Participação necessária: Como o comunismo mudou a China

08/10/2012 08:55 Atualizado: 08/10/2012 08:55
Uma resenha de “Participação política na China comunista” de James Townsend
Capa do livro “Participação política na China comunista” de James Townsend. (University of California Press)

Uma olhada na pesquisa e no jornalismo sobre a China comunista de uma época anterior pode proporcionar reflexões úteis para o nosso próprio tempo: sobre o que mudou, o que não mudou e como é que as pessoas costumavam expor suas ideias.

O estudo de James Townsend é fascinante e penetrante, não só devido a sua amplitude e detalhe, mas também pelo aspecto quase autorreflexivo em que o autor retoma as questões que coloca.

Ao abordar um tema, que muitos observadores modernos fariam bem em aprender uma coisa ou duas a respeito – isto é, as mudanças que o comunismo chinês trouxe para a ordem política da China – Townsend interroga primeiramente esta ordem. Para os não-especialistas em assuntos da China tradicional, há muito o que aprender mesmo neste histórico ligeiro.

Por exemplo, verifica-se que muitos aspectos da sociedade contra os quais os radicais e intelectuais dos séculos XIX e XX se revoltaram (isto é, incluindo o comunismo após os agitadores do Comintern implantarem amplamente e com sucesso as sementes) não eram elementos fidedignos da cultura tradicional chinesa. As coisas já haviam mudado:

“[…] a compra de cargos no governo, a concentração da propriedade da terra, o poder dos militares e elementos bandidos em áreas rurais, a incompetência do governo central e, acima de tudo, os efeitos difusos da presença ocidental em si, eram sintomas de mudança em vez de características da ordem tradicional. O comunismo chinês, nesse sentido, é uma revolta contra um tradicional mutante, ao invés da tradição bem compreendida.” (p. 6)

(Embora, é claro, será necessário mais do que isso para deter os observadores irresponsáveis da Nova China de falarem numa tradição política duradoura, até mesmo associando a tradição confucionista e do Estado feudal ao regime centralizado do Partido Comunista Chinês [PCC].)

O livro de Townsend é uma crônica não apenas de que mudanças o PCC trouxe, mas como ele as promulgou, com que sucesso, em face de que resistência e contra qual cenário normativo elas podem ser avaliadas.

Leitores empenhados também podem tirar suas próprias mensagens de coisas que Townsend deixa de dizer.

Por exemplo, na China tradicional aprendemos que, “A legitimidade do ‘mandato’ do imperador para governar, teoricamente, repousava em sua conduta correta, que era testada por meio de sua capacidade de manter a harmonia na natureza e na sociedade.”

E enquanto a força militar era necessária para tomar o poder, “A tradição chinesa insistiu que a virtude e a moralidade eram os legitimadores finais da autoridade política.” Assim como a autoridade do imperador tinha base moral, “seu governo do povo era para ser pelo exemplo moral”. (p. 11) Que excelente. O contraste disto com o arranjo atual precisa ainda ser comentado?

Não é medindo apenas contra o pano de fundo tradicional que o governo do PCC pode ser reconhecido como deformado, mas a partir de princípios básicos da lógica, como mostra Townsend. Ele explica, por exemplo, como o significado político das ações deve ser determinado não apenas pela natureza das próprias ações, mas pelas motivações dos atores.

Como ilustra Harold Laswell, quando um homem mata um rei porque o monarca insultou sua irmã, ele cometeu um crime de paixão e não um ato político. Mas se ele considera o assassinato como parte de uma luta revolucionária, então é político.

No entanto, o PCC não alcança essas nuances. “É a tentativa do PCC de dar significado real a performances políticas ritualísticas e investir atos aparentemente ‘privados’ com significado político que resultam na extraordinária politização da vida na China contemporânea”, escreve Townsend.

Isso deixa claro por que o crescimento do Falun Gong na China foi interpretado como uma ameaça mortal para o regime: não porque os meditadores silenciosos tivessem qualquer significado político por causa de sua prática, mas porque para o PCC, formar seu próprio grupo e fazer suas próprias coisas, em massa, é de fato problemático. O mesmo pode ser dito sobre o reconhecimento do Dalai Lama pelos tibetanos, que o PCC incessantemente tenta fazer lavagem cerebral para dissuadi-los.

Aqui estão algumas reflexões mais interessantes:

– As associações locais e familiares foram o alicerce da sociedade tradicional chinesa: “O cidadão chinês encontrava sua identidade social, sua segurança e suas esperanças pelo avanço em suas associações locais e não na ampla comunidade política.” Associações locais, tais como a família, a aldeia, a guilda, eram muitas vezes fins em si mesmos. A vida chinesa era sobre a preocupação com os próprios negócios e interesses particulares e o povo era em grande parte indiferente a questões que iam além disso. Esse individualismo fazia a família o centro das lealdades do indivíduo e colocava o locus de significado da vida na comunidade do indivíduo. (pp. 17-20)

– Durante a Guerra Civil, quando o PCC percebeu que os camponeses não estavam muito interessados na doutrina marxista, ele jogou a carta anti-Japão e nacionalista e simplesmente engavetou a doutrina (claro, apenas para trazê-la mais tarde com uma vingança). Será que todos sabem isso? Isso soa algo familiar? (p. 53)

– As lealdades de um oficial-erudito eram mais pela cultura chinesa do que por um determinado Estado chinês. Embora o estudioso reconhecesse sua obrigação de servir a sociedade, ele não acreditava que o cargo público fosse a forma mais elevada de serviço. Pessoalmente, suas maiores recompensas estavam fora da vida pública, “nas atividades intelectuais para as quais seus estudos o prepararam”. (p. 12) Isto é em muitos aspectos oposto as preocupações da burocracia contemporânea do PCC, para a qual seu serviço como um oficial não é mais do que um meio de autoengrandecimento e geração de riqueza individual (embora, às vezes, possamos também pensar o quanto isso difere dos funcionários públicos no Ocidente).

– O ponto de vista técnico de que algo na China não é uma parte formal do Estado não significa que não seja político ou que o PCC não tenha controle sobre ele. (p. 103) Isto deve estar em mente quando se pensa em empresas chinesas que fazem negócios no exterior.

– O “formalismo” é uma palavra divertida usada pelo PCC para descrever a preguiça dos oficiais. (p. 151)

– Townsend destramente discute como as organizações de massa 1) se alimentam das pessoas, 2) servem aos interesses do PCC no exterior e na China. (pp. 172-173)

Uma observação de despedida, encontrada na p. 158: enquanto as organizações de massa, como a Liga da Juventude Comunista e a Federação das Mulheres oferecem um amplo leque da sociedade e eram correias de transmissão eficazes para doutrinar as massas com a política do PCC, o PCC não foi capaz o bastante de alcançar os cantos e recantos – os cantos sendo as donas de casa e as crianças e os recantos sendo vendedores ambulantes e desempregados – assim, os Comitês de Residentes foram estabelecidos.

Este é o nível microscópico da organização do PCC, que atinge diretamente o bairro de cada cidadão. Na década de 1950, eles foram usados para ajudar atividades como a campanha de “Resistir à América e ajudar a Coreia” e a “Supressão dos contrarrevolucionários”.

Agora, ardilosamente, esses comitês são usados para farejar praticantes do Falun Gong e entregá-los à polícia para “transformação do pensamento”. Quem disse que mais as coisas mudam mais elas permanecem as mesmas?

TOWNSEND, James. Political Participation in Communist China. 1967, University of California Press, 247 pp., ISBN: 978-0520012790, US$ 49.95.

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