Uma publicação do blog “Datavenia Brasil” de domingo (10) causou uma certa comoção nas redes sociais e um pequeno começo de debate acerca dos limites da representação partidária dentro da democracia, ao afirmar que o Partido Comunista da Ucrânia fora dissolvido.
Um esclarecimento preliminar deve ser feito: o Partido Comunista Ucraniano não foi banido da vida pública, ele apenas perdeu representação parlamentar. De acordo com as novas regras do parlamento daquele país, para um partido ou coligação funcionar com estrutura autônoma paga pelo Estado, é preciso ter uma representação mínima, que o Partido Comunista tinha e deixou de ter, pois alguns deputados deixaram a sigla rumo a outros partidos. Isso não significa que os parlamentares perderam mandato. Eles continuam parlamentares ligados ao Partido Comunista, só que o PCU agora não tem “gabinete de liderança”, com funcionários e verba. No Brasil, para um partido ter gabinete de liderança com cargos e verbas, um partido precisa ter, no Senado, 3 representantes, e na Câmara, 6 representantes, no mínimo. Isso significa que a exigência na Ucrânia é maior, mas não significa em absoluto que essa é uma regra anômala.
Questão muito mais grave se dá na Alemanha, onde um partido que não alcança a cláusula de barreira de 5% dos votos válidos não tem direito a nenhuma cadeira na Câmara. Foi o caso do tradicional partido liberal alemão (FDP) nas últimas eleições, ao obter quase 4,9% dos votos. Com pouco mais de 0,1% dos votos, teria direito a mais de 30 deputados no Bundestag. No entanto, por conta da pequena margem apresentada, tem zero representantes. Será que houve perseguição aos liberais alemães ou na verdade foi falta de competência? A mesma resposta se aplica aos comunistas ucranianos.
Encerrada a preliminar, volta-se ao assunto: devemos tolerar os intolerantes? Para um dos grandes pensadores liberais do séc. XX, Karl Popper, a resposta é não. De acordo com o grande professor austríaco, uma sociedade democrática aberta não pode legitimar um discurso político que ataque a sua própria existência, resultando obviamente em um sistema político que somente poderia suportar partidos social-democráticos, centristas, liberais e conservadores. Tal visão, bastante polêmica, é pouco usual nos dias de hoje. A ordem que emergiu do fim da segunda guerra mundial enterrou o totalitarismo nacional-socialista e fascista, movimentos políticos derrotados pela democracia à bala, mas fez sobreviver o totalitarismo de esquerda, como bem já observou Hannah Arendt, que se aliou às democracias naquele momento histórico por questões puramente pragmáticas: a derrota de um inimigo em comum.
A argumentação de Popper é bastante plausível, mas ela é necessária? A ascensão de um partido de esquerda radical ao poder, dentro de uma sociedade aberta fundamentada na cultura ocidental judaico-cristã do respeito à liberdade, à propriedade privada, à igualdade perante a lei e à liberdade religiosa, só pode ser possível em um cenário de total inaptidão política por parte dos segmentos políticos democráticos, e é necessário um embate cultural muito profundo por trás de tal movimento. Podemos ver resquícios desse plano em um ou outro partido político, associação ou instituto, mas parece que proibir os intolerantes de participar da contenda política, além de nos nivelar ao padrão do inimigo, ainda revela nossa incompetência em defender o que é certo.
Por isso, a princípio, sou contra a proibição política de partidos radicais e tolero os intolerantes, na expectativa de que o que defendemos é moralmente superior ao que eles defendem e que precisamos ser profissionais e competentes na hora de fazermos essa defesa.
Bernardo Santoro é Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ.
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