Um comentário que correu as redes sociais em dezembro foi feito pelo professor de filosofia da UFRRJ, Paulo Ghiraldelli, em referência à apresentadora conservadora do SBT, Rachel Sheherazade, de extremo mau gosto, que segue abaixo:
Eu tenho certeza que nem mesmo o tal professor acredita na justiça das suas palavras. Provavelmente é apenas um sujeito cheio de si, talvez entorpecido por alguma droga lícita ou ilícita no momento, que se deixou levar por um sentimento de ódio. A discussão que eu travarei aqui é: esse discurso é legítimo do ponto de vista liberal?
O prof. Walter Block, no livro “Defendendo o Indefensável”, publicado originalmente por este Instituto Liberal no Brasil, argumenta que injúria, calúnia e difamação, embora sejam práticas moralmente repugnantes, não deveriam sofrer sanções, pois ninguém seria dono da sua própria reputação ou da reputação alheia, e que transformar tais atos em criminosos seria um atentado à liberdade de expressão e até mesmo prejudicial, em longo prazo, para a credibilidade das pessoas, pois com essas condutas criminalizadas, a sociedade passaria a acreditar que qualquer besteira falada seria verdade, por não ter sido coibida (elas não contariam com a ineficiência do estado no combate a essas práticas).
A questão é que esse não é um caso de calúnia, difamação ou injúria.
Apenas esclarecendo, calúnia é acusar alguém injustamente de cometer um crime; difamação é acusar alguém injustamente de cometer um fato não-criminoso mas reconhecido pela sociedade como imoral; e injúria é um xingamento propriamente dito. No Código Penal, tais condutas se enquadram nos arts. 138 a 140.
O que o prof. Ghiraldelli fez não tem nada a ver com xingar ou acusar falsamente de criminoso ou imoral. O que ele fez foi incitar a prática de um crime contra outra pessoa. Ou seja, incitar a prática de iniciação de agressão, e iniciação da agressão é o parâmetro básico da ideia de crime no liberalismo.
Existe uma diferença bem grande, por exemplo, entre ser preconceituoso e incitar violência contra o que se tem preconceito. A primeira atitude, embora imoral, é passiva e não traz maiores repercussões práticas. Já a segunda ação tem a propensão de destruir a paz social e a ordem jurídica liberal, pois visa destruir o direito à vida e à propriedade privada de pessoas pacíficas.
Discursos imorais são legítimos, e até mesmo calúnias, difamações e injúrias, no limite, podem ser válidos, ainda que lamentáveis. Mas uma ação que busca incitar iniciação de agressão é injusta e deve ser coibida, ainda que prisão não seja o melhor remédio, dada a gravidade da pena privativa de liberdade, sendo certo que a multa e a indenização à atingida são medidas mais proporcionais ao delito cometido.
E para deixar essa diferença clara, destaco que mesmo no direito moderno o CP distingue a incitação ao crime dos crimes contra a honra supracitados. Incitação ao crime está no artigo 286:
Artigo 286 do CP: Incitar, publicamente, a prática de crime. Detenção: 3 a 6 meses.
No extremo, o prof. Ghiraldelli poderia até ser enquadrado como mandante do crime, caso ele viesse a ocorrer, embora essa já seja uma interpretação mais forçada, por questões de direito penal que não vêm ao caso explicar agora.
Portanto, dentro de uma visão liberal, cabe sim um combate ao ato nojento do prof. Ghiraldelli. Um liberal até deve tolerar o imoral discurso de ódio, mas nunca incitação à violência contra pessoas pacíficas.
Esse artigo foi originalmente publicado pelo Instituto Liberal