Gary Becker, vencedor do Prêmio Nobel em economia e professor da universidade de Chicago, é famoso por aplicar métodos econômicos a questões sociais e comportamentais. Em uma palestra organizada pelo Institute of Economic Affairs, ele discutiu sua proposta para a questão da imigração.
Há mais pessoas querendo imigrar para os países ricos do que esses países estão dispostos a aceitar. Becker defende que a melhor solução para esse problema é vender o direito de imigrar. Um mercado alocaria as “vagas” para imigração aos candidatos mais escolarizados e produtivos, que tivessem mais chances de ganhar salários que compensassem o preço da imigração. Ter que pagar uma quantia alta para se mudar para um novo país atrairia aqueles que querem se integrar e lá permanecer definitivamente, e seria mais atraente para os jovens, que teriam mais tempo para recuperar os custos. Para Becker, é esse tipo de imigrante que os países desenvolvidos devem tentar atrair, para aumentar a competitividade de suas economias e amenizar o problema de envelhecimento da população. Além disso, essa “taxa de entrada” cobriria os custos dos serviços públicos usados pelos recém-chegados, um motivo comum de oposição à imigração.
Se comparada aos sistemas atuais de imigração, a ideia não parece má. Atualmente, migrar já custa caro. Em geral, o imigrante precisa pagar altas taxas periodicamente para renovar o visto; estas são às vezes pagas pelo empregador do imigrante, o que o torna um empregado mais caro, e portanto menos atraente, diminuindo suas oportunidades. Em certos países, os vistos de trabalho são ligados a um empregador, o que coloca o empregado estrangeiro em uma situação de dependência, uma vez que seu direito de permanecer no país depende de sua permanência naquele emprego.
Adicione-se a isso a incerteza das renovações de visto, que podem ser negadas, e aos limites sobre o número de vezes em que o visto pode ser renovado. Obter o direito de residência permanente tem suas próprias exigências e custos – em taxas, em advogados, em tempo, em incerteza, em perda de oportunidades. Trocar todos esses custos por uma taxa em dinheiro pode ser melhor para os imigrantes. Por isso a proposta de Becker parece, em princípio, melhor do que o status quo.
Um ponto mais discutível são os efeitos desta proposta sobre a imigração ilegal. A maioria dos imigrantes ilegais são pobres e pouco escolarizados, e é possível que, sob as regras propostas por Becker, o preço de imigrar legalmente seja proibitivo pra eles. Mas, como Becker ressaltou na palestra, é um engano imaginar que imigrar ilegalmente não tem custos. Muitos imigrantes ilegais precisam pagar caro para ser levados para o novo país, enfrentam perigos no caminho, e sofrem insegurança permanente e perda de oportunidades depois da chegada, vivendo em situação irregular. Parece que o efeito da proposta sobre o problema da imigração ilegal dependeria do preço cobrado pelo direito de imigrar e da disponibilidade e condições de empréstimos. Mas, mesmo que seus efeitos sobre o problema da imigração ilegal não sejam claros, o fato de que a cobrança tornaria a imigração legal mais fácil e atraente já é um ponto em seu favor. A ideia não resolve todos os problemas relacionados à imigração, mas resolve um deles.
Uma falha da proposta que me parece mais séria é que dois de seus objetivos, em certa medida, se contradizem. Becker diz que sua política atrairia os trabalhadores mais talentosos, educados e/ou produtivos, e os mais comprometidos a permanecer definitivamente no novo país. Mas esses dois grupos não necessariamente coincidem. O modelo de migração definitiva é pouco adequado para uma época de transporte fácil e acessível e economia globalizada. Hoje, a maioria das pessoas que saem de seu país de origem procura melhores oportunidades econômicas, mas não quer necessariamente deixar seu país para sempre. Os trabalhadores mais em demanda seguem as oportunidades, e podem viver em diversos países ao longo da vida. Exigir dos potenciais imigrantes um investimento que só vale a pena se a imigração for definitiva pode, na prática, afastar justamente aqueles que mais beneficiariam a economia. Mas deve ser possível adaptar a proposta criando opções temporárias, como uma taxa anual, além da possibilidade de migração definitiva para os que quiserem de fato se estabelecer no novo país.
O fato de ser melhor do que a situação atual, porém, não quer dizer que a proposta de Becker seja ideal. A taxa de entrada resolve alguns dos problemas atuais, mas esses problemas existem por conta da política de imigração restritiva praticada não só nos Estados Unidos ou nos países desenvolvidos, mas em praticamente todo o mundo. Becker parte do princípio de que os governos têm o direito de limitar o número de pessoas que entram em seu território, ou escolher quem pode ou não se associar livremente com os cidadãos e residentes de seu território, e propõe uma forma melhor de colocar isto em prática. Ou seja, uma vez que os direitos individuais de livre movimento e livre associação já foram revogados, que ao menos os indivíduos possam comprá-los de volta. Vista desta forma, a ideia de Becker fica muito menos atraente.
A justificativa de Becker para esse pressuposto são os serviços públicos e os benefícios do welfare state, aos quais os imigrantes ganham acesso. A discussão sobre a como resolver a tensão entre liberdade de movimento e o welfare state é longa. A solução óbvia (numa discussão restrita à política de imigração) é aceitar os imigrantes, mas excluindo-os destes serviços até que tenham pago impostos no novo país por um certo tempo. Milton Friedman disse que essa solução é indesejável por criar uma sociedade com duas classes de cidadãos. É verdade, mas as alternativas — tanto a que nega a liberdade de movimento quanto a que a coloca à venda — parecem bem piores.
Monica Magalhães é jornalista e mestre em Filosofia e Políticas Públicas pela London School of Economics
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