O paradoxo dos indicadores

23/11/2013 12:48 Atualizado: 23/11/2013 13:31

O Google faz regulares alterações no seu algoritmo de ranqueamento das páginas exibidas nos resultados de busca. O propósito é garantir que o conteúdo mais relevante apareça primeiro, corrigindo pontualmente as formas de manipulação do algoritmo por websites trapaceiros. A cada critério estabelecido como indicador de qualidade, os websites se modificam para melhor satisfazer o critério sem precisar melhorar a qualidade. Por exemplo, conteúdos melhores em geral recebem mais links a partir de outras páginas. Mas quando o número de links para uma página é tratado como um indicador da qualidade de conteúdo, sites de baixa qualidade começam a montar uma rede de páginas, todas de conteúdo inferior, linkando umas às outras. O indicador perde seu valor indicativo.

“Quando uma medida se torna uma meta, ela deixa de ser uma boa medida.” Essa é a formulação mais comum da chamada Lei de Goodhart. O economista Charles Goodhart tinha em mente as metas econômicas estabelecidas pelos governos: “Tão logo o governo tenta regular um grupo particular de ativos financeiros, eles deixam de ser indicadores confiáveis de tendências econômicas.” Por exemplo, se o governo brasileiro tenta controlar a inflação por meio do controle dos preços de um indicador como o IPCA, esse indicador torna-se menos confiável. Se o tomate se torna um proxy popular para a inflação, o governo tentará influenciar o preço do tomate para que ele reflita ainda com menos precisão o aumento inflacionário.

Eu entendo a Lei de Goodhart como a formulação específica de um problema genérico de nominalismo na política. Ela vai além de políticas macroeconômicas.

O blog Less Wrong lembra que a indústria soviética oferecia casos emblemáticos da aplicação da Lei de Goodhart:

“Quando [uma fábrica soviética] tinha como meta o número de pregos produzidos, uma vasta quantidade de pequeninos e inúteis pregos eram fabricados. E quando a meta era na base do peso, produziam-se poucos pregos gigantescos. Quantidade e peso se correlacionam bem em um cenário pré-planejamento central. Depois que se tornaram metas (em diferentes momentos e períodos), perderam seu valor.”

O governo brasileiro também serve de estudo de caso para a Lei de Goodhart na medida em que tenta planejar aspectos da sociedade. Por exemplo, a participação de uma minoria historicamente desfavorecida em vagas de cursos universitários costuma ser um bom indicador de tolerância e abrangência das oportunidades econômicas. Em sociedades tolerantes, o sucesso acadêmico está ao alcance até dos mais discriminados. Até que a entrada de minorias no ensino superior se torna uma meta do governo. A partir do momento em que se estabelecem cotas para minorias, a sociedade pode aumentar a participação das minorias em salas de aula ao mesmo tempo em que continua sem oferecer tolerância e oportunidades econômicas verdadeiras.

A proporção de pessoas matriculadas em instituições de ensino costuma ser uma boa medida do nível de educação. Em uma sociedade com alto valor de capital humano, alunos com capacidade de aprender frequentam aulas de professores com capacidade de ensinar. Até que o governo adota a meta (do Índice de Desenvolvimento Humano) de maximizar o número de cidadãos matriculados em instituições de ensino, do fundamental ao superior. As escolas são incentivadas a tratar as salas de aula como áreas de lazer e a aprovar o maior número de alunos, de maneira que a formação torna-se mais uma formalidade e menos uma empreitada intelectual. Aumenta-se o número de alunos em escolas sem assim aumentar o real conhecimento acadêmico ou técnico do país.

O PIB costuma ser uma boa variável de prosperidade. Em geral, quanto mais bens são “produzidos” na sociedade, melhor o nível de bem-estar de seus membros. Até que o aumento do PIB passa a ser uma meta política. O governo passa a realizar investimentos que aumentam o PIB, mas que não correspondem ao maior bem-estar humano, como a construção de pontes para lugar nenhum, de gastos militares extravagantes ou das cidades fantasmas que, conforme o vídeo abaixo, vêm sendo construídas na China:

O número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza costuma ser um bom indicador da gravidade da miséria em um país. Renda baixa significa baixa produtividade e impossibilidade de consumo. Até que o governo passa a concentrar seus esforços para focar na linha da pobreza. Programas de transferências de renda reduzem a camada de pessoas abaixo da linha de pobreza sem aumentar a sustentabilidade dos pobres. A linha deixa de indicar a real capacidade de um país em erradicar a pobreza.

Como mitigar os efeitos da Lei de Goodhart? Uma opção é diminuir a confiança na capacidade planejadora do estado e permitir que empreendedores entrem em competição para descobrir métricas cada vez melhores. Entre o Google e as fábricas soviéticas há um oceano de capitalismo.

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Capitalismo Para Os Pobres