segundo Pan Qi, que se recusou a fazer isso.
“Se a pessoa que escreveu esta carta [contrabandeada na decoração de Halloween] fosse descoberta, ela seria torturada”, disse Pan Qi. “Se fosse de leve, então, ela poderia ser barbaramente espancada. Se fosse severamente, então, ela poderia ser torturada até a morte.”
Os detidos dificilmente ficam fora da vista dos guardas. “Eles não nos deixavam dormir. Há prisioneiros monitorando o tempo todo”, disse Pan Qi.
Num exemplo, lembra ela claramente, Pan Qi e outro presidiário praticante do Falun Gong tinham escrito notas entre si nos cadernos que os guardas lhes haviam dado para escrever críticas ao Falun Gong. Uma vez, elas trocaram algumas palavras sobre o assunto e logo em seguida um guarda irrompeu para abusá-las e confiscar os cadernos. “Eles deviam estar nos monitorando, fiquei chocada”, disse Pan Qi.
Um relato publicado recentemente no Minghui, um website principal do Falun Gong, ilustra um cenário muito semelhante ao que poderia ter acontecido no caso da carta recente.
Um praticante do Falun Gong obtém de alguma forma um refil de caneta e pouco a pouco escreve uma carta de 2.800 caracteres num pedaço de papel higiênico. “Se meu plano fosse descoberto, eu certamente seria torturado com bastões elétricos”, segundo um relato online. A carta foi entregue ao mundo exterior por meio de um prisioneiro simpático.
Aos milhões
Não há números definitivos sobre a população dos campos de trabalho na China, tais informações na China são consideradas segredo de Estado e as estimativas variam entre centenas de milhares a milhões.
O Departamento de Estado dos EUA citou estimativas de que “pelo menos metade dos 250 mil prisioneiros oficialmente registrados e condenados administrativamente nos campos de reeducação pelo trabalho do país são praticantes do Falun Gong”, mas a população pode ser muito mais do que isso, devido à dificuldade de se obter números precisos.
De acordo com o Centro de Informação do Falun Dafa, há cerca de 200 mil a 2 milhões de praticante do Falun Gong nestes campos de trabalho. A enorme discrepância surge devido à dificuldade de se obter dados numéricos a respeito.
De acordo com Ethan Gutmann, um repórter investigativo que atualmente escreve um livro sobre a campanha contra o Falun Gong, praticantes do Falun Gong compreenderiam entre 15 e 20% de todos os presos do sistema de campos de trabalho. Em depoimento ao Congresso, ele disse, “Isso é cerca de meio milhão a um milhão do Falun Gong em detenção em média, o que representa a maior ação de segurança do regime chinês desde o período maoísta.”
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